O dia 3 de maio de 2025 será lembrado por muito tempo pelos investidores como o dia em que Warren Buffett, aos 94 anos, anunciou oficialmente sua aposentadoria da presidência da Berkshire Hathaway.
Ao longo de mais de meio século à frente da holding, Buffett não apenas acumulou retornos extraordinários, mas moldou a forma como o mundo enxerga o Value Investing. Sendo discípulo direto de Benjamin Graham, Buffett refinou e expandiu os princípios de seu mentor, combinando disciplina analítica com uma compreensão única sobre negócios, pessoas e ciclos econômicos.
O anúncio veio acompanhado da divulgação dos resultados do primeiro trimestre da Berkshire, trimestralmente aguardados com grande expectativa. Mas dessa vez, os holofotes não se voltaram apenas para os números, mas, sobretudo, para o encerramento de um ciclo e expectativa de sucessão.
1. Anúncio da aposentadoria e sucessão
Nesse final de semana, as atenções do mercado se voltaram para Omaha, no Nebraska para acompanhar a tradicional conferência anual da Berkshire Hathaway, a holding de Warren Buffett. Diante de cerca de 40 mil acionistas reunidos, Buffett surpreendeu o mercado ao anunciar que deixará o cargo de CEO da Berkshire ao final do ano. Aos 94 anos, o investidor mais icônico de sua geração decidiu formalizar uma transição que vinha sendo preparada discretamente há anos, passando o bastão para Greg Abel.
Abel, atual vice-presidente das operações de seguradora da Berkshire, conta com mais de duas décadas dentro do ecossistema da empresa, sendo considerado um gestor discreto e profundamente alinhado com os valores da companhia. Desde que ingressou na holding via aquisição da MidAmerican Energy em 2000, da qual posteriormente se tornou CEO, Abel ganhou a confiança de Buffett devido ao seu estilo pragmático, atenção aos detalhes e visão de longo prazo. Seu perfil de liderança mais operacional é visto como um contraponto complementar à abordagem mais analítica e descentralizada que caracterizou Buffett.
Ao fazer o anúncio, o icônico megainvestidor ressaltou que, apesar de estar deixando o conselho executivo, permanecerá como conselheiro informal e, além de tudo, acionista majoritário. Buffett foi claro ao afirmar que não pretende vender nenhuma ação da Berkshire Hathaway, e foi além: segundo ele, a decisão de manter integralmente sua posição é uma aposta econômica, refletindo sua crença de que “as perspectivas da Berkshire serão ainda melhores sob a gestão de Greg”.
Ao longo de seis décadas, Buffett transformou uma pequena tecelagem de New England em um conglomerado de US$ 1,2 trilhão, com participações em empresas como Apple, Coca-Cola, Bank of America e American Express. Com isso, embora sua figura permaneça associada ao DNA da empresa, a sucessão é também um marco simbólico, como último grande representante de sua geração da escola de Value Investing, abrindo espaço para a consolidação de novas personagens. Como bem colocou um dos diretores do conselho, Ron Olson: “Estou ansioso para ver Warren se tornar o Charlie Munger de Greg Abel”.

2. A conferência anual
A edição de 2025 da conferência anual da Berkshire Hathaway reuniu milhares de pessoas em Omaha, reforçando a importância que o evento assumiu ao longo das décadas. O destaque principal foi a presença de Warren Buffett, Greg Abel e Ajit Jain respondendo às perguntas dos acionistas ao longo de mais de cinco horas.
Entre os temas econômicos, Buffett voltou a criticar o uso de tarifas comerciais como arma política, referindo-se diretamente à estratégia do presidente Donald Trump: “O comércio não deveria ser uma arma. Queremos um mundo próspero, e isso não acontece às custas dos outros”.
Outro ponto importante do evento foi o questionamento acerca do caixa recorde da Berkshire, que chegou a US$ 334 bilhões no fim de 2024. Buffett foi enfático ao declarar que “estamos num negócio oportunista”, e que não surgem boas oportunidades todos os dias. Junto a isso, ele também reforçou sua filosofia de investimentos, ao dizer que não tomam decisões com base em expectativa de impactos trimestrais ou anuais, e sim na expectativa cinco anos adiante.

