Os holofotes mundiais estão voltados para a Rússia, que declarou invasão à Ucrânia, e as consequências do aumento das tensões geopolíticas no leste europeu. Entenda os principais vetores da crise, seus desdobramentos e impactos para seus investimentos.
Como já abordamos em mais detalhes anteriormente, segundo o especialista consultado pela XP, o professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Gunther Rudzit, as tensões entre Rússia e Ucrânia tinham 3 possíveis cenários: 1) uma resolução do conflito por vias diplomáticas; 2) um conflito localizado no leste da Ucrânia (também chamado de guerra híbrida); ou 3) um conflito de maior escala com participação de tropas russas e ucranianas.
Infelizmente, o terceiro cenário, que era o pior e menos esperado, ocorreu. Na madrugada da quinta-feira (24), Moscou iniciou ataques em uma “operação militar especial para proteger o povo da região separatista de Donbas”, segundo Vladmir Putin. Em pronunciamento na noite de quarta-feira, Putin anunciou a autorização de uma operação militar nas regiões separatistas do leste da Ucrânia, devido às ameaças apresentadas pelo país e prometeu liberar o povo de suposta opressão. Explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, logo após o anúncio e bases militares estratégicas, grandes cidades e a capital do país, Kiev, estão sob ataque.
As ações foram condenadas pelo governo ucraniano, assim como por líderes mundiais, entre eles países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), como os Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, que anunciaram uma segunda rodada de sanções contra a Rússia.
Na política, o evento volta os holofotes para a coordenação da política externa dos Estados Unidos e seus aliados, que têm sofrido dificuldades em chegar a entendimentos nos últimos anos, e enfrentam o que interpretam ser um desafio à sua liderança global com o crescimento econômico da China.
A postura dos Estados Unidos está sendo observada cuidadosamente pelos líderes globais, e deve ter ramificações na geopolítica no curto e médio prazo.
A postura da OTAN
Nesta quinta-feira (24), os Estados anunciaram sanções contra quatro bancos russos, como o VTB, sanções contra indivíduos russos e empresas (a serem listadas).
Já o Reino Unido anunciou o congelamento dos bens dos principais bancos russos e sanções contra mais de 100 indivíduos, entidades e suas subsidiárias, dentre elas duas grandes empresas de defesa russas: Rostech e United Aircraft Corporation.
Vale ressaltar que ações mais severas, como expulsão da Rússia do sistema de comunicação financeira SWIFT, não foram acolhidas pelos aliados, que não chegaram a um acordo sobre o tema. No entanto, essas ainda não foram descartadas pelos líderes que prometem acompanhar as ações do Kremlin de perto e responder adequadamente.
No lado militar, vale ressaltar que, apesar da firme posição contra as ações da Rússia, o envolvimento direto não está sendo contemplado pelos países membros da OTAN, conforme afirmado pelo presidente americano, Joe Biden, em pronunciamento nesta tarde. Para reduzir riscos, aliados reforçam tropas em países da região, como Romênia, Polônia e Lituânia.
A visão de Putin
A postura do presidente russo na disputa ainda não é inteiramente clara. No entanto, em pronunciamentos, o governante afirmou tomar ações diante do que entendia ser uma ameaça à segurança da Rússia e opressão do povo vizinho.
Vale destacar que a Ucrânia, país que antigamente fazia parte da União Soviética, tem se aproximado da União Europeia e dos Estados Unidos nos últimos anos, apesar da preferência de Putin por manter uma barreira de Estados entre a Rússia e o bloco. Portanto, as movimentações podem ser interpretadas como uma tentativa do líder de proteger ou até ampliar sua esfera de influência.
Também vale mencionar que críticos do líder russo alegam que as ações sejam uma tentativa de consolidar o poder domesticamente, em meio a um momento desafiador para a economia da Rússia e questionamentos sobre a permanência de Putin no governo.
A China
Até o momento a China não condenou as ações da Ucrânia e reiterou a importância de sua aliança comercial. A postura da segunda maior economia do mundo é crucial num momento em que a Rússia se encontra isolada da economia ocidental, e reduz o impacto das medidas tomadas pela comunidade internacional.
