
No segundo e último dia do Festival Global do Agronegócio (GAFFFF), que ocorreu em São Paulo, os maiores especialistas do mercado agro voltaram a se reunir para debater o papel do setor nas discussões climáticas, os principais desafios dentro da nova dinâmica do comércio global e outros temas.
Reunimos os destaques dos principais painéis. Confira a seguir:
Novos desafios do comércio global
Os participantes discutiram o reposicionamento do Brasil em um cenário de desglobalização e instabilidade, marcado por crescentes inseguranças alimentares e energéticas. Aldo Rebelo (Prefeitura de São Paulo), Christian Lohbauer (Abag e da Cosag/Fiesp), Marco Ripoli (PH Advisory Group) e Sueme Mori Andrade (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) destacaram que o país ocupa uma posição estratégica para suprir a demanda global por alimentos e bioenergia, combinando força agrícola com compromisso ambiental.
Durante o debate, foi enfatizado que muitos países veem o Brasil como um parceiro confiável para garantir a segurança alimentar global. Um exemplo citado foi a pandemia, quando diversas nações restringiram exportações por medo do desabastecimento, enquanto o Brasil manteve seus fluxos comerciais de abastecimento global. No longo prazo, o país terá um papel ainda mais importante com a adoção de novas tecnologias e o aprimoramento das cadeias logísticas, estabelecendo-se como protagonista no fornecimento de alimentos, bioenergia e matérias-primas para o mundo.
As cooperativas no agro moderno
O painel reforçou que, apesar das dificuldades, as cooperativas seguem sendo peças-chave na modernização do agro brasileiro. José Rossato Junior (Coplana) destacou que as exigências da nova geração — como rastreabilidade e sustentabilidade — representam um desafio, mas também uma oportunidade para as cooperativas estreitarem a ponte entre o consumidor moderno e o produtor rural.
Para Fernando Degobbi, presidente da Coopercitrus, o principal gargalo da agricultura brasileira é a correção do perfil de solo. Cladis Jorge Fulanetto (Cooperalfa) abordou o desafio cultural de fazer o produtor se reconhecer como dono da cooperativa. Para ele, o fortalecimento desse vínculo é fundamental para garantir a fidelidade e a viabilidade do modelo cooperativista.
Questões estruturais, como logística e acesso a mercados, também foram debatidas. Fulanetto enfatizou a necessidade de articulação com o poder público, e Sandro Amadeu (Copermota) reforçou que, embora conectar a produção ao consumo final seja uma das missões centrais das cooperativas, isso ainda representa um desafio relevante.
Desenvolvimento sustentável e meta de net zero até 2030
O presidente da Datagro, Plinio Nastari, recebeu no palco Gro Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega e responsável pelo “Relatório Brundtland”, publicado em 1987 com conceitos de desenvolvimento sustentável.
Brundtland fez um alerta às crescentes ameaças ambientais e socioeconômicas e reforçou a importância de governantes mundiais se posicionarem com planos de ações eficazes e uma comunicação correta para frear o processo de degradação do planeta. De acordo com a líder global de desenvolvimento sustentável, precisamos repensar a forma como produzimos, empacotamos e distribuímos os produtos. Isso exige investimento, principalmente em países de baixa e média renda, transparência e responsabilidade dos governos. Brundtland também destacou o papel único do Brasil de liderar o movimento sustentável (principalmente em energia renovável) em escala internacional para chegarmos à meta de net zero até 2030.
O painel ainda recebeu o atual governador do Pará, Helder Barbalho, para falar das expectativas para a COP30, com o Brasil como país-sede, e os avanços do Estado em pautas sustentáveis, como medidas de redução de emissões, plano de bioeconomia para gerar e agregar valor à floresta viva e ações para melhorias de rastreabilidade dos produtos.
O Brasil e o agro na COP 30
Marcelo Britto (Consórcio Amazônia Legal) reforçou a expectativa internacional sobre o Brasil como potência agroambiental, e defendeu que a agenda de biodiversidade deve ser tratada como permanente, com o país assumindo liderança global nessa frente.
Leonardo Mercante (Suzano) ressaltou como a silvicultura e o setor de papel e celulose têm papel estratégico na descarbonização da economia. A empresa planta diariamente 1,2 milhão de árvores no Brasil e atua não só com metas próprias de neutralidade de carbono, como também apoiando os clientes a fazer o mesmo.
Para o deputado Arnaldo Jardim, é necessário unir preservação e sustentabilidade econômica. Segundo ele, o Brasil vem se preparando institucionalmente para a COP 30, mas ainda precisa consolidar duas frentes fundamentais: a regulamentação do mercado de carbono e uma articulação mais estruturada com outros países detentores de florestas tropicais, como Congo e Indonésia, para buscar mecanismos de apoio à preservação.
Macroeconomia: compra ou vende?
