A medida incluída na proposta para a segunda fase da Reforma Tributária, apresentada pelo governo federal na última sexta-feira, 25 de junho, de taxar o pagamento de lucros e dividendos, traz uma alíquota superior (20%) às alíquotas propostas aos instrumentos financeiros constantes do Projeto de Lei, e vem em um momento em que a economia precisa de estímulo de investimento e de capacidade de absorção de força de trabalho que não está empregada, afirmou Jorge Rachid, consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal em live promovida pela XP no dia 28 de junho. Em conversa com o economista-chefe da XP, Caio Megale, o estrategista-chefe e head de Research da XP, Fernando Ferreira, e o analista político da XP, Paulo Gama, Rachid destacou que seria mais do que razoável tributação de dividendos ser igual a demais instrumentos (15%).
A proposta de projeto apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, tem como foco aliviar a tributação para quem tem renda mais baixa, por meio da mudança no Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), e promover ajustes no Imposto de Renda de empresas. Para compensar a perda de receita, o governo propôs a tributação do lucro e dividendos pagos pelas companhias, bem como dos dividendos pagos pelos fundos imobiliários, além do ajuste da tributação de outros instrumentos financeiros. A proposta envolve 22 temas específicos e mais de 40 revogações de leis para implementação das mudanças propostas.
Para ser válida em 2022, a aprovação do projeto de lei precisa ocorrer até o final de 2021. Muitas negociações irão acontecer ao longo dos próximos meses. A proposta deverá receber grande número de emendas durante sua tramitação. Veja abaixo a opinião do consultor tributário sobre os principais pontos da proposta.
(I) LUCROS E DIVIDENDOS:
Objetivo principal : desestimular a “pejotização”. A proposta prevê tributação de 20% de imposto na fonte pagadora, com isenção de até R$ 20 mil por mês a microempresas e empresas de pequeno porte.
Para a remessas de lucros ao exterior, alíquota de 20% (30% caso o destino seja considerado “paraíso fiscal”).
Avaliação: Restabelecer a sistemática de tributação de dividendos, extinta em 1995. Reintroduz maior complexidade na tributação e impõe maior custo para investir no País.
Seria mais do que razoável tributação de dividendos ser igual a demais instrumentos (15%).
Se um dos objetivos é desestimular a “pejotização”, a medida proposta tem alcance amplo, para todas as pessoas jurídicas, justamente em um momento em que a economia precisa de estímulo de investimento e de capacidade de absorção de força de trabalho que não está empregada.
A alíquota proposta de 20% sobre dividendos é superior às alíquotas propostas aos instrumentos financeiros constantes do Projeto de Lei.
(II) JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO (JCP):
Objetivo principal: adequar o sistema ao cenário atual diverso de quando foi criada a medida de JCP (década de 1990), considerando que não cumpre a finalidade de estimular investimentos.
A proposta prevê o fim da dedutibilidade de valores de JCPs do cálculo do IRPJ e da CSLL para empresas sob o regime de apuração do lucro real.
Avaliação: Além de aumentar a tributação efetiva nas empresas, a extinção da dedutibilidade do JCP deixará de estimular o investimento em capital.
(III) REDUÇÃO DA ALÍQUOTA DO IRPJ:
Proposta reduz alíquota de 15% para 12,5% em 2022, e de 12,5% para 10% em 2023 a alíquota de Imposto de Renda para Pessoa Jurídica. Mantém adicional de 10% sobre lucro acima de R$ 20 mil por mês.
Avaliação: Pressupõe que a redução da alíquota nominal do IRPJ esteja atrelada à reintrodução da tributação sobre dividendos e à eliminação da dedutibilidade do JCP, cujas medidas visam compensar o impacto nas contas públicas.
Considerando o conceito renda como base tributável, a proposta ensejaria notável aumento da pressão tributária. A redução da alíquota nominal do IRPJ seria escalonada a partir de 2022, enquanto a tributação dos dividendos teria alíquota de 20% logo no primeiro momento.
– Ganho de Capital Indireto: tributação e regras para o ganho de capital em alienações indiretas de ativos no Brasil por empresas no exterior (offshores).
Avaliação: Medida justa e em linha com as recomendações para evitar erosão da base tributária emanadas por organismos internacionais.
(IV) TRIBUTAÇÃO DE OPERAÇÕES NA BOLSA DE VALORES:
Proposta prevê que a apuração migre de mensal para trimestral, com alíquota geral de 15%.
Avaliação: Medida positiva, pois a apuração passaria a ocorrer trimestralmente, podendo haver compensação de resultados negativos no período entre mercados à vista, a termo, de opções e de futuros, inclusive Day Trade e cotas de fundos. Destaca-se ainda a eliminação da tributação antecipada do IRRF – Imposto sobre a renda retido na fonte (0,005%).
(V) ATIVOS DE RENDA FIXA E FUNDOS DE INVESTIMENTO:
Alíquota única de 15% como principal ponto positivo da proposta (recolhido na distribuição de rendimentos, na amortização ou na alienação de cotas).
– Fundos abertos: alíquota única de 15% + fim do “come-cotas” em maio (os rendimentos produzidos até 31 de dezembro de 2021 serão tributados pela alíquota vigente nesta data). Outro ponto avaliado positivamente.
– Fundos fechados (Multimercados): 15% na distribuição de rendimentos, na alienação, amortização ou resgate de cotas. Fundos exclusivos, utilizados por pessoas com mais recursos, passam a pagar como os demais, tópico também com avaliação positiva.
– FII: fim da isenção sobre os rendimentos distribuídos às pessoas físicas (cotas negociadas em bolsa a partir de 2022). A tributação dos demais cotistas, por sua vez, cairia de 20% para 15% na distribuição de rendimentos, na amortização e na alienação de cotas.