Como a invasão russa afeta os seus investimentos
Movimento global de aversão ao risco
Os mercados reagiram fortemente a essas notícias, com Bolsas globais caindo acentuadamente. O índice russo chegou a cair mais de 33% em um único dia, registrando uma das piores quedas diárias na história do mundo; o rublo russo caiu para um recorde mínimo; os títulos de dívida russa de 10 anos subiram 450 pontos base; e o CDS de 5 anos, medida de risco-país, também saltou para o maior nível desde 2008.
Em todo cenário de tensões geopolíticas acentuadas, os investidores tendem a adotar uma postura de aversão a risco, ou seja, migrar seus investimentos de opções mais arriscadas para opções mais seguras. São eles: títulos de governo, dólar e ouro.
- Os títulos dos governos estão sempre entre os primeiros ativos que os investidores compram em um cenário de aversão a risco. Apesar dos preços dos títulos dos governos na Europa e EUA estarem pressionados recentemente, por conta do cenário de forte inflação no mundo, o aumento da aversão a risco fez com que investidores migrassem para essa classe de ativos. Com maior demanda puxando seus preços pra cima, as taxas de juros desses títulos tendem a cair.
- Outra alternativa muito procurada em movimentos de aversão a risco é a migração natural de moedas emergentes, percebidas como ativos mais arriscados, em direção ao Dólar, causando uma apreciação da moeda americana. Pelo lado positivo, o Real brasileiro segue com uma boa performance no ano, por conta do forte fluxo de investidores estrangeiros que estão comprando ativos brasileiros em busca de exposição à commodities.
- Por fim, outro ativo muito conhecido pelo aumento de demanda em cenários desse tipo é o ouro. Desde que a tensão do leste europeu se acentuou, o metal já subiu mais de 20% no mês de fevereiro e, com os juros nos títulos dos governos cedendo, como mostrado acima, o preço do ouro segue subindo.
Riscos de inflação mais alta e políticas monetárias no mundo
Desde o ano passado, o mundo enfrenta um forte aumento da inflação, como consequência de políticas monetárias e fiscais expansionistas para combater a crise econômica causada pela pandemia, gargalos na cadeia de suprimentos e aumento dos preços das commodities. Na tentativa de conter a alta nos preços globais, bancos centrais ao redor do mundo começaram a apresentar uma postura mais dura em relação às suas políticas monetárias.
A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo mundial, além de fornecedor de quase 40% do gás natural consumido pela Europa. Na parte de grãos, a Rússia é o maior exportador de trigo do mundo, e a Ucrânia é o 4º maior exportador do grão, além de 3ª maior exportador de milho. Agora, com a invasão da Rússia à Ucrânia, mercados precificam um cenário de estagflação – ou seja, uma inflação mais acelerada acompanhada de uma redução do ritmo de atividade econômica.
Com a alta tensão geopolítica, o fornecimento dessas commodities deve ficar fortemente comprometido, acentuando ainda mais os gargalos na cadeia de suprimentos e aumento dos preços das commodities, observados desde a rápida retomada econômica pós ápice da pandemia. Além disso, as atividades devem ter seu ritmo reduzido, já que, a primeira reação, por parte tanto dos investidores quanto da economia real, a choques desse tipo é segurar os planos.
Nesse cenário, os bancos centrais, que já lidavam com uma inflação mais alta do que o esperado, deveriam seguir seu curso, mas a questão agora é quão agressivos seriam. No Brasil, as taxas poderiam ser mantidas mais altas por mais tempo para conter o choque inflacionário.
E o Brasil?
Vemos o Brasil como um mercado que deve sofrer menos do que os outros por conta da grande exposição a commodities. Além disso, devemos nos beneficiar de um fluxo positivo de investidores diminuindo exposição à Rússia. Tanto a Rússia quanto Brasil são Mercados Emergentes e, inclusive, têm pesos semelhantes — ao redor de 4% — no índice de mercados emergentes, o que pode favorecer um movimento de troca de alocação, por parte de investidores estrangeiros, do mercado russo para o brasileiro, já que ambos são mercados emergentes com grande exposição a commodities, e Brasil continua um mercado líquido e robusto.
