
O Festival Global do Agronegócio (GAFFFF) teve início nesta quinta-feira (5), em São Paulo, com discussões sobre perspectivas e desafios para um dos principais motores da economia brasileira: o setor agropecuário. A nova edição do GAFFFF reuniu diversas personalidades da indústria, que compartilharam suas visões sobre as últimas tendências do mercado.
Veja a seguir os destaques do primeiro dia de evento. Para conferir a programação completa, clique aqui.
Brasil como referência no agro mundial
Em painel moderado por Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e Pecuária, Guilherme Scheffer, diretor da Scheffer Oficial, Marcus Thieme, CEO da Caramuru Alimentos, e Ricardo Faria, chairman da Global Eggs, avaliaram a posição de referência do produtor brasileiro no mundo e as oportunidades (além dos desafios) do agro nacional frente às novas pautas globais, com maior foco em sustentabilidade e valor agregado.
À frente de empresas líderes em suas respectivas áreas (algodão, ovos e grãos), os palestrantes compartilharam como os negócios estão se adaptando às demandas do mercado via incentivo de novas tecnologias e expansão da prateleira de produtos (menor uso de químicos e maior reaproveitamento do cultivo –Thieme citou como exemplo a soja: o que não vira farelo acaba servindo de biocombustível). Para Faria, o Brasil ainda é altamente competitivo, mas precisamos reafirmar o potencial do agronegócio brasileiro como um dos principais agentes em prol da produção sustentável para o exterior.
A revolução no setor de proteína animal
Executivos de três players relevantes do setor discutiram os vetores estruturais que sustentam o avanço do Brasil no mercado global de proteínas animais. Fábio Stumpf (VP de Agro e Qualidade da BRF), destacou que o Brasil tem ampliado market share global impulsionado por dois fatores-chave: ausência de influenza aviária, em contraste com concorrentes relevantes, e estrutura de custo mais competitiva, especialmente nas proteínas de ciclo curto.
Marcos Flávio Pereira (Diretor de Originação e RI da Frisa) reforçou a relevância das exportações como instrumento de equilíbrio para o mercado doméstico. A atuação complementar entre canais interno e externo foi apontada como estratégica para garantir previsibilidade operacional e margem.
Além disso, Leandro Pinto (Presidente da Mantiqueira) citou a automação como solução frente aos desafios de disponibilidade de mão de obra, sem comprometer a competitividade relativa em custo. A modernização operacional aparece como driver estrutural de eficiência nos próximos anos. O Brasil segue bem posicionado para capturar oportunidades em um cenário global fragmentado por questões sanitárias e geopolíticas.
Assista à mensagem do head de agro alimentos e bebidas do Research XP, Leonardo Alencar, sobre o painel:
Agricultura energética como alavanca
O painel destacou o crescimento da agricultura energética como uma grande oportunidade para a produção de alimentos, ressaltando a importância do uso de energias sustentáveis no setor agrícola. A segurança alimentar foi apontada como “uma questão crucial”. A China, por exemplo, optou por importar soja não apenas pelo alimento em si, mas também pela água utilizada na produção, evidenciando a complexidade dos recursos envolvidos.
Além disso, foi discutida a relevância da produtividade do solo e da regulação para o sucesso agrícola. Enquanto solos como os da Ucrânia, Iowa e pampas argentinos são altamente produtivos, a regulação é um diferencial importante, com o Brasil sendo destacado como exemplo positivo. Em contraste, a falta de regulação na África foi apontada como um dos principais desafios para o desenvolvimento agrícola sustentável na região.
O papel do agro, desafios e oportunidades
Em meio a um cenário de grandes mudanças regulatórias, ambientais e tecnológicas, como o agro está posicionado? Esse foi o principal tópico de um painel que contou com a participação de executivos reconhecidos do mercado, como Aurélio Pavinatto, diretor presidente da SLC Agrícola, e Marcelo Ribeiro, CEO do Grupo Tamburi.
Os painelistas observaram que grande parte da população urbana conhece pouco da realidade do setor. O dia a dia da produção agrícola, os desafios operacionais e a complexidade da vida no campo ainda permanecem distantes da percepção geral. Eles enfatizaram também a vocação do agro para práticas sustentáveis. A produção de biocombustíveis, por exemplo, tem início nas fazendas, e práticas como a agricultura regenerativa e o uso de insumos biológicos vêm ganhando espaço em diversas regiões do país. Saiba mais aqui.
Biocombustíveis: novas rotas e mercados
Alejandro Padrón, estrategista de Commodities da XP Inc., e Rafaela Guerrante Moreira, coordenadora-geral do RenovaBio e de Políticas de Descarbonização do MME, reuniram-se com outros especialistas do setor para analisar a expansão do mercado de biocombustíveis.
Foi ressaltado o papel do Brasil como produtor de 25% do etanol mundial e o potencial de crescimento do mercado, especialmente com o aumento da demanda por E30 e etanol hidratado, que pode chegar a 20 bilhões de litros por ano na próxima década.
O painel abordou também a transformação estrutural da matriz energética brasileira, que já é bastante limpa, mas enfrenta desafios para avançar ainda mais. A entrada de novos países produtores de cana foi mencionada, destacando a cana como fonte de energia e alimento, especialmente importante para regiões com insegurança alimentar. Novas tecnologias tornam os biocombustíveis cada vez mais competitivos.
