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Americanas: entenda os termos financeiros e jurídicos do caso

Glossário do caso Americanas: entenda termos como risco sacado, covenants, entre outros

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Nos últimos dias, o assunto mais falado foi a descoberta de inconsistências contábeis nos balanços da Americanas S.A. (entenda melhor aqui). Resumidamente, primeiras estimativas eram de que poderia haver a necessidade de reclassificar até R$ 20 bilhões na dívida da companhia, o que elevaria significativamente sua alavancagem, pressionando a liquidez. Desde então, houve novos desdobramentos, incluindo concessão de tutela cautelar, que suspendeu a exigibilidade de todas as obrigações dos instrumentos de dívida da empresa.

Muito do que se conhece até o momento ainda é preliminar, uma vez que a auditoria continua em curso para se conhecer o real impacto do caso sobre a empresa e credores. Continuaremos monitorando os próximos passos do processo.

Mas você sabe o que todos os termos que estão sendo ditos significam? Entende o que é recuperação judicial e como os investidores se posicionam neste caso?

Entendendo os termos

Risco sacado

Também chamado de “forfait”, é um produto bancário envolvendo a empresa, o fornecedor e uma instituição financeira, que consiste no financiamento da conta fornecedores.

Nessa modalidade, a instituição financeira libera recursos para pagamento ao fornecedor, enquanto a empresa fica devedora da instituição financeira em valor correspondente, mediante o pagamento de juros previamente acordados.

Nos casos em que a operação originar extensão de prazo de pagamentos aos fornecedores, é necessário considerar o montante como dívida no balanço da empresa (o que não foi registrado no caso da Americanas e originou a inconsistência). É uma operação de curto prazo, comum para gestão do capital de giro, uma vez que permite a extensão do prazo de pagamento aos fornecedores pela empresa.

Credores

Em um contrato de financiamento, existem duas partes: quem pega o dinheiro emprestado e quem empresta. Na renda fixa, os investidores ou bancos emprestam dinheiro a um emissor, que pode ser uma empresa, em troca de um recebimento futuro desse valor acrescido de juros.

Quem empresta o dinheiro (investidor ou banco) é o credor. Quem pega emprestado é o devedor.

Covenant

É uma cláusula muito comum a contratos de emissão de dívida corporativa. Funciona como uma proteção ao credor, ao estabelecer restrições que devem ser observadas pela empresa, como por exemplo limite de endividamento – afinal, quanto maior a dívida, menor a flexibilidade financeira e maior a dificuldade de pagamento ela terá.

Um tipo de covenant comumente utilizado é o de dívida líquida / EBITDA, que demonstra o quanto do crescimento da dívida está sendo acompanhado pelo crescimento do resultado operacional.

No caso específico da Americanas, existe a obrigação de manter esse índice abaixo de 3,5x – isto é, a dívida total da empresa, subtraindo o caixa, pode ser no máximo 3,5 vezes o EBITDA. Considerando-se o cenário preliminar de adição de R$ 20 bilhões na dívida da companhia, este índice pode ultrapassar 8x (veja nossa simulação).

A depender do que estiver previsto nos contratos, há possibilidade de antecipação do vencimento de dívidas, caso a empresa descumprir aquilo estipulado nos covenants.

Vencimento antecipado

O vencimento antecipado é outra condição prevista em contratos de endividamento. Também é conhecido como “aceleração de dívida”. Um dos motivos que pode desencadeá-lo é o não cumprimento com os covenants.

Por exemplo, caso a alavancagem da empresa em um determinado período fique acima do que era previsto pelas cláusulas contratuais, isso pode acarretar o vencimento antecipado de sua dívida. Ou seja, a empresa pode ser obrigada a pagar, antes do vencimento previsto, o saldo devedor a seus credores. Para isto, precisa dispor do valor em seu caixa ou contar com suporte, como por exemplo aportes de capital de acionistas.

No caso da Americanas, o caixa ao final de setembro de 2022 (último dado disponível; inclui recebíveis de cartões) era de R$ 14 bilhões e a dívida reportada, de R$ 19,3 bilhões. Levando-se em consideração a dívida adicional preliminarmente anunciada de R$ 20 bilhões, a companhia teria R$ 40 bilhões a pagar – e seu caixa não seria suficiente.

Exemplo elaborado pela XP.

Cross default

O cross default (ou “calote cruzado“) é mais uma cláusula comum a contratos de financiamento, neste caso em companhias que possuem mais de uma subsidiária. Também chamado de “calote cruzado”, trata-se de uma antecipação do prazo de vencimento de uma dívida em decorrência de outra inadimplência de empresa do mesmo grupo, com o objetivo de proteger o credor de um eventual calote por parte do tomador do financiamento.

