Duas palavras que tiram o sono de qualquer acionista: Recuperação Judicial (RJ). O processo, que tem como objetivo proteger o funcionamento da empresa em períodos de crise financeira, é temido por se aproximar muito do pedido de falência. No entanto, a RJ é uma alternativa para que empresas renegociem dívidas com credores, enquanto continuam a existir, evitando principalmente três situações adversas: demissões em massa, calotes e o próprio encerramento de atividades.
Entre os casos mais notórios e recentes, que você pode conhecer melhor ao longo do texto, temos o da Oi, concluído após 6 anos de negociações. A varejista Americanas também seguiu por este caminho e abriu pedido de Recuperação Judicial após a descoberta de mais de R$ 40 bilhões em dívidas, por inconsistências contábeis nos seus balanços.
Saiba mais sobre o que é o processo de Recuperação Judicial, as implicações para empresa e credores e alguns casos do mercado brasileiro.
O que é Recuperação Judicial?
A Recuperação Judicial é um processo legal que suspende a cobrança de dívidas por parte de credores para que possam ser renegociadas, evitando o fechamento da empresa, demissões e calotes. A RJ é diferente da abertura de um processo de falência, que tem como objetivo usar o que sobrou de patrimônio da empresa para o pagamento de dívidas, embora possa ou não determinar o fim da empresa. A diferença é que o objetivo principal, como é descrito nominalmente, é recuperar a saúde financeira da companhia.
A lei que permite a abertura é de 2005 (Lei 11.101), mas, em 24 de dezembro de 2020, passou por mudanças que deram mais proteção às empresas durante o processo. O decreto acrescentou a proibição de qualquer forma de congelamento ou retenção de bens enquanto a RJ acontece.
Para ser elegível ao pedido de Recuperação Judicial, a empresa precisa responder a alguns requisitos. Não podem solicitar, por exemplo, estatais, instituições financeiras e consórcios.
Quanto tempo leva a Recuperação Judicial?
Para abrir o pedido, a companhia precisa que um advogado a represente, formalizando em juízo a solicitação juntamente com os motivos das dificuldades financeira — demonstrados em documentos como balanços contábeis, patrimoniais e extratos bancários. Após protocolado o pedido, um plano de recuperação deve formulado por um administrador judicial dentro de 60 dias.
Após a entrega dessas informações, acontece uma assembleia-geral entre todas as partes, onde poderão aprovar ou não o plano. Se reprovado, é decretada a falência da empresa e os bens serão leiloados. Com todo o capital levantado, os credores são pagos por ordem de referência. Os primeiros pagamentos são para os prestadores responsáveis pela administração da falência. Em seguida as obrigações salariais e trabalhistas. Após esses pagamentos, entram os credores restantes por ordem de valor.
Se o plano for aprovado, o processo de recuperação e renegociação dá um prazo de dois anos para que a companhia resolva todas as pendências financeiras. No entanto, é comum que dure mais que isso, como no caso da Oi.
O que acontece com as ações das empresas em Recuperação Judicial?
Além dos impactos óbvios em valor de mercado, como mostraremos no gráfico abaixo, a Recuperação Judicial implica em algumas limitações de negociação para as empresas de capital aberto.
Uma das consequências é a saída de índices da B3. Para o Ibovespa, por exemplo, são selecionados para compor o índice os ativos que atendam cumulativamente aos critérios abaixo:
- Estar entre os ativos elegíveis que, em ordem decrescente de Índice de Negociabilidade, representem em conjunto 85% do somatório total desses indicadores;
- Ter presença em pregão de 95% no último ano;
- Ter participação em termos de volume financeiro maior ou igual a 0,1%, no mercado à vista, no último ano;
- Não ser classificado como Penny Stock.
A cada quatro meses, o nosso time de Estratégia Quantitativa publica quais são as projeções de entradas e saídas do Ibovespa com base na metodologia da B3. Além de atender aos requisitos acima, um importante critério que exclui um papel de um índice da B3 imediatamente (ao invés de a cada rebalanceamento) é quando a empresa passa a ser negociada em “situação especial”, o que inclui recuperação judicial. Nesse caso, ao final do seu primeiro dia de negociação após esse enquadramento, o papel é excluído.