Como os setores podem ser afetados?
Agro e Alimentos
Com as commodities agrícolas próximas de patamares recordes e inúmeras preocupações com o aumento dos preços de fertilizantes, sobretudo após anos seguidos de clima adverso limitando o aumento da oferta para a maioria dos produtos, as notícias sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia chegam em um momento muito sensível para o setor agrícola. Juntas, Rússia e Ucrânia respondem por 17% das exportações mundiais de milho e 28% das exportações de trigo, motivo suficiente para justificar a alta dos preços no mercado futuro dessas commodities, com repercussões na soja, óleos vegetais, entre outros.
Ainda não se sabe como as exportações podem ser afetadas, tanto de grãos quanto de fertilizantes, mas os preços já estão subindo devido ao risco de oferta e também devido a uma pressão de custos em todos os setores, de fertilizantes a preços de combustível, o que afetará o frete e inclusive os spreads históricos entre os países. É importante destacar que a Ucrânia já está na época de plantio do trigo de primavera, enquanto que milho, soja e arroz devem começar em abril, portanto nos parece otimista esperar que isso aconteça sem interrupções.
Essa pressão de custos afetará os agricultores em todo o mundo, mas os países com custo estrutural de produção mais baixo devem sofrer menos e podem capturar preços de venda mais altos, por isso continuamos otimistas com nomes como BrasilAgro (AGRO3), São Martinho (SMTO3), Jalles Machado (JALL3). Frigoríficos, principalmente os mais focados em aves e suínos, como BRF (BRFS3) e Seara (JBSS3), devem ser impactados negativamente, mas, devido à sua diversificação geográfica, a visão sobre a JBS é mista.
Em uma nota mais otimista, o consumo de alimentos geralmente é a última variável a ser impactada durante uma crise ou mesmo em tempos de alta volatilidade, portanto, apesar de uma perspectiva macro negativa, enxergamos tanto o setor agro quanto o de alimentos como lugares seguros para se estar.
Bancos e setor financeiro
De forma geral, vemos um pequeno impacto nos bancos brasileiros e instituições financeiras, sendo eles:
Volatilitade das taxas de câmbio: A maior parte das suas operações são locais e as suas exposições ao câmbio são em grande parte protegidas, como parte das suas rotinas de gestão de risco.
Maior inflação: Vemos um impacto indereto pequeno de uma potencial inflação maior (e persistente) no curto prazo pressionando o crescimento dos volumes transacionados. Dito isso, vemos esse impacto como limitado.
Aversão ao risco: Apesar de uma potencial aversão ao risco poder trazer maior volatilidade para as ações do setor no curto prazo, vemos os fundamentos do setor para o longo prazo inalterados.
Nesse cenário, reiteramos a nossa preferência por nomes mais defensivos, sendo o Banco do Brasil (BBAS3) a nossa preferência devido à característica mais defensiva de sua carteira e do seu valuation descontado.
Bebidas
Já esperávamos que as pressões de custos continuassem pressionando as margens da Ambev (ABEV3) em 2022, pois a empresa divulgou em seus resultados (24 de fevereiro) que o custo caixa aumentaria entre 16-19%, enquanto a taxa de câmbio está em R$5,39/US$, superior ao mercado spot.
Além disso, uma perspectiva macro mais deteriorada afeta negativamente o poder de precificação da empresa. Os efeitos da crise Rússia/Ucrânia em pressionar os preços das commodities e aumentar a inflação podem surpreender a previsão da empresa de custos e despesas de vendas e administrativas, em nossa opinião, afetando negativamente a recuperação das margens.
Bens de Capital
Vemos três grandes impactos para as empresas de Bens de Capital no contexto do conflito Ucrânia/Rússia: (i) implicações inflacionárias, refletindo o aumento dos preços das commodities e a desvalorização do real; (ii) empresas mais expostas ao continente europeu, que poderiam apresentar maior impacto relativo da desaceleração da economia; e (iii) aversão ao risco.