De maneira genérica, o que ela prevê é que, caso uma das empresas do grupo não honre com seus pagamentos de dívida previstos, além de acelerar a dívida da própria empresa inadimplente, outras empresas do mesmo grupo também podem ter suas dívidas antecipadas. Ou seja, o incentivo para manter os pagamentos em dia é ainda maior – e o impacto negativo em caso de não pagamento é ainda mais prejudicial.

Em novembro de 2021, a Americanas realizou a aquisição de 100% da empresa Hortigil Hortifruti S.A. (“Hortifruti Natural da Terra” ou “HNT”). No dia 30 de setembro de 2022, foi aprovada, em assembleia geral extraordinária de acionistas, a incorporação do HNT pela Americanas, passando a ter o mesmo CNPJ. Com isso, as dívidas do HNT, como o CRA Hortigil Hortifruti, passaram a ser de responsabilidade da Americanas, com os covenants realizados a partir dos demonstrativos financeiros consolidados da Americanas, incluindo cláusula de cross default.

Tutela cautelar

Segundo definição da PUC, a tutela cautelar tem como finalidade conservar, assegurar o direito, prevenindo dano ou garantindo o resultado útil do processo.

Quando a tutela cautelar é utilizada, são suspensos, por prazo determinado, vencimentos antecipados das dívidas da empresa e quaisquer outras obrigações. Ou seja, tem como resultado a proteção da empresa contra a execução de garantias e cláusulas contratuais por parte dos credores.

No caso da Americanas, há o entendimento de parte do mercado e de agências de rating que o pedido de tutela cautelar por parte da empresa foi um primeiro passo na direção da recuperação judicial.

Recuperação judicial

Quando a empresa envolvida em um problema de natureza financeira não tem os recursos suficientes para arcar com os pagamentos devidos (em sua totalidade e no prazo esperado), uma das opções que ela possui é pedir recuperação judicial.

A recuperação judicial é um procedimento através do qual empresas podem renegociar suas dívidas e até suspender pagamentos por prazos determinados, enquanto discutem junto aos credores a melhor alternativa – para todas as partes – para saírem de crises.

Os processos de recuperação judicial costumam ser longos, com duração média de três anos no Brasil, mas não há limite máximo.

Quando ocorre a recuperação judicial, é possível (mas não garantido) que os credores consigam reaver ao menos parte do que haviam emprestado, mas o valor e as condições só são conhecidas ao longo do processo. É nesse momento também em que são conhecidas quais as reais garantias das dívidas da companhia e a ordem de prioridade dos credores (ver “Cascata de pagamentos”).

Vale mencionar que o pedido de recuperação judicial é considerado equivalente a um calote (default) por parte de agências de classificação de risco de crédito (ratings). No caso da Americanas, já houve rebaixamento de sua nota por parte das três maiores agências: S&P Global, Fitch e Moody’s.

Leia aqui sobre o rebaixamento de ratings da Americanas na S&P Global para ‘D’.

Cascata de pagamentos

Um ponto importante é que, quando empresas atingem situação de crise financeira, os credores possuem prioridade no recebimento de eventuais recursos, se comparados com os acionistas (caso venha a ocorrer falência).

Quando há recuperação judicial, a empresa deve apresentar um plano para repagar todos os seus credores. Há um processo após isto, em que credores e empresa negociam os termos, mas todos os credores receberão algum valor – mesmo que em prazos longos e/ou com desconto.

No caso de falência, é possível que alguns credores não recebam pagamentos. Por exemplo, suponha que a empresa possui R$ 500 após sua liquidação para serem distribuídos a seus credores. No exemplo abaixo, há recursos suficientes para realizar os pagamentos devidos em sua totalidade para as despesas do processo, obrigações trabalhistas, obrigações com garantia real e tributárias. 

No entanto, após o quarto pagamento, sobram apenas R$ 60, ao passo em que há ainda R$ 100 a serem recebidos pelos credores sem garantia. Neste caso, eles receberão apenas os R$ 60 restantes e as demais obrigações (que incluem acionistas) não serão pagas.

Exemplo de ordem de pagamentos em caso de falência:

Ressalta-se que este é apenas um exemplo. Pode ocorrer o caso de um saldo inicial ser menor do que as despesas do processo, não restando recursos para nenhum outro credor. Ou casos em que é possível cobrir todos os credores e tudo só é conhecido durante o processo.

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