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Sumário
- Durante o mês de maio, observamos uma continuidade da narrativa positiva do processo de reabertura das economias, impulsionado pelo comportamento benigno do número de casos de coronavírus e pela retomada mais rápida da atividade econômica ao redor do mundo.
- Apesar da narrativa mais positiva, o nosso palpite é de que a volatilidade elevada deverá retornar aos mercados com a aproximação das eleições americanas. Até lá, o “risk on” deve prosseguir, principalmente com o dólar se enfraquecendo contra moedas de mercados emergentes.
- No Brasil, seguimos com a expectativa de que o real terminará o ano no patamar de 5,50 R$/US$ dada a incerteza fiscal que seguirá pelos próximos trimestres.
- Continuamos esperando queda de 6,0% do PIB em 2020, apesar dos dados de curto prazo estarem deixando claro que a pior deterioração ocorreu em abril.
- No mercado de trabalho, a deterioração foi similar ao observado nos países desenvolvidos, com forte alta no número de desempregados e muitas pessoas saindo da força de trabalho. Com os efeitos econômicos mais duradouros que o inicialmente previsto, a discussão sobre a prorrogação dos programas de auxílio aos mais vulneráveis e de manutenção de empregos já é uma realidade política.
- Diante da retração do consumo das famílias e da fragilidade do mercado de trabalho, nossa projeção para o IPCA de 2020 segue em apenas 0,7%.
- Quanto à Selic, seguimos com a expectativa de que o Banco Central reduzirá a Selic para 2,25% a.a. na reunião de junho e, apesar de o Comitê ter sinalizado em sua última ata que o próximo corte deva ser o último, acreditamos que há a possibilidade de cortes adicionais.
A reabertura
Durante o mês de maio observamos uma continuidade da narrativa positiva do processo de reabertura das economias, como descrito na carta anterior. Não foi apenas a percepção de que o pico da pandemia já passou que contribuiu para a queda na volatilidade e alta nos preços dos ativos, mas alguns outros fatores como: (i) uma reação da atividade mais forte e rápida do que o esperado para alguns setores em diversos países; (ii) recuperação da economia chinesa; (iii) curva de casos estável ou em queda em diversos locais que reabriram de maneira antecipada; (iv) novos estímulos monetários e fiscais anunciados; (v) otimismo com a possibilidade de uma vacina amplamente disponível já em 2021; (vi) medidas de liquidez adotadas pelo FED que reduziram o stress financeiro em diferentes mercados (crédito, moedas etc.).
Sobre a retomada mais rápida da atividade, os dados de mobilidade urbana estão em alta nas regiões em que o número de casos está mais controlado. Na China, a produção industrial que já estava próxima do patamar pré-vírus em abril observou o consumo acelerar nas últimas semanas, inclusive com vendas nos shoppings caminhando para 90% do normal no início de junho.
O terceiro fator mencionado para o “risk on” dos mercados foi o comportamento benigno do número de casos de coronavírus observados em diversos locais que reabriram antes de realizarem o “achatamento” da curva. Esse movimento é evidente para diversos estados americanos e alguns países europeus, mas ainda é cedo para afirmar que a situação está controlada nesses locais, pois existe uma defasagem importante entre a transmissão, sintomas iniciais da doença e hospitalização dos pacientes. Ademais, os locais que tiveram as maiores taxas de contaminação e estão reabrindo devem ser observados de perto ao longo de junho-julho (Nova Iorque, por exemplo).
A compreensão científica sobre o vírus ainda carrega elevado grau de incerteza, incluindo os reais motivos para a queda no número de casos. É provável que a própria mudança de comportamento das pessoas, com algum grau de distanciamento social voluntário, tenha papel fundamental para evitar uma aceleração da curva de contágio e de mortes após a reabertura.
Nos estímulos monetários e fiscais o destaque ficou com a proposta de um fundo de recuperação de EUR500 bilhões para a União Europeia. A proposta partiu da França e da Alemanha, sendo apontada com uma mudança de postura relevante para a sobrevivência da unidade da região após o forte choque recessivo. O fundo seria um passo inicial para uma coordenação fiscal entre os membros da UE, movimento que seria extremamente positivo para fortalecer o euro. No entanto, existem diversos desafios para que todos os membros aceitem essa união, principalmente entre os países considerados mais “hawks” (Áustria, Dinamarca, Suécia e Holanda).
