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O desafio da convergência

Desde criança eu era fascinada por entender como os grandes movimentos de transformação aconteciam na humanidade. Pelas minhas leituras e observações da realidade, foi ficando claro que as mudanças profundas se iniciam de forma silenciosa, quase que invisível, na troca entre indivíduos que conseguem captar o imaginário coletivo e os sinais de um futuro que […]

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Desde criança eu era fascinada por entender como os grandes movimentos de transformação aconteciam na humanidade. Pelas minhas leituras e observações da realidade, foi ficando claro que as mudanças profundas se iniciam de forma silenciosa, quase que invisível, na troca entre indivíduos que conseguem captar o imaginário coletivo e os sinais de um futuro que quer emergir como o próximo passo da jornada evolutiva da humanidade.

Em geral, esse pequeno grupo leva anos e anos para ganhar clareza, dar concretude, apresentar, convencer e criar consenso sobre uma nova visão e um novo caminho até atingir uma massa crítica, ou seja, um conjunto suficiente de pessoas alinhadas ao novo paradigma.

Mesmo quando se alcança um entendimento comum acerca da nova direção e da sua viabilidade por um grupo relevante, a mudança não acontece de fato até que uma sequência de eventos ou um determinado acontecimento atue como catalisador da transformação em curso, servindo como uma catapulta que lança uma sociedade do velho para o novo lugar consensuado. Por mais que o novo chegue, é com o tempo que os paradigmas e modelos vão ocupando os espaços e substituindo gradualmente as antigas estruturas.

Eu descrevi de forma genérica alguns pontos-chave sobre como as mudanças acontecem para dizer que levam tempo e temos pouquíssimo controle sobre elas. A questão é que, estamos em 2020, com tempo limitado para evitar um aumento brusco de temperatura da Terra, próximos de alcançar o ponto de “no-return” da Floresta Amazônica, entre outros desafios que são urgentes e têm prazo para serem endereçados para o bem e sobrevivência da espécie humana neste planeta.

“Por mais que se possa criar contextos que facilitem ou acelerem a mudança, a real transformação deriva de uma massa crítica de pessoas chegarem em um ponto de convergência do que precisa ser feito, o que não é trivial. Isso porque, cada pessoa física ou jurídica tem uma origem específica, está em um momento de vida, tem prioridades no uso dos seus recursos e do seu tempo, tem uma relação diferente com o futuro e seu papel.

O que fazer quando não podemos ou não nos parece razoável esperar pela mudança? O que é possível fazer além de esperar que cada indivíduo passe a fazer suas escolhas considerando os impactos e as consequências para nosso futuro coletivo? Até onde vai a liberdade individual se ela passa a afetar nossas possibilidades como coletivo?

Eu tenho feito a mim mesma essas perguntas, como pessoa física e como parte de uma instituição financeira. E não há resposta fácil. Uma das coisas que podemos fazer para acelerar a mudança é criar os contextos certos. Olhando para o mercado financeiro, por exemplo, precisamos urgentemente considerar os diversos impactos das empresas e dos investimentos na sociedade e no meio ambiente. Para isso, precisamos de mais dados, novas políticas, novos modelos de análise e tomada de decisão de investimentos, etc. Isso requer profissionais abertos a ampliar sua visão e dispostos a dedicar tempo — em muitos casos, trabalhar muitas horas a mais para se aprofundar — para aprender e criar novas ferramentas.

Para acelerar essa mudança, as instituições podem criar contextos que facilitem ou incentivem que os profissionais avancem nessa direção, como, por exemplo, pactuando as estratégias, oferecendo cursos e treinamentos, estabelecendo parcerias, alinhando as novas demandas com incentivos de crescimento profissional, estruturando os órgãos de governança adequada, etc.

A criação de contextos é uma peça crucial para acelerar a mudança, inclusive muito estudada nos campos da ciência, do design comportamental e da mudança organizacional. Todavia, a arquitetura de contextos tem limites e é incapaz de sustentar a mudança de longo prazo sem que os indivíduos também se transformem no caminho.

Um exemplo claro é que as instituições financeiras podem ampliar a oferta de produtos, tornar mais fácil a identificação e ponderação dos fatores endereçados naquela oportunidade de investimento, disponibilizar assessores para fazer um trabalho customizado, entre muitas outras ações. No entanto, a decisão final de investimento é do dono do dinheiro, que pode ou não estar alinhado a uma visão de investimentos sustentáveis, ou que tem prioridades de curto prazo que o levam a escolhas por produtos e ativos financeiros mais tradicionais, por exemplo.

Portanto, por mais que se possa criar contextos que facilitem ou acelerem a mudança, a real transformação deriva de uma massa crítica de pessoas chegarem em um ponto de convergência do que precisa ser feito, o que não é trivial. Isso porque, cada pessoa física ou jurídica tem uma origem específica, está em um momento de vida, tem prioridades no uso dos seus recursos e do seu tempo, tem uma relação diferente com o futuro e seu papel.

Diante do desafio das pessoas e das instituições não estarem mudando seu comportamento na velocidade que precisamos dado os limites do planeta, há governos e nações que defendem e têm atuado com leis e regulamentações que colocam cada vez mais diretrizes e metas para empresas, mercado financeiro e cidadãos.

Estamos em um momento único da história humana, no qual temos a responsabilidade de colocar nossas escolhas de hoje em perspectiva, a fim de assegurar a possibilidade de uma vida boa para nós mesmos e nosso descendentes nas próximas décadas. Quanto mais refletirmos sobre nossas escolhas diárias e buscarmos caminhar na direção de um futuro sustentável, mais liberdade teremos para protagonizar nossas próprias vidas. Quanto mais postergarmos o olhar para nossos impactos individuais e a busca por convergência de visão de futuro, maior o risco corremos de ficar a mercê das ações drásticas que os governos terão de tomar para nos salvar de nós mesmos.

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