– CRI, CRA, LCI e LCA: mantida a isenção. Governo precisa detalhar o racional por trás da manutenção de isenção para tais instrumentos financeiros.
Avaliação: A unificação da tributação dos instrumentos financeiros em 15% é positiva. O estabelecimento do “come-cotas” anual também é favorável, apesar de comprometer o fluxo de caixa do Tesouro Nacional. Ademais, a tributação sobre os fundos fechados é uma medida justa e está alinhada à unificação da tributação dos instrumentos financeiros.
Quanto ao fim da isenção do FII, a medida poderá causar desestímulo a este tipo de instrumento, tendo em vista a permanência da isenção para CRI, CRA, LCI e LCA.
(VI) ISENÇÃO DE IR PARA PESSOA FÍSICA (IRPF):
Faixa de isenção: de R$ 1.904 para R$ 2.500.
Simplificado: apenas para quem recebe até R$ 40 mil.
A isenção até R$ 2.500 abrangeria cerca de 16,3 milhões de trabalhadores brasileiros.
Alíquota de 7,5%: entre R$ 2.500,01 e R$ 3.200 (2,8 milhões de trabalhadores); Alíquota de 15%: entre R$ 3.200,01 e R$ 4.250 (3,6 milhões de trabalhadores); Alíquota de 22,5%: entre R$ 4.250,01 e R$ 5.300 (2,2 milhões de trabalhadores); Alíquota de 27,5%: acima de R$ 5.300,01 (6,3 milhões de trabalhadores).
Avaliação: A elevação do limite de isenção do IRPF de R$ 1.903,98 para R$ 2.500,00 mensal (que corresponde a uma renda bruta mensal média de R$ 3.125,00, devido ao desconto padrão) tem alto custo para o Tesouro Nacional e pouco impacto individual. O limite proposto é quase duas vezes a renda domiciliar per capita nominal mensal (R$1.380,00). O limite de isenção do IRPF do Brasil é elevado em comparação com outros países.
Considerando o universo de pessoas físicas com rendimentos entre R$ 40.000,00 e R$ 83.771,17 que optaram pela declaração simplificada, a partir de 2022 provavelmente pagariam mais IRPF por conta da alteração do limite de utilização do desconto padrão.
(VII) ATUALIZAÇÃO DO VALOR DE BENS IMÓVEIS:
O valor dos bens imóveis localizados no País e adquiridos até 31/12/2020 poderia ser atualizado, sendo devida a alíquota favorecida de 5%. A opção (não obrigatoriedade) poderia ser exercida entre 01/01/2021 e 29/04/2022.
Avaliação: Medida positiva para as pessoas físicas que desejam alienar imóveis.
O recolhimento seria trimestral, sendo que 100% do prejuízo de um trimestre poderia ser compensado nos três trimestres seguintes.
Item positivo para o Tesouro Nacional, pois eliminaria práticas indevidas adotadas por algumas empresas ensejando contencioso.
Impactos políticos da Reforma Tributária
Na avaliação do analista político da XP, Paulo Gama, a ampliação da faixa de isenção de IRPF está sendo vista como “carro-chefe” da proposta pela ala política, e o Governo parece ter muito interesse em sua aprovação.
Para Gama, o governo quis gerar “margem de manobra” (espaço para flexibilização) para negociações junto ao Congresso. A alíquota de tributação sobre lucros e dividendos aparece como exemplo importante.
Em termos de cenários para aprovação da proposta, o ambiente no Senado Federal parece mais desafiador em relação àquele na Câmara dos Deputados.
Impactos para os ativos financeiros
A adoção de alíquota única de 15% sobre instrumentos financeiros pode trazer benefícios aos pequenos investidores. Por sua vez, existem incertezas relevantes em torno das estimativas de receita para os cofres públicos com eventual aprovação da reforma tributária, avaliou o estrategista-chefe da XP e head de Research Fernando Ferreira.
O estrategista também vê como positiva as possíveis compensações entre prejuízos e lucros entre mercados.
Dito isso, o impacto líquido sobre empresas e investidores do mercado financeiro seria negativo em caso de aprovação do texto conforme proposto, destacou Ferreira. As discussões serão amplas sobre diversos itens, com destaque a temas como o fim da dedução de valores de Juros sobre Capital Próprio (JCP).
A medida mais sensível corresponde à tributação dos Fundos Imobiliários, propondo fim da isenção para dividendos pagos por tais instrumentos, o que não era esperado pelo mercado, ao contrário da tributação sobre lucros e dividendos, por exemplo, afirmou Ferreira.
Para o estrategista da XP, o mercado não precificou todo o impacto potencial da reforma tributária nos ativos financeiros, pois há expectativa de muitas alterações no texto enviado ao Congresso.
Impactos econômicos da proposta
A proposta do governo para a Reforma Tributária traz impactos fiscais e possivelmente para a produtividade da economia, segundo Caio Megale, economista-chefe da XP. Entre eles, destaque para:
– Preocupações do lado fiscal: montantes envolvidos são muito significativos, e há riscos relevantes de erros de “calibragem” para garantir neutralidade da proposta de reforma tributária. Além disso, vale lembrar que, à medida que as eleições gerais se aproximam, crescem as chances de interesses mais populistas por parte de alguns políticos, o que pode alterar bastante o conteúdo do texto.
– Preocupações sobre eficiência da economia: a medida proposta gera pressão tributária sobre alguns investimentos, o que poderia impactar negativamente a capacidade de crescimento de longo prazo do País. Existem ainda riscos de aumento da complexidade do sistema tributário.
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