Vemos um papel defensivo na WEG (WEGE3), com a depreciação do Real compensando parcialmente maiores impactos para a Embraer (EMBR3): apesar dos potenciais impactos em seus principais mercados (redução da demanda induzida pela inflação em produtos de ciclo curto no caso da WEG, e ambiente de custos mais desafiador para as companhias aéreas no caso da Embraer), vemos ambas as empresas se beneficiando da desvalorização do real como papéis positivamente impactos pela depreciação do câmbio, dado ao (i) perfil exportador de receita e o (ii) descasamento de receitas e custos/passivos dolarizados para ambos empresas. Além disso, vemos a exposição da WEG e da Embraer para a Europa como limitada (~15% das receitas e concentrada principalmente na Europa Ocidental).
Esperamos um impacto maior para a Iochpe-Maxion (MYPK3): A Iochpe-Maxion é a empresa mais exposta ao continente europeu sob nossa cobertura, com a planta industrial da Turquia desempenhando um papel importante no fornecimento de seus produtos para a Europa Ocidental e Oriental. Além disso, as perspectivas de rentabilidade da empresa podem ficar sob pressão se os preços do alumínio e do aço subirem em um cenário de restrição de oferta (que teria que ser negociado e repassado às montadoras de veículos), com pouco benefício da depreciação do real (já que a Iochpe-Maxion tem pouca exposição às exportações).
Implicações positivas para a Tupy (TUPY3) e neutras para a Aeris (AERI3): dado o perfil de contrato de longo prazo de ambas as empresas com montadoras e cláusulas de repasse de matérias-primas, não esperamos impactos na rentabilidade devido ao aumento dos preços das commodities.
No caso da Tupy, vemos a exposição geográfica da empresa na Europa como pequena (~13% da receita), com implicações positivas marginais para as perspectivas de ROIC como resultado da depreciação do real dado o forte perfil de exportação da empresa (~40% da receita). No caso da Aeris, devido ao seu perfil contratual de previsibilidade de ROIC, não vemos grandes implicações positivas para seus níveis de retorno devido a um real depreciado.
Redução da demanda local induzida pela inflação potencialmente impactando Randon (RAPT4), Marcopolo (POMO4) e Fras-le (FRAS3): esperamos um impacto negativo para Randon, Marcopolo e Fras-le em meio a uma aceleração do ambiente inflacionário.
Embora a depreciação do real possa beneficiar as perspectivas de exportação das empresas (~10-20% da receita), acreditamos que (i) a redução da demanda induzida pela inflação no mercado local brasileiro e (ii) as pressões de custos sobre os aumentos de matérias-primas devem desempenhar um papel mais relevante nas tendências de receita e margens, respectivamente, embora valha ressaltar a exposição da Randon ao agronegócio [potencialmente beneficiado por preços mais altos de commodities], que deveria compensar parcialmente este ambiente econômico mais desafiador no Brasil.
Educação
Não esperamos impacto no nível micro entre as empresas de educação sob nossa cobertura, uma vez que operam exclusivamente no mercado doméstico. No entanto, o setor de educação é cíclico, portanto nosso beta assumido para as ações é superior a 1,0, o que significa que uma tendência de risk-off poderia penalizar essas ações.
Além disso, Anima (ANIM3) e Cogna (COGN3) apresentam maior alavancagem financeira, potencializando o efeito da ciclicidade do negócio e, consequentemente, aumentando a volatilidade das ações.
Elétricas
As empresas do setor elétrico são consideradas ações defensivas e apresentam um beta historicamente baixo, o que significa baixa volatilidade quando comparado ao Índice Ibovespa. Isso é resultado direto de suas características intrínsecas: (i) baixa exposição ao PIB; (ii) contratos atualizados anualmente pela inflação; e (iii) receitas previsíveis. Dito isso, acreditamos que o setor pode ser uma boa opção em um cenário de instabilidade macro e mantemos nossa preferência em Omega Energia (MEGA3), CESP (CESP6) e Equatorial (EQTL3).
Imobiliário e Shoppings
De forma geral, vemos um pequeno impacto no setor. Os efeitos ocorreriam devido a:
Inflação mais alta: como mencionado, o aumento dos preços das commodities e a possível depreciação do real devem pressionar ainda mais a inflação, o que poderia impactar negativamente a capacidade de pagamento dos clientes e a margem bruta das construtoras.