Por fim, a sessão de perguntas deixou clara a combinação de racionalidade financeira, otimismo pragmático e a tranquilidade diante da volatilidade e ciclos econômicos, reflexo da filosofia que Buffett incorporou na Berkshire. Como ele mesmo resumiu: “Se a Berkshire cair 50% na semana que vem, verei isso como uma grande oportunidade. Emoções não andam juntas com investimentos”.
3. Vida e carreira de Warren Buffet
Para chegar nesse momento, Buffett iniciou empreendendo desde cedo. Filho de Howard Buffett, corretor de ações e congressista eleito em 1945, o primeiro investimento de Warren na bolsa veio aos 7 anos de idade, comprando ações da atual Citgo, então Cities Services.
O jovem Warren Buffett ainda complementava sua mesada entregando jornais de porta em porta e vendendo cartões de aposta em corridas de cavalo. Aos 15 anos, investiu junto com um amigo em máquinas de pinball distribuídas por sua cidade natal. Warren Buffett, por fim, acabou vendendo os direitos do negócio por 1.200 dólares.
Já aos 16 anos, Warren Buffett começou seus estudos na Universidade da Pensilvânia, quando já havia acumulado cerca de 10 mil dólares com seus próprios investimentos. Formado em Administração, Warren Buffett foi rejeitado pela Universidade de Harvard, e seguiu para concluir seu mestrado em Economia pela Universidade de Columbia. Por lá, foi aluno de Benjamin Graham, autor do renomado livro O Investidor Inteligente, e que se tornou o principal mentor da carreira de Buffett.
Warren Buffett ainda trabalhou por dois anos na empresa de Graham, como analista de seguros da Graham-Newman Corp., e mais três como vendedor na Buffett-Falk & Company, antes assumir o controle da Berkshire Hathaway em 1965, após compras recorrentes de ações da empresa desde 1962, através da Buffett Partnership.
Todo esse império que veio a se tornar a Berkshire Hathaway dos dias atuais foi construído com base no Value Investing. Na tradução literal, o investimento de valor é um dos maiores princípios da escola fundamentalista de análise de ações. O pai do Value Investing, no entanto, não é Warren Buffett, e sim Benjamin Graham, seu mentor no início da carreira.
Com foco em obter retorno a longo prazo, o método busca selecionar individualmente empresas saudáveis, sólidas e com vantagem competitiva frente à concorrência, que estejam com um preço descontado, ou seja abaixo do valor justo encontrado nessa avaliação.
Por isso, a compra de ações sendo negociadas abaixo de seu valor intrínseco é fator primordial nessa estratégia. Nesse sentido, entender contabilidade e saber avaliar os principais indicadores para analisar uma empresa como o ROE e EBITDA é também essencial.
"Rule number 1: never lose money. Rule number 2: never forget rule number 1."
- Warren Buffett
Tradução: "Regra número 1: nunca perca dinheiro. Regra número 2: nunca esqueça a regra número 1."
- Warren Buffett
4. Alpha de Buffett
Há décadas o mercado se pergunta: o sucesso de Warren Buffett é fruto de genialidade, sorte ou uma estratégia replicável? Para esse questionamento, o estudo “Buffett’s Alpha” (Frazzini, Kabiller e Pedersen, 2018) oferece uma resposta elegante. Indo direto ao ponto: os autores mostram que boa parte do desempenho de Buffett pode sim ser explicada por exposição sistemática a certos fatores de risco, mas sem dúvidas sua execução é inigualável.
Ao longo do período analisado (1976 a 2011), o portfólio de ações negociadas publicamente da Berkshire Hathaway entregou um retorno anualizado de 19,0%, contra 11,7% do S&P 500 no mesmo período. Não bastando a impressionante outperformance, o Sharpe Ratio da Berkshire foi de 0,76, quase o dobro dos 0,39 do índice (o Sharpe mede o retorno excedente por unidade de risco assumido; quando maior, melhor a relação risco-retorno). Mesmo com uma volatilidade de 23,5, significativamente superior aos 15,8% do S&P 500, o retorno ajustado ao risco foi substancialmente maior.

Além disso, a Berkshire teve desempenho superior ao S&P 500 em 34 dos 36 anos analisados, considerando tanto o retorno bruto quando o ajustado ao risco, sendo esse um grau de consistência raríssimo na história dos mercados.