Nos EUA, o Fed seguirá utilizando todas as ferramentas possíveis para dar suporte à economia, mas segue com o discurso de que taxa de juros negativa não deverá ser utilizada. O problema é que conforme ressaltamos na carta anterior, enxergamos um cenário com razoável deflação nos próximos meses, ainda que seja um movimento de curto prazo. Uma deflação com taxa de juros nominais em zero implicaria que a taxa real de juros irá subir em um contexto de recessão - situação que qualquer banco central quer evitar. Ainda parece improvável que antes de 2021 o Fed mude o discurso sobre juros negativ. Entretanto, não descartamos que as Treasuries de curto prazo voltem a precificar esse cenário.
Apesar de mais notícias positivas sobre o avanço dos testes com as vacinas candidatas, seguimos cautelosos quanto à possibilidade de que uma esteja amplamente disponível no mundo antes do final do primeiro semestre de 2021 (o que já seria um marco audacioso. As perspectivas indicam que a sociedade terá que aprender a conviver com o vírus por um período considerável.
Na carta anterior mencionamos a forte dicotomia observada entre os preços dos ativos e a brutal recessão mundial, com uma incrível deterioração do mercado de trabalho em todos os cantos do mundo. Além dos fatores citados acima, entendemos que a imensa liquidez adicionada pelo Fed e pelo Tesouro Americano tem grande contribuição para a dinâmica observada. Em uma entrevista recente, o investidor americano Stanley Drunckenmiller explicou de maneira bem didática o efeito dessa liquidez:
“… So, in March and April alone, the Fed net of Treasury issuance, to pay for the new spending, created a trillion in QE more than Treasury issuance. So, it’s the biggest liquidity injection relative to history I’ve ever seen… The problem is as you look forward, because the Treasury deficits are not only still gonna be there, they’re just rolling out aggressively now the financing of them, the Fed front ran this with their actions of a month or two ago and so what the Fed bought was a trillion more than treasury issued. What’s going to happen now is Treasury issuance has caught up with the Fed and if they stick to the schedule they’ve outlined, the net difference between those two actually goes to zero in May and net borrowing by Treasury relative to Fed purchases in June very minor, pretty much flat through September. And then liquidity shrinks as far as the eye can see as the Treasury borrowing crowds out not only the private economy but even overwhelms Fed purchases… That leads me to believe… the risk for reward for equities is maybe as bad as I’ve seen it in my career here.”
Assim, no início do terceiro trimestre do ano teremos uma forte redução dessa liquidez observada e as consequências econômicas da quarentena estarão mais evidentes (empresas que não conseguirão sobreviver, desemprego efetivo, perda de renda das famílias e alteração no padrão de investimento/consumo de empresas/consumidores etc.), além da proximidade com as eleições americanas. Será um período interessante para os mercados e o nosso palpite é de que a volatilidade elevada irá voltar. Até lá, o “risk on” deve prosseguir, principalmente com o dólar se enfraquecendo contra moedas de mercados emergentes.
Os principais riscos para esse cenário estão em uma eventual piora no número de casos de coronvírus em uma potencial segunda onda, que implicariam novas restrições de mobilidade, ou em um recrudescimento das relações EUA-China, que ao longo de maio apresentaram alguma deterioração (Hong Kong, Taiwan e compras de produtos agrícolas).
Cenário doméstico
No Brasil, nossa avaliação era de que o câmbio perto dos 6,00 R$/US$ já precificava boa parte da deterioração da atividade, da piora fiscal com o aumento temporário dos gastos para combater a crise e boa parte do ruído político que teve grande destaque na imprensa. A melhora do ambiente externo, a redução do risco político e a expectativa de reabertura da economia corrigiram boa parte do “overshooting” dos meses anteriores, com o real voltando a beirar os 5,00 R$/US$ neste início de junho. Seguimos com a expectativa de que o real terminará o ano no patamar de 5,50 R$/US$ dada a incerteza fiscal que seguirá pelos próximos trimestres.
No cenário político, a aproximação do governo com o chamado “centrão” também contribuiu para acalmar as tensões. Para os próximos meses será importante acompanhar as discussões sobre as medidas fiscais temporárias, como o auxílio para os trabalhadores informais. Dada a forte recessão e elevação no desemprego, a pressão pela criação de despesas permanentes irá aumentar, o que poderá comprometer o teto de gastos em 2021. De qualquer maneira, acreditamos que esse risco ganhará relevância no último quadrimestre deste ano, contribuindo com a incerteza fiscal e mantendo nossa expectativa de que o real terminará o ano no patamar de 5,50 R$/US$.
O otimismo com o processo de reabertura por aqui está relacionado com o fato observado no primeiro gráfico da carta, onde diversos locais que reabriram “antecipadamente” não registraram, até o momento aumento do número de casos. Nossa curva de casos/mortes começa a apresentar sinais de que está no pico em alguns estados e a partir de agora esperamos que o declínio seja bem lento, parecido com a trajetória observada acima, mas sem aceleração no número de casos.