Beta alto: Os investidores podem ser mais avessos ao risco neste cenário, o que deve afetar negativamente as ações de beta mais alto e nomes menos líquidos.
Portanto, vemos as construtoras como as mais afetadas, seguidas por shoppings e galpões.
Mineração e Siderurgia
Alumínio: Os produtores de alumínio na Europa Ocidental já estavam pressionados pelos altos preços do gás e vários fundições fecharam a produção. A manutenção desta tendência de preços elevados do gás deverá manter a oferta contida no velho continente.
Além disso, apesar do mercado bastante concentrado (a China é responsável por 60% da oferta global), a Rússia ainda é um dos maiores produtores de alumínio primário, respondendo por mais de 6% da produção global total, grande parte destinada à Europa.
Portanto, sanções mais amplas visando a economia da Rússia podem restringir ainda mais a oferta. E os estoques globais desse metal estão em níveis muito baixos e a produção de alumínio da China depende principalmente do carvão, e essa commodity também deve aumentar devido aos preços mais altos de petróleo e gás. Esta é uma notícia positiva para a CBA (CBAV3), que pode desfrutar de preços globais de alumínio mais altos enquanto os custos de energia permanecem baixos no Brasil
Aço: Embora a Ucrânia e a Rússia não sejam grandes produtores de aço, o conflito pode impactar o mercado de aço da Turquia, restringindo a oferta de aço e fazendo com que os preços subam. Isso pode ser compensado pelo menor crescimento do PIB global, fazendo com que a demanda por aço diminua.
Como mencionado no segmento de minério de ferro, se o conflito atingir proporções globais, a produção de aço pode aumentar para abastecer a indústria de guerra. Devemos ver um impacto neutro nas siderúrgicas brasileiras.
Minério de Ferro: Por um lado, os altos preços do petróleo e as interrupções no fornecimento devem impactar os custos de frete, o que pode impactar positivamente os preços do minério de ferro, por outro lado, o menor crescimento do PIB global deve impactar a produção de aço e diminuir a demanda por minério de ferro. Mas se o conflito atingir proporções globais, a produção de aço pode aumentar para abastecer a indústria bélica. Até agora, a escala do conflito se traduziu em um impacto neutro a negativo nos produtores brasileiros de minério de ferro.
Ouro: O metal é historicamente conhecido por atuar em cenários de aversão ao risco e cenários de alta inflação, ambos se materializando neste momento. Do lado da oferta do metal, a Rússia foi o segundo maior produtor do mundo em 2020 e respondeu por cerca de 10% da produção global total, segundo o World Gold Council. Esta é uma notícia positiva para a Aura Minerals (AURA33), pois os preços do ouro sobem enquanto os custos permanecem sob controle.
Papel e Celulose
Preços mais altos de petróleo podem afetar o custo de produção e transporte de celulose, já que o transporte de madeira demanda muito diesel. Isso significa que devemos ver uma inflação de custos nos preços da celulose, compensada por menor demanda. No segmento de papel, à medida que o crescimento do PIB diminui, a demanda por papéis para embalagens diminui, fazendo com que os preços já elevados no Brasil diminuam. Isso significa um impacto neutro a negativo para os produtores brasileiros de celulose e papel, mas que podem ser ajudados por um melhor câmbio.
Petróleo e Gás
Já estávamos em um cenário de oferta/demanda apertado. O consumo estava aumentando devido à reabertura e ao crescimento econômico. Mas a resposta da oferta vinha sendo fraca, mesmo com o aumento dos preços de petróleo e gás, devido à queda dos estoques em todo o mundo.
A Rússia é o 3º maior produtor de petróleo e o 2º maior produtor de gás e fornece ~40% do consumo de gás da Europa. Os preços do gás no velho continente dispararam para níveis nunca vistos nos últimos meses, e a situação não piorou ainda mais porque os EUA redirecionaram a maior parte de seu GNL para a Europa. Com a escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia, muito provavelmente os preços de petróleo e gás sofrerão uma pressão de alta. O que pode ajudar é um possível acordo nuclear com o Irã, pois essa oferta extra pode proporcionar um breve alívio aos preços. A menos que a OPEC ou os EUA aumentem a oferta de forma mais pronunciada, ainda veremos preços altos de petróleo e gás no curto e médio prazo.
