Na última semana de agosto, o mercado chacoalhou com mais um episódio fruto da batalha interna no governo para manter o teto de gastos e viabilizar um programa social, que substitua o auxílio emergencial, e os recursos para investimento em infraestrutura. O auge da tensão foi atingido quando Jair Bolsonaro suspendeu a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, para criação do Renda Brasil, que pretende reunir em um só os programas sociais do governo.
O presidente rechaça a proposta de financiamento feita pela equipe econômica, principalmente por causa da falta de viabilidade política e do impacto negativo do fim de benefícios como o abono e o seguro defesa. Ao reforçar que a proposta de Guedes não iria ao Congresso, Bolsonaro disse que o modelo tira do “pobre para dar ao paupérrimo”.
É altamente improvável que o Congresso aceitasse mudar estes pontos, ainda mais em ano eleitoral. A boa notícia é que Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, têm conversado e foi ele que alertou o presidente sobre o cenário de impossibilidade de extinção de benefícios sociais pelos deputados. A reforma da Previdência é um exemplo de como os parlamentares fizeram questão de manter o abono. O desafio agora será conseguir desenhar um programa social que agrade ao Planalto e não desrespeite o Teto de Gastos.
Para a próxima semana, o presidente Jair Bolsonaro convocou reunião com líderes partidários para apresentar a proposta do Renda Brasil. A prorrogação do auxílio emergencial também estará na pauta.
Alternativas
A grande questão para os próximos dias é o que entra no lugar dessa proposta de Renda Brasil rejeitada pela política. O trabalho da equipe econômica vai na direção de desenhar um programa menor, com menos beneficiários, que caiba no orçamento e não rompa o teto. Rever despesas em outras áreas, reduzir o tamanho do programa ou ir contra o teto. Esses são os caminhos postos. O time de Guedes está atento ao fato de o presidente ter carregado a fala na direção de que a retomada vem pela geração de empregos, e não por meio de um programa mastodôntico. Parece ser uma alternativa de caminho.
A pergunta é se a redução dos beneficiados vai interferir no aumento de popularidade do presidente e reduzir os estímulos à economia. Paulo Guedes se concentra em encontrar espaço na desvinculação, desindexação e desobrigação do Orçamento para custear o programa. Nos bastidores da equipe econômica a impressão é de o presidente quer uma escolha que não doa, mas ela não existe.
Impasse colocado, no final da semana, Bolsonaro confirmou a prorrogação do auxílio emergencial até o final do ano, que já pode ser batizado de Renda Brasil. Vale reproduzir aqui a fala completa de Bolsonaro que demonstra mais preocupação com o risco fiscal:
“Eu falei na semana passada que R$ 600 é muito, fui criticado. ‘Vai viver com R$ 600 por mês’. É muito pra quem paga. Aí falam: ‘Esse dinheiro é nosso’. Esse dinheiro não é teu, é endividamento. R$ 50 bilhões por mês. Eu queria R$ 50 bilhões na mão do Tarcísio (Freitas, ministro da Infraestrutura), em um ano ele resolveria os grandes problemas de infraestrutura. O Orçamento pro Tarcísio são R$ 8 bilhões, anual. Nós damos R$ 50 bilhões por mês e nos endividamos. A pessoa que começa a dever em muito lugar perde o crédito. Nós temos conversado com Paulo Guedes, não dá para manter R$ 600, mas R$ 200 é pouco demais. Os 600 é (sic) pouco pra quem recebe, mas muito pra quem paga. A ideia é entre R$ 200 e R$ 600 até o final do ano. Eram três meses, passamos para cinco. Alguns querem mais quatro. É impossível, quebra o Brasil. Perdemos a confiança, temos de voltar ao trabalho”.
Remanejamento
Mais um fator de complicação para a equipe econômica é a vigilância do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a aplicação de recursos extraordinários liberados pelo Orçamento de Guerra e sobre os remanejamentos no orçamento de 2021. Na última semana, o TCU determinou que os ministros Paulo Guedes, Braga Netto (Casa Civil), se pronunciem formalmente sobre como estão sendo aplicados os limites para gastos do dinheiro extra liberado para enfrentamento da pandemia do coronavírus.