Geopolítica e segurança alimentar
Em um cenário de instabilidade climática, guerras comerciais e incertezas regulatórias, os painelistas enfatizaram que o Brasil, como um dos maiores produtores agrícolas do mundo, tem papel estratégico nesse novo tabuleiro. A discussão reforçou a urgência de diversificar mercados, agregar valor aos produtos e se antecipar às exigências internacionais — como emissões de carbono e rastreabilidade.
Além dos riscos externos, os debatedores destacaram a necessidade de políticas internas mais consistentes para garantir a competitividade do setor. A biotecnologia foi apresentada como peça-chave para responder ao aumento da demanda global por alimentos, previsto para as próximas décadas. Nancy Martinez, da National Corn Growers Association (NCGA), destacou os entraves que produtores enfrentam em diversos países para acessar sementes mais resistentes, por conta de barreiras regulatórias impostas. Ela defendeu que a adoção global da biotecnologia é essencial para garantir segurança alimentar e sustentabilidade.
Os painelistas convergiram na visão de que o futuro da agricultura exige mais do que produção em escala, sendo necessário alinhar inovação, sustentabilidade e governança para que o Brasil continue ocupando uma posição de liderança no cenário agro global.
Bioinsumos: de megatendência a pilar para o agro brasileiro
Em painel dedicado a falar sobre tecnologia regenerativa, especialistas compartilharam suas visões sobre um movimento que tem crescido rapidamente e, mais do que uma tendência, está se fortalecendo como um pilar para o agro brasileiro: o uso de bioinsumos.
No debate, Edilene Cambraia Soares, diretora de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas da Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, Frederic Beudot, vice-presidente de Biológicos da Corteva, Marcio Portocarrero, diretor executivo da Abrapa, e Cláudio Brisolara, gerente do Departamento Técnico Econômico da FAESP, destacaram as melhorias que o uso de biológicos tem promovido na produção, possibilitando reduzir custos ao mesmo tempo que promove ganhos à produtividade. Os palestrantes ressaltaram, no entanto, os desafios da nova regulamentação (Lei nº 15.070/24) e em promover o uso correto da tecnologia. Sobre esse segundo tópico, os especialistas concordaram que a indústria deve investir mais na capacitação dos profissionais.

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Shona Sabnis: agricultura e desenvolvimento socioeconômico
Plinio Nastari, presidente da Datagro, voltou ao palco para receber Shona Sabnis, vice-presidente de assuntos públicos na Corteva. A executiva abriu o painel com um discurso dedicado à transformação positiva do Cerrado brasileiro e à atuação dos produtores nacionais, além da agricultura brasileira como agente mobilizador socioeconômico e ambiental.
Segundo Shona, a Corteva, como uma empresa dedicada ao desenvolvimento de soluções tecnológicas ao mercado, tem focado no desenvolvimento de novos sistemas de produção, como lançamentos de proteção de lavouras, pesticidas mais eficientes, instrumentos para controle de ervas daninhas e inovações biológicas. A empresa também tem buscado investir cada vez mais em regiões-chave para a perenidade do agronegócio mundial, com o Brasil sendo um grande foco dos recursos.
Rastreabilidade para segurança alimentar
Em um ambiente cada vez mais regulado por critérios de sustentabilidade, qualidade e transparência, a rastreabilidade se consolidou como requisito básico de acesso aos principais mercados internacionais. Sérgio Bortolozzo (Sociedade Rural Brasileira), Caio Penido (IMAC) e Julio Busato (ex-presidente da Abrapa) reforçaram que o Brasil, como um dos maiores exportadores de alimentos do mundo, precisa transformar esse desafio em uma vantagem competitiva.
Busato destacou o papel central da Abrapa na reorganização da cadeia do algodão brasileiro, que em menos de três décadas passou de importadora para líder mundial em exportações. Segundo ele, o sucesso foi resultado de um trabalho coletivo focado em tecnologia, gestão e rastreabilidade.
Penido ressaltou a importância da rastreabilidade na valorização de serviços ambientais e na construção da reputação da pecuária nacional. Para ele, rastrear é também uma forma de separar quem produz com responsabilidade de práticas ilegais, contribuindo para combater o desmatamento e fortalecer a imagem do Brasil no exterior.
Novas rotas e infraestrutura
Anderson Pomini, presidente do Porto de Santos, e Fernando Quintas, presidente da CS Infra, em painel conduzido por Gabriel Fonseca, gerente geral comercial na VLI Logística, fomentaram um debate sobre o papel primordial e a expansão de um dos setores que mais fazem a indústria agro rodar: o transporte de cargas.
O painel destacou que cerca de 30% do custo do agronegócio está ligado à cadeia logística, e que o Brasil alimenta uma em cada nove pessoas no mundo, embora esteja distante dos grandes centros consumidores do hemisfério norte. Anderson Pomini ressaltou que “um quarto de todas as exportações brasileiras passa pelo Porto de Santos”, que em 2024 bateu recorde com aproximadamente 180 milhões de toneladas movimentadas, equivalente a mais de 16 mil caminhões por dia. O painel também abordou a importância da diversificação das rotas de exportação, além do tradicional Porto de Santos, e a necessidade de ampliar parcerias público-privadas (PPPs) para desenvolver infraestrutura onde ainda não há demanda, criando um ambiente seguro para investimentos com garantias jurídicas.
Sobre avanços regulatórios recentes, Quintas destacou projetos como o Transcerrados, que reduziu em 50% o tempo de escoamento no Piauí, e a concentração dos investimentos ferroviários no Sul do país.