Além disso, os EUA podem acelerar o uso das reservas estratégicas de petróleo (“SPR”) para segurar momentaneamente os preços. A alta dos preços do petróleo deve impulsionar a geração de caixa para as empresas brasileiras de petróleo e gás.
No caso da Petrobras (PETR4), a empresa não está aumentando imediatamente os preços dos derivados, praticando preços de paridade de importação com muita defasagem temporal, mas não afetando seu EBITDA, graças aos estoques formados com custos mais baixos, veja mais aqui e aqui. Ainda vemos o estatuto social da Petrobras protegendo a empresa de subsidiar combustíveis como no passado, sendo o repasse da escalada internacional no preço do Brent uma questão de tempo.
Saúde
Dentro de nossa cobertura de saúde, deve haver pouco ou nenhum impacto no nível micro, pois essas empresas – com exceção das farmacêuticas – estão expostas exclusivamente ao mercado interno. Já em relação às empresas farmacêuticas, a Blau (BLAU3) é a que apresenta maior exposição a mercados externos (EUA e América Latina), mas nenhum desses mercados parece ser diretamente afetado pelo conflito.
No entanto, uma tendência de risk-off poderia penalizar ações com beta mais alto, que em nossa visão são aquelas de empresas com maior alavancagem financeira, a saber: Rede D’Or (RDOR3) e Kora (KRSA3).
Small Caps
Vemos um impacto heterogêneo para as empresas de Small Caps devido às diferentes naturezas dos seus setores.
Aversão a risco: no geral, entendemos que, diante de um cenário de conflito entre Rússia e Ucrânia, os investidores devem se tornar ainda mais avessos ao risco. Consequentemente, papeis com menor liquidez podem ser prejudicados, como é o caso de grande parte das empresas da nossa cobertura de Small Caps. No entanto, no longo prazo, entendemos que os fundamentos das teses permanecem inalterados.
Maior inflação: conforme descrito anteriormente, o aumento nos preços das commodities aliado a uma possível depreciação cambial podem vir a pressionar a inflação doméstica, corroendo o poder de compra dos consumidores ainda mais. Consequentemente, nomes de consumo discricionário como Allied, Grendene e Vulcabras podem ser negativamente impactados.
Ponto positivo: conforme descrito em Agro, Rússia e Ucrânia respondem juntas por 17% das exportações mundiais de milho e 28% das exportações de trigo, motivo que poderia justificar uma alta dos preços no mercado futuro dessas commodities e dos grãos como um todo. Consequentemente, agricultores brasileiros podem vir a ter rentabilidades maiores, o que poderia beneficiar a Kepler Weber, indiretamente.
Pressões de custos: conforme descrito na seção de Materials, caso o conflito escale, o preço do aço poderia aumentar devido a gargalos na oferta, o que prejudicaria as margens da Kepler, uma vez que o aço representa cerca de 40% dos seus custos. Adicionalmente, com uma alta do preço do petróleo, os custos da Grendene relacionados ao PVC, sua principal matéria prima, também poderiam aumentar.
Tecnologia, Mídia e Telecom
Dentro da nossa cobertura do setor de tecnologia, sinalizamos que a única empresa diretamente afetada pelo conflito na Ucrânia é a Bemobi (BMOB3). Como já mencionado em nosso relatório de início de cobertura, a Bemobi atua em quase 40 países, incluindo Rússia e Ucrânia. Além disso, em um comunicado ao mercado, a empresa mencionou que 35 dos 750 funcionários trabalham atualmente nos países mencionados e cerca de 5% da receita da empresa vem de lá. Em suma, a tecnologia e informações da Bemobi estão em rede cloud, mitigando possíveis impactos.
Ressaltamos que empresas do setor de tecnologia com alto duration e/ou menor liquidez, portanto, maior risco, são impactadas negativamente pelas incertezas quanto ao cenário macroeconômico em 2022.