Na atividade, o PIB do primeiro trimestre apresentou queda de 1,5% sobre o trimestre anterior, pouco abaixo da nossa expectativa, e refletindo apenas o começo dos efeitos da quarentena em meados de março. Esperamos queda de 6,0% do PIB em 2020, mas os dados de curto prazo deixam claro que o pior ocorreu em abril, com lenta recuperação a partir de maio sendo este fator relevante para a “narrativa positiva”. A reabertura completa na maioria dos estados deve acontecer apenas em agosto, conforme os planos divulgados até agora.
Os destaques dos primeiros indicadores do segundo trimestre no Brasil foram os dados da PIM-PF e da PNAD referentes ao mês de abril. A indústria apresentou uma retração menor que a projetada pelo mercado (-18,8% YoY contra -28,3% YoY segundo a mediana da Bloomberg), o que impõe certo viés de arrefecimento das expectativas negativas para 2º trimestre. Já a deterioração do mercado de trabalho observada foi similar ao observado nos países desenvolvidos, com forte alta no número de desempregados, enquanto a taxa de desemprego teve leve alta com muitas pessoas saindo da força de trabalho (PEA). Uma maneira alternativa para medir a taxa de desemprego nesta situação é mantendo a PEA constante:
Duas observações relevantes sobre o mercado. O programa do governo para suspensão do contrato de trabalho com o pagamento do seguro desemprego é importante para evitar uma maior alta inicial no número de desempregados, mas dada a validade limitada da medida, o desemprego deverá aumentar gradualmente ao longo do terceiro trimestre. Por outro lado, a massa salarial ampliada será sustentada no curto prazo com o auxílio emergencial de R$600,00, mitigando as consequências da perda de renda do trabalho neste período. Com os efeitos econômicos mais duradouros que o inicialmente previsto, a discussão sobre a prorrogação dos programas de auxílio aos mais vulneráveis e de manutenção de empregos já é uma realidade política.
Essa retração no consumo das famílias, com o mercado de trabalho bem enfraquecido, será o principal motivo da manutenção da inflação em baixo patamar por um bom tempo. Nossa projeção para o IPCA de 2020 segue em apenas 0,7% (e 3,2% em 2021), com considerável desaceleração do núcleo de inflação. A depreciação cambial terá repasse limitado ao longo do segundo semestre, mas deve ser observada com cautela em 2021 com o lento retorno da atividade (esperamos que o PIB acelere para 2,5%).
Diante do cenário descrito, seguimos com a expectativa de que o Banco Central deve reduzir a Selic para 2,25% a.a. na reunião de junho e, apesar de o Comitê sinalizar na ata que o próximo corte deva ser o último, acreditamos que a possibilidade de cortes adicionais ficará em aberto dada a complexidade do cenário.
Ao longo de maio, a discussão entre os economistas e diretores do Banco Central foi concentrada na existência de um “Effetive Lower Bound” para a taxa de juros, que no caso do Brasil seria acima de zero. Supostamente ao cruzarmos o ELB, a taxa de câmbio sofreria forte depreciação e cortes adicionais na Selic acabariam sendo contraproducentes ao apertar as condições financeiras. Acreditamos que existe uma incerteza muito elevada sobre a existência e patamar do ELB, sugerindo que a estratégia adotada pelo Copom deverá ser a de cortes graduais e observando as reações das outras variáveis (câmbio, curva longa etc.), mas sempre com o foco no objetivo central – a meta de inflação.
A recente apreciação do real e a queda na ponta longa da curva de juros reforçam o alívio nas condições financeiras e dão espaço para que o Banco Central mantenha a “porta aberta” para novos cortes após junho. Nesse sentido, vemos espaço para o início de um ciclo de alta da taxa de juros apenas no quarto trimestre de 2021.
Projeções
Finalmente, diante dos elementos citados nessa carta, acreditamos que o cenário doméstico ainda contém um grau de incerteza muito elevado, tornando as expectativas mais irregulares.
Neste início de junho de 2020, a recuperação gradual dos ativos brasileiros sugere que o fundo do poço já passou e a perspectiva agora se volta para o pós-pandemia. Entretanto, a volta à normalidade apresenta sinais de que poderá ser mais lenta até que surjam boas notícias no campo da medicina, seja na desaceleração da curva de casos/mortes no país, seja na descoberta de uma vacina. Ademais, políticas anticíclicas já adotadas ou que deverão ser adotadas ao longo do terceiro trimestre podem mitigar este processo de deterioração da atividade, trazendo instabilidade em previsões mais assertivas.
A dinâmica do desenho de cenário continuará a depender de novos fatos no campo político e médico por um tempo relativamente longo, além dos desdobramentos na reabertura das economias centrais.
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