Mas, para além dos números, a análise precisa estar também na decomposição do que, de fato, Buffett compra. Segundo os autores do artigo, Buffett consistentemente investiu em ações de empresas de alta qualidade, com métricas como alto ROE, baixo endividamento e margens estáveis, e com valuation atrativo, principalmente com baixo P/B (preço sobre valor patrimonial, em português). Em outras palavras, Buffett é, essencialmente, um investidor sistemático em fatores como Value, Quality e Low Risk, sendo esses três pilares que décadas depois do início de sua carreira se tornariam centrais na literatura de Factor Investing.
Com isso, o artigo conseguiu destacar três pontos centrais:
- Buffett alavanca com inteligência. Ao invés de recorrer a dívidas tradicionais, ele se utiliza do float (dinheiro que as seguradoras de Berkshire recebem com os prêmios pagos pelos clientes, mas que ainda não foi utilizado para pagar sinistros). Esse capital, disponível por longos períodos e com custo próximo de zero, funciona como uma espécie de “empréstimo gratuito”, que Buffett reinvestia de forma disciplinada.
- Padrões de investimento sistemáticos. Warren Buffett tende a comprar ações com altos scores nos fatores Value (valuation atrativo), Quality (lucros estáveis, alto ROE) e Low Risk (baixa volatilidade).
- Consistência excepcional. Mesmo com as características elencadas acima, a performance da Berkshire foi superior à dos portfólios simulados. O alpha anualizado de Buffett, que se refere ao retorno não explicado pelos fatores de risco do modelo de seis fatores, ou seja, o que sobra após controlar por estilo, qualidade, beta, entre outros, refletindo essencialmente a habilidade do gestor, foi de 3,0% ao ano, o que é impressionante.
Entendendo todos os detalhes, podemos perceber que o “Alpha de Buffett” está longe de ser mero acaso. A estratégia do investidor se mostra replicável, em parte, por fatores objetivos, como qualidade, valuation e disciplina. Porém, embora seu processo possa parecer simples, sua execução consistente ao longo de décadas, com timing e gestão de risco excepcionais, ainda representa um diferencial muito difícil de igualar. Assim, o artigo nos ajuda a desmistificar a figura do “Oráculo de Omaha”, mas sem diminuí-la, entendendo que Buffett não é nenhum mágico, mas sim um verdadeiro “Investidor Inteligente”.

5. Resultados da Berkshire Hathaway (Ticker: BRK/A; BRK/B) no 1T25

Veja os principais resultados internacionais do 1º tri de 2025
As ações da companhia caíram cerca de -5,1% no pregão da segunda-feira (5 de abril), que sucedeu a divulgação de resultados.
Destaques:
- Receita: ⬇️Caiu -0,2% A/A para US$ 89,73 bi (estimado US$ 93,60 bi – surpresa de -4,1%❌️)
- Lucro líquido: ⬇️Caiu -63,8% A/A para US$ 4,60 bi (estimado US$ 11,60 bi – surpresa de -60,3% ❌️)
- Receita líquida de investimentos: ⬆️Subiu +12,9% A/A para US$ 3,57 bi (estimado US$ 4,40 bi – surpresa de -18,8%❌️)
A Berkshire Hathaway reportou resultados ruins, com surpresas negativas na receita (-4,1%) e no lucro líquido (-60,3%). Grande parte do resultado foi impactado por uma queda de 48,6% no lucro de subscrição de seguros, que chegou a US$ 1,34 bilhão. A companhia informou que os incêndios florestais no sul da Califórnia levaram a uma perda de US$ 1,1 bilhão durante o trimestre.
Apesar de afirmar que não é capaz de prever nenhum impacto potencial das tarifas nesse momento, a companhia endereçou o ambiente incerto, que afetou a holding.
Mais uma vez, o caixa total da Berkshire atingiu novo recorde, aumentando cerca de 3,9% em relação ao trimestre anterior e totalizando US$ 347 bilhões. Isso mostra que Buffett não usou a acentuada queda do mercado no primeiro trimestre para aplicar o caixa da companhia, que foi vendedora líquida de ações pelo 10º trimestre consecutivo.
Com as surpresas negativas e a leve incerteza gerada pelo anúncio da aposentadoria de Warren Buffett, as ações caíram na negociação seguinte ao resultado.
Data da divulgação: Sábado (03/05/2025)
Setor: Financeiro (ETF: XLF, Financial Select Sector SPDR Fund)
Descrição: A Berkshire Hathaway Inc. (Berkshire) é uma holding proprietária de subsidiárias envolvidas em várias atividades, incluindo seguros (GEICO, Berkshire Hathaway Primary Group e Berkshire Hathaway Reinsurance Group); ferrovias (BNSF); energia (Berkshire Hathaway Energy); indústria e varejo (McLane Company) e serviços (Pilot).
