Há quatro anos, quem diria que os juros básicos do Brasil se reduziriam a patamares de um país desenvolvido? Na época, em plena recessão econômica, parecia impossível, mas depois desse período a Selic nunca mais subiu, sendo reduzida de forma intensiva após a aprovação de medidas que atacavam o problema fiscal do país. Nesta quarta-feira, o Banco Central decidiu por cortar pela 9ª vez seguida a Taxa Selic, conforme o mercado já esperava - reforçando a Era dos juros baixos no Brasil.
No último comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), já havia uma sinalização de um corte "residual", que culminou na redução dos juros de 2,25% para 2% ao ano. É, mais uma vez, um recorde na história da taxa básica, que nunca foi tão baixa por aqui.
Apesar de o mercado enxergar os juros baixos como fator positivo, a pergunta que não quer calar é: até quando o BC pretende cortar e até que ponto é saudável? Veja as possíveis motivações para mais uma redução e como isso impacta os investimentos.
Veja abaixo a análise e as projeções da equipe de Economia da XP:
BC sinaliza manutenção da taxa, mas não fecha a porta totalmente
Selic a 2%: por quê?
A reunião do Copom analisa diversos aspectos da economia para definir a nova taxa básica de juros. A inflação é, entre todos os indicadores, o principal a ser analisado e tudo o que permear em torno dela, tendo um certo grau de influência, será colocado na balança para estipular aumento, manutenção ou diminuição dos juros brasileiros.
Se apenas a inflação fosse considerada, haveria espaço de sobra para cortar os juros. Afinal, o IPCA está, de acordo com os últimos dados, abaixo até mesmo do piso da meta de inflação, que é de 2,5% a.a. (o teto é 4% a.a.). Isso significa que o nível é considerado confortável e que há um bom controle sobre esse quesito, reforçando mais um corte da Selic. Mas por que a nona redução foi de só 0,25 pontos percentuais e até onde pode ir o ciclo de juros baixos? Há algumas hipóteses para se considerar.
Juros de país desenvolvido: por que a cautela?
De acordo com a nossa equipe de Economia, o Banco Central pode colocar um freio nos cortes da Selic daqui para frente por alguns riscos que são vistos com bastante cautela.
Impacto fiscal na pandemia e o risco de pressão inflacionária
O alto choque de estímulos que têm sido colocado na economia brasileira devido à pandemia do coronavírus trouxe, por um lado, certo alívio nos principais indicadores econômicos, o que surpreendeu as expectativas que estavam bastante negativas em relação ao desenvolvimento de setores. Os dados de emprego, os resultados do varejo e a produção industrial vieram acima das estimativas mesmo no cenário de pandemia, reforçando que houve ligeiro sucesso nos estímulos do governo.
Ou seja, com tantos estímulos para injetar liquidez na economia há dois pontos cruciais que o BC deva ponderar nas próximas reuniões:
- Impacto fiscal: Os gastos do governo para tentar desafogar a economia brasileira certamente produzirão um impacto significante para as contas públicas. E isso é um fator que pode ser contraproducente, na visão da nossa equipe de economia, pois mais um corte poderia ser excessivo, já que os dados de atividade econômica já vêm apresentando relativa melhora com os estímulos.
- Pressão inflacionária: Medidas como o auxílio emergencial, durante a pandemia, tendem a aquecer a demanda e estimular consumo, o que pode resultar em um aumento da inflação no longo prazo. Só esse risco já poderia ser um dos motivos para uma puxada de freio do BC.
Pressão no câmbio e fuga de capital estrangeiro
O movimento de queda na taxa de juros, no caso do Brasil, acaba sendo um fator de pressão para o câmbio entre real e dólar como consequência, principalmente, do diferencial juros e de crescimento econômico entre o Brasil e as economias desenvolvidas (como os Estados Unidos). Mas como assim? De que forma isso afeta o dólar e ocasiona a fuga de capital estrangeiro?
Quando um investidor pensa em investir em um país, ele olha para o crescimento do PIB, se há indícios de sustentabilidade desse indicador, e também para a taxa de juros, pensando em um maior retorno dos títulos públicos.
No caso do Brasil, as melhores projeções econômicas já apontam um PIB negativo neste ano por causa da pandemia e, além disso, com as taxas de juros cada vez mais baixas, o retorno de títulos públicos já não compensa tanto em comparação ao de países desenvolvidos, por exemplo.
Então, nas duas principais vias de investimento, aos olhos dos estrangeiros, não há tanta atratividade como há alguns anos, quando o país tinha juros altíssimos, de dois dígitos, que compensassem um PIB menor.
Quando há essa fuga de capital estrangeiro, a tendência é que o real se desvalorize frente ao dólar e haja uma pressão para que a moeda norte-americana fique mais cara.
O câmbio é um fator importante porque quando ele está alto pode haver uma pressão para um aumento na taxa de inflação. Isso ocorre porque, de forma geral, a alta do dólar, em tese, repassaria para os preços de produtos.
Ciclo de baixa da Selic x Reformas do governo
A Era dos Juros Baixos, período inédito que se intensificou em julho do ano passado, tem relação com o ambiente econômico que se instalou no Brasil após algumas medidas econômicas.
Em 2016, quando o Brasil enfrentava recessão, os juros chegaram a bater os 14,25%. O panorama foi se alterando, novos estímulos foram adotados pelo Banco Central, acompanhando as reformas estruturais que foram adotadas no Brasil neste período, como o Teto de Gastos, em 2016, e a reforma da Previdência, no ano passado.
Como mostramos no gráfico logo no começo do texto, essas medidas foram essenciais na contribuição do cenário de juros baixos e outras que ainda estão em pauta, como a reforma Tributária, ainda seguem com protagonismo para manter a Selic nesse patamar.