A posição do Executivo sobre os alertas do TCU já está sendo discutida em nível técnico, mas a Corte de contas quer o empenho da palavra de Guedes e Braga Netto, de forma a evitar que desvios futuros sejam justificados, por exemplo, pela falta de comunicação entre técnicos. Entre as recomendações que serão aprovadas pelo TCU está o envio de instruções pelo Ministério da Economia para órgãos do governo sobre os limites do gasto desse recurso extra, que só pode ser alocado em despesas emergenciais e dentro das regras de gastos públicos para permitir a fiscalização.
Sucessão
O Senado Federal enviou ao STF manifestação pedindo que seja reconhecida a possibilidade aplicar a regra de reeleição dos cargos do Poder Executivo para a sucessão nas presidências da Câmara e do Senado. As duas eleições estão marcadas para fevereiro de 2021, mas o assunto é presença certa em todas as conversas de bastidores em Brasília e pano de fundo de qualquer articulação.
A posição do Congresso foi encaminhada por ordem do ministro Gilmar Mendes no caso em que o PTB contesta a possibilidade de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre disputarem novo mandato. O principal argumento dos advogados do Senado é baseado na comparação: se o Executivo admite a reeleição, também na função executiva dentro do Poder Legislativo deve ser permitido. No documento, afirmaram ainda que a possibilidade de se reeleger sem a limitação do período da legislatura abre espaço para que mais candidatos possam se apresentar na disputa.
O julgamento no plenário do Supremo ainda não está marcado. Nos bastidores, os ministros se dividem em dois grupos: um disposto a flexibilizar a regra, principalmente por estar de acordo com a postura de Maia e Alcolumbre em defesa da democracia, e outro mais apegado ao texto da Constituição, segundo o qual não pode haver reeleição dentro da mesma legislatura. A saída mais simples para o Supremo seria dizer que se trata de assunto interno do Congresso e que o STF não deve se meter.
Parlamentares ouvidos nesta semana relatam que tanto Davi quanto Maia têm votos para se reelegerem, mas na Câmara há resistência há mais um mandato de Maia. O demista preside a casa desde 2016, quando assumiu mandato-tampão após a renúncia de Eduardo Cunha.
Menos um inimigo
O final da semana foi agitado pela decisão liminar do ministro Benedito Gonçalves, do STJ, que afastou do cargo o então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, acusado de desvios de dinheiro da saúde durante a pandemia. A decisão afasta de um cargo importante uma figura que se tornou inimiga do presidente no último ano. Sentindo o golpe, o ex-aliado dos Bolsonaro disparou ataques contra o presidente.
Depois de ter pedido de prisão feito pela PGR e negado pelo STJ, Witzel acusou a Procuradoria-Geral da República de estar se “especializando em perseguir governadores, usando investigações rasas”, e lembrou que a sub-procuradora Lindôra Araújo, responsável pelo caso, é amiga do senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do presidente.
O ponto mais importante do afastamento de Witzel para a família Bolsonaro é o comando do Ministério Público do estado. Um governador menos desalinhado com o presidente e os filhos vai ser fundamental na indicação do novo chefe do MP do Rio, que comanda as investigações, por exemplo o inquérito da rachadinha.
O mandato do atual procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, termina em janeiro de 2021. A indicação do sucessor será feita pelo governador em exercício, Cláudio Castro – se estiver na cadeira até lá – e o novo PGJ será o titular do inquérito contra o senador Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz no caso da rachadinha. A movimentação de bastidores para essa sucessão já começou no MP do estado.
Eleito com apoio da família Bolsonaro em 2018, Witzel se afastou de vez do presidente ao se colocar como possível candidato para 2022, e foi acuado pelo presidente de perseguir a família Bolsonaro por meio de investigações como o inquérito sobre a rachadinha na ALERJ e a apurações sobre milícias no estado.
Desde então, Bolsonaro estaria buscando meios de ter “de volta” o comando político do próprio estado por meio de uso político da PGR, segundo Witzel. O governo fica nas mãos do vice, que também sofreu busca e apreensão, e a partir de agora deve buscar formas de se distanciar do governador afastado, revendo nomes no secretariado e sendo cuidadoso nas novas indicações.
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