Transportes
Observamos dois principais impactos potenciais para nossos subsetores:
Positivo para Rumo:
i) Os altos preços dos combustíveis beneficiam a dinâmica competitiva da Rumo. Apesar da alta exposição da Rumo aos custos do diesel (~30% da base de custos), seus contratos take-or-pay possuem cláusulas de repasse para o diesel e os concorrentes têm uma exposição ainda maior ao diesel (não apenas os caminhoneiros em si [mais óbvio], mas também o Arco Norte [incluindo a Hidrovias do Brasil] devido ao trecho rodoviário mais extenso para chegar à hidrovia onde embarcam as exportações de soja e milho produzidos no estado do Mato Grosso);
ii) Os altos preços das commodities em moeda local (R$) são positivos para as perspectivas de volume. A maior parte dos volumes da Rumo está relacionada ao transporte de exportação de soja e milho, e os altos preços dessas commodities em moeda local tendem a incentivar os agricultores brasileiros a aumentar a produção, além de ampliar o valor agregado dos produtos tirando pressão dos custos de frete na cadeia de valor das exportações. Ressaltamos que esse impacto também é positivo para a Hidrovias do Brasil devido à sua alta exposição às exportações de commodities produzidas no estado do Mato Grosso.
Negativo para Companhias Aéreas
Vemos uma perda, ainda que possivelmente temporária, da correlação inversa histórica entre a moeda brasileira (o real) e os preços do petróleo, que normalmente funciona como uma proteção (hedge) natural para a exposição das companhias aéreas a esses fatores macroeconômicos (moedas de mercados emergentes, incluindo o real, depreciando ao mesmo tempo que os preços do petróleo estão aumentando dado os riscos à oferta). As companhias aéreas brasileiras Azul e Gol têm alta exposição ao dólar tanto em custos quanto em posições de dívida, assim como uma parcela significativa de sua base de custos em dólares está relacionada a encargos com combustível.
Varejo
O impacto para o setor é negativo por conta de:
Maior inflação: O aumento nos preços das commodities e possível depreciação cambial deve por uma pressão adicional na inflação, o que por sua vez compromete o poder de compra dos consumidores ainda mais. Nesse sentido, vemos os nomes de ecommerce, principalmente VIIA/MGLU (por conta da sua maior exposição à linha branca/eletrônicos), como os mais afetados, seguidos de nomes de consumo discricionário mais focados em classes mais baixas.
Redução de risco: os investidores devem ser mais avessos a risco nesse cenário, o que deve afetar negativamente nomes menos líquidos e histórias de crescimento.
Destacamos duas ações que podem ser diretamente afetadas pelo evento:
i) Alpargatas (ALPA4) uma vez que 60-70% do seu custo é matéria prima, sendo 50% dela advinda de borracha sintética e outros petroquímicos, que tendem a ter uma forte correlação com os preços de petróleo.
ii) Natura&Co. (NTCO3) uma vez que a Russia é uma dos top 8 mercados da Avon Internacional (que juntos representam ~50% das receitas da divisão) enquanto eles também possuem operações na Ucrânia (menos relevante). Como referência, nós estimamos que a Avon Internacional represente ~25% da receita consolidada do grupo.
Nós, portanto, reforçamos nossa preferência por nomes com perfis de risco/retorno mais balanceados e com maior liquidez, com RD (RADL3), Assaí (ASAI3), Arezzo&Co. (ARZZ3) e Grupo Soma (SOMA3) como nossas preferências no setor.
Como se posicionar nesse cenário?
A melhor estratégia a seguir nesses momentos é ter caixa, se manter investido, manter a diversificação na carteira, e manter a calma.
Manter o caixa é importante para podermos nos beneficiar de oportunidades que aparecem em momentos de volatilidade: o mercado deve apresentar bons ativos a preços atrativos. Manter seus investimentos é também muito importante, pois o mercado tende a se recuperar desses eventos geopolíticos.
Manter a diversificação na carteira é a melhor forma de proteger nosso patrimônio e ter retornos balanceados ao longo do tempo. E manter a calma é muito importante para conseguirmos executar essa estratégia em momentos de estresse elevado.
Se você ainda não tem conta na XP Investimentos, abra a sua!