XP Explica
Qual o impacto dos juros baixos?
O Banco Central, a cada 45 dias, define o valor da taxa Selic para, basicamente, controlar a inflação. Quando a inflação está mostrando sinais de alta, o BC pode aumentar a Selic para tentar reequilibrar e conter o avanço.
Caso o índice de preços esteja a níveis mais confortáveis, o órgão pode reduzir a Selic para, assim, manter a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e, por consequência, estimular a economia.
Os níveis baixos nos juros tornam o custo de empréstimo mais barato, financiamento imobiliário mais atrativo e, também, incentivam as pessoas a procurar investimentos de maior risco e, portanto, chances de retornos maiores.
Isso ocorre porque a Selic também serve como instrumento de referência e benchmark para diversos investimentos, sobretudo os de Renda Fixa, que em grande parte são atrelados à variação da taxa de juros. E quanto menor ela for, menor será a rentabilidade desses investimentos.
Se você ainda não tem conta na XP, abra a sua aqui.
Por que a Bolsa brasileira se beneficia com a queda da Selic?
Os cortes de juros na taxa Selic beneficiam as empresas listadas na Bolsa brasileira (Renda Variável) porque tornam, de forma geral, os investimentos de Renda Fixa menos atrativos em relação à rentabilidade. Com isso, a tendência é que haja, a médio e longo prazo, um maior fluxo de investidores migrando para ativos na Bolsa de valores em busca de retornos maiores em um mercado que flerta mais com o risco.
Palavra do Estrategista-Chefe da XP
Fernando Ferreira, Estrategista-Chefe e Head do Research da XP
Em linhas gerais, juros baixos são positivos para a Bolsa, por algumas razões:1) Ajudam a reduzir o custo do dinheiro, e a taxa de desconto que utilizamos ao avaliar o valor de uma empresa. Quando menor a taxa de desconto, maior o valor.
2) Acelera a migração de recursos para a Renda Variável. Hoje, existem mais de R$ 7 trilhões na Renda Fixa no Brasil, e estimamos que pelo menos R$1 trilhão irá migrar pra Bolsa (25% do valor de mercado de todas as empresas listadas na B3 hoje).
3) Beneficia a economia real e projetos de investimento ficam mais atrativos. Ou seja, quanto maior o crescimento potencial do país, maior lucro para as empresas.
Além disso, os juros futuros de longo prazo ainda estão altos no Brasil (CDI 2026 em cerca de 5,7% ao ano) e isso é importante para a Bolsa, pois os juros que levamos em conta ao analisar uma empresa são os juros de longo prazo.
Ou seja, é importante também que o mercado passe a enxergar juros baixos por mais tempo para que toda a curva de juros caia no Brasil, não apenas os juros de curto prazo (Selic).
E a Renda Fixa?
Apesar de muitos dizerem que a Era dos juros baixos "matou" a Renda Fixa e colocarem esse mercado para escanteio, é importante frisar que para a construção de qualquer portfólio de investimentos é necessário passar com olhar detalhado para os ativos de Renda Fixa.
Sim, alguns títulos de Renda Fixa têm sua rentabilidade comprometida com mais uma queda da Selic, mas a uma carteira diversificada, passando necessariamente pelo mercado conservador, acaba falando mais alto.
De forma geral, a Renda Fixa tem suas especificidades e consegue ofertar investimentos variados para qualquer tipo de perfil, desde aquele investidor que precisa de um porto seguro aos mais arrojados que se arriscam mais para obter rentabilidades mais atrativas.
Segundo Camilla Dolle, coordenadora de análise de Renda Fixa da XP, o importante é ter bastante cautela e discernimento para saber o quanto de risco é possível adicionar de acordo com seu perfil. São três mercados principais para ficar de olho:
- Tesouro Direto, com o menor risco do mercado
- Emissões bancárias, como CDBs, LCIs e LCAs, de risco intermediário e que podem ter a sólida proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC)
- Mercado de crédito privado, que oferece um risco maior e, portanto, tem rentabilidades mais atrativas atualmente.
Dentro desse universo, Dolle afirma que o mercado de crédito privado para quem busca prioritariamente retornos mais altos, em época de juros baixos, é o mais indicado. CRIs, CRAs e debêntures são os principais ativos desse grupo e há empresas ofertando esses investimentos com risco de crédito muito baixo, as chamadas Triplo A. Isso significa que são companhias consideradas boas pagadoras e que não têm um grau elevado de possibilidade de calote.
Portanto, é possível encontrar risco e boa rentabilidade mesmo em um mercado mais conservador e mesmo neste período de crise que vivemos.
E para a reserva de emergência?
A coordenadora de análise de Renda Fixa da XP, afirma que para a reserva de emergência, o Tesouro Selic ainda é a primeira opção.
Sua recomendação se baseia em dois pilares, deixando mais de lado a rentabilidade para este objetivo, afinal nenhum outro ativo no mercado tem a combinação de baixo risco e ótima liquidez, fatores essenciais para a reserva.
Como fica a poupança com a queda da Selic?
A poupança, tradicional aplicação para grande parte dos brasileiros, teve sua rentabilidade muito achatada por conta dos juros baixos. Hoje, a regra de cálculo para o retorno da poupança é de 70% da Selic.
Isso significa que a poupança rende cerca de 1,4% ao ano. Como a caderneta funciona como uma porcentagem da taxa Selic, neste caso a recomendação para um investimento de porta de entrada é o Tesouro Selic, que rende 100% da taxa básica, ou seja, acima dos 70% da poupança.