O painel contou com Pablo Spyer (Vai Tourinho S/A), Alex Lima (DA Economics), Roberto Luis Troster e Felipe Guerra (Legacy Capital). O diagnóstico comum é de um ambiente volátil, com juros pressionados, incerteza fiscal e uma reorganização nas dinâmicas globais de investimento. O dólar começa a perder tração em razão do comportamento errático dos EUA, da persistência da inflação doméstica e de tensões comerciais. Há sinais de que a moeda americana entrou em um ciclo estrutural de desvalorização, o que abre espaço para a valorização de ativos em economias emergentes, como o Brasil.
A combinação de juros elevados e estabilidade monetária atrai investidores, valoriza o real e beneficia ativos domésticos como a Bolsa e os títulos de longo prazo. No entanto, os painelistas foram unânimes em afirmar que essa melhoria não é sustentada por fundamentos internos. O país segue com incertezas fiscais, baixo apetite reformista e uma agenda política voltada ao curto prazo.
O Brasil pode se beneficiar da desvalorização do dólar e da rotação de capital para mercados emergentes, mas isso dependerá da sua capacidade de melhorar o ambiente fiscal, garantir estabilidade institucional e aproveitar com inteligência as oportunidades do novo ciclo global.
Desafios de governança da distribuição do agro
O painel concentrou as discussões na logística de distribuição da produção agrícola no Brasil, abrindo com uma análise sobre cultura organizacional e governança. Dados da última pesquisa Andav mostram que apenas 34% dos associados têm plano de sucessão, e 86% ainda contam com o fundador na gestão, enquanto só 35% possuem conselho de administração.
Os participantes apontaram a importância de alinhar cultura e comportamento dos novos profissionais, investindo em capacitação interna e valorizando o relacionamento com o cliente. Sobre os desafios financeiros, destacaram que o financiamento no agro ainda é dominado por bancos tradicionais, mas novas plataformas e instituições, como a XP, vêm ganhando espaço ao oferecer mais segurança e ferramentas para produtores.
O compliance financeiro foi apontado como fundamental, assim como a estruturação de crédito e o uso de ferramentas como barter (troca de insumos por grãos), especialmente adaptadas para pequenos produtores. O painel reforçou, ainda, a necessidade de inovação, uso de inteligência de dados e tecnologia, mas sem perder o foco na relação humana com o cliente.
Integração entre o agro e o mercado de capitais
O caráter intensivo em capital da produção agropecuária sempre exigiu planejamento financeiro robusto, mas, historicamente, havia carência de instrumentos adequados — com ausência de linhas específicas e spreads elevados. Nos últimos anos, esse cenário vem se transformando com o desenvolvimento de produtos financeiros mais alinhados às características do agro, movimento no qual a XP desempenhou papel central ao aproximar o setor do mercado de capitais.
O mercado de capitais tornou-se uma fonte relevante de funding para o agro, com melhoria nos limites de crédito e consequente aumento do apetite dos bancos — criando uma dinâmica sinérgica. A presença da XP passou a ser praticamente mandatória em emissões relevantes, dada sua capilaridade e força de distribuição. Isso permitiu alongamento de prazos, redução de custos e maior eficiência no processo de originação.
O amadurecimento dessa relação possibilitou que investidores aceitassem prazos mais longos, mesmo em um setor cíclico. Investimentos em dívidas privadas com duration de 10 anos ou mais tornaram-se viáveis, evidenciando uma evolução importante na percepção de risco e na sofisticação do mercado. Ainda há desafios no middle market, em que falta educação financeira e a cultura de funding de longo prazo ainda é incipiente. Muitas empresas precisam compreender que a primeira emissão pode ser mais onerosa, mas estabelece uma curva de aprendizado e confiança que tende a reduzir custos em rodadas futuras.
Mercado de terras
No mesmo painel, Pedro Freitas (XP Banco de Atacado), Alexandre Trevizan (Remax Agro), Guilherme Rodrigues Cunha (Ceres Investimentos) e outros palestrantes discutiram sobre o mercado de terras. Embora ações tenham superado terras agrícolas em retornos nos últimos 200 anos, nos últimos 50 anos a performance da terra foi superior. Mesmo assim, o mercado de terras ainda carece de estrutura e liquidez, o que limita sua atratividade no curto prazo.
O momento é oportuno para aquisição de terras, dado que muitos produtores estão buscando liquidez e há pressão baixista sobre preços. No entanto, trata-se de um ativo com horizonte de retorno necessariamente estrutural e dolarizado.
O crescimento dos FIagros deve reforçar o papel das terras como instrumento de preservação e diversificação patrimonial. Além disso, há oportunidades de geração de alfa por meio da recuperação de terras menos produtivas, principalmente em regiões como o Centro-Norte do país.
Planejamento patrimonial e sucessório: a importância do diálogo
Renato Folino, sócio e head de Wealth Planning e Family Office na XP Private Banking, e mais dois profissionais da advocacia discutiram as particularidades do processo de planejamento patrimonial e sucessório visando a preservação do legado e a perenidade do negócio familiar.
Os palestrantes reforçaram a importância do diálogo, da transparência e de um plano claro de governança familiar e corporativa para evitar conflitos, que são comuns nesses casos. Mas é preciso entender que cada empresa familiar tem um perfil: em alguns casos, processos de fusão e aquisição podem viabilizar uma solução em termos de planejamento sucessório de uma família.
Inovação corporativa: presente e futuro
Grandes empresas e startups não são concorrentes naturais, pois atuam com focos distintos. Enquanto corporações priorizam escala e eficiência, startups se concentram em desenvolver novas tecnologias. A criação de ecossistemas de inovação permite unir essas forças: startups ganham acesso a dados, ambientes reais e validação, enquanto as empresas se beneficiam de soluções aplicadas a seus desafios operacionais.
O foco da indústria segue em melhorias incrementais e ganhos de eficiência, buscando startups alinhadas ao seu “core”. Um desafio crescente no agro, por exemplo, é a falta de mão de obra no campo, o que tem impulsionado a demanda por automação.
Na inteligência artificial, os avanços já são claros em processos transacionais, mas sua aplicação estratégica ainda é incipiente. Um caminho promissor está nos digital twins agrícolas, que viabilizam simulações de múltiplas safras, encurtam ciclos de decisão e ampliam a capacidade analítica – área em que a IA pode acelerar significativamente os ganhos futuros.
Mulheres na gestão: estratégias de sucesso
O painel reuniu Camila Mourad, Lúcia Bortolozzo, Simoni Tessaro Niehues e Marisa Contreras para discutir a presença e os desafios das mulheres na gestão do agronegócio. Embora quase um quinto das propriedades rurais no Brasil sejam lideradas por mulheres, nenhuma das cem maiores empresas do agro tem uma mulher no comando — um retrato da disparidade que motivou o surgimento de programas de fortalecimento da liderança feminina.
Além dos obstáculos estruturais, as palestrantes abordaram os desafios invisíveis enfrentados pelas mulheres, como a autossabotagem, a falta de representatividade e a necessidade constante de provar competência em ambientes tradicionalmente masculinos. Histórias pessoais de superação revelaram que a rede de apoio — entre mulheres e com aliados homens — tem sido decisiva para quebrar barreiras. As palestrantes deixaram uma mensagem clara de que a liderança feminina no agro não apenas é possível, como já é uma realidade em transformação. Mas, para que ela se amplie, é necessário continuar incentivando novas lideranças, construindo espaços mais inclusivos e valorizando a diversidade como motor de desenvolvimento no campo.
Oferta e demanda no mercado mundial de grãos
Um dos painéis que fecharam o evento abordou a evolução da produção de grãos, com foco especial na cultura do milho. O debate enfatizou a necessidade de ampliar o diálogo com países importadores para que haja maior compreensão e aceitação das tecnologias agrícolas aplicadas nos países produtores, como biotecnologia e sementes geneticamente modificadas. Essa aceitação é vista como essencial para manter e ampliar os fluxos de exportação de grãos no cenário internacional.
O painel também discutiu fatores que afetam os preços das commodities agrícolas em diferentes horizontes de tempo, ressaltando como o mercado tem se tornado cada vez mais dinâmico e interdependente. Apesar da crescente complexidade, os especialistas reforçaram que é possível enfrentá-la com o uso de ferramentas de gestão de risco e maior profissionalização das cadeias produtivas. No longo prazo, o Brasil tem potencial de fortalecer ainda mais sua posição global no mercado de grãos com o investimento contínuo em tecnologia, previsibilidade regulatória e melhorias logísticas que garantam competitividade e segurança de abastecimento.
Um olhar sobre os desafios da agricultura generativa
Sob mediação de Vinicius Biagi, presidente do Instituto Nova Era, o painel levantou discussões sobre novas tendências para cultivo no Brasil. Virginia Damin (Solo Agrônoma), Pedro Paulo Diniz (Rizoma Agro), e outros especialistas do mercado trouxeram uma análise sobre os benefícios da agricultura regenerativa para o desenvolvimento de um ecossistema ambiental, integrado à sociedade, mais sustentável.
No painel, os palestrantes propuseram alternativas para uma questão que tem ganhado relevância nas discussões socioeconômicas nos últimos anos, conforme o mercado reavalia as novas necessidades humanitárias: os caminhos para proteger, revitalizar e fortalecer o solo plantado e garantir que o setor agrícola global consiga atender à crescente demanda por alimentos. Investimento em pesquisa e profissionalização foi citado pelos especialistas. Na avaliação de Damin, a agricultura regenerativa é um caminho para o Brasil, principalmente no processo de internacionalização dos produtos nacionais, mas enfrenta obstáculos relevantes para a sua implementação efetiva Uma questão é, por exemplo, como resolver o problema das herbicidas em um sistema primordialmente baseado na monocultura?
O GAFFFF também teve palestras na quinta-feira (5).
Confira também os destaques do primeiro dia do GAFFFF aqui

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