E por que isso é importante? A presença de um papel em um índice relevante como o Ibovespa traz maior liquidez para a ação. Isso porque fundos passivos (ETFs) que replicam o retorno do índice compram as ações que o compõem, e fundos ativos que têm o Ibovespa como benchmark tendem a ter o papel no radar. Além disso, ao fazer parte do índice Ibovespa, o nome atrai maior interesse por parte de investidores de forma geral, porque passa a ser analisado com maior escrutínio, aumentando as informações públicas.
No caso da Oi (OIBR3), que fazia parte do índice Ibovespa assim que anunciou sua recuperação judicial, o aumento no volume de negociação das ações na data em que o anúncio foi feito pode ser explicado pelo movimento de venda do papel. As gestoras com fundos que replicam o índice se desfizeram do papel no momento em que ele deixou de fazer parte do Ibovespa após a consolidação de sua recuperação judicial. O grande volume de vendas, somado às expectativas negativas para a empresa causaram uma queda no valor das ações.
Portanto, uma recuperação judicial, e consequente saída do Ibovespa, tende a gerar um impacto relevante na liquidez e preço de um ativo. Abaixo, separamos alguns casos relevantes do mercado brasileiro que passaram por RJ — e tiveram finais bem distintos.
Caso Americanas
A crise na Americanas (AMER3) começou após o anúncio da renúncia de Sergio Rial ao cargo de CEO e de André Covre à posição de CFO e Diretor de Relações com Investidores após apenas 9 dias de mandato. O motivo da saída dos executivos seria uma inconsistência contábil na casa dos R$ 20 bi e desencadeou uma série de execuções de credores.
De acordo com o ex-CEO, uma estrutura comum de antecipação de pagamento a fornecedores (operação de risco sacado) estava sendo registrada na conta de fornecedores e não como dívida bancária do balanço patrimonial da empresa. Por isso, a despesa de juros pagos aos bancos tem sido contabilizada no balanço como um redutor da conta de fornecedores a pagar, ao invés de ser reconhecida como despesa financeira na demonstração de resultados.
Por causa das cobranças judiciais de credores, a companhia divulgou no dia 13 de janeiro a concessão de uma Tutela de Urgência, que bloqueou por 30 dias o vencimento antecipado de todas as dívidas da Americanas. Esse prazo foi usado para que os comitês internos formados pela empresa avaliem qual o melhor caminho para se tomar.
Segundo a analista Danniela Eiger e o time de varejo do Research da XP, a companhia tinha em dois caminhos: (i) negociação de uma injeção de capital com os bancos, que estimamos entre R$10-20 bilhões (vs. atual valor de mercado de AMER3 de R$2,8 bilhões); e (ii) organização dos documentos necessários para solicitação de uma Recuperação Judicial, o que pode ser considerada a alternativa mais provável, dado o tamanho da dívida da Americanas e da potencial necessidade de capital, além do número de credores envolvidos.
Na quarta-feira (18), a companhia anunciou a chegada de Camille Faria para a posição de CFO. Com mais de dois anos no mesmo cargo na Oi, ela é considerada uma especialista em RJ, já que acelerou o processo na empresa de telecomunicações. Antes de assumir a varejista, ela exercia o mesmo cargo na Tim.
Após um dos credores ganhar uma liminar contra essa Tutela Emergencial, Americanas anunciou no dia seguinte que seu caixa foi reduzido a R$ 800 milhões. Segundo nossos analistas, essa quantia só permite sustentar o funcionamento da empresa por pouco mais de um trimestre de operação. Por isso, a entrada da empresa em um processo de RJ era iminente.
Este cenário se concretizou e Americanas protocolou seu pedido de Recuperação Judicial nesta quinta-feira (19), tornando-se o segundo maior da história do mercado acionário brasileiro, perdendo somente para a da Oi.
Caso Oi
Após mais de 6 anos, a Justiça do Rio de Janeiro decretou o fim da recuperação judicial da Oi (OIBR3, OIBR4) em 15 de dezembro de 2022. A operadora de telecom entrou em recuperação judicial em 2016, quando acumulou R$ 65 bilhões em dívidas. Chamado pelo juiz responsável, Fernando Viana, de o “mais impactante e relevante do judiciário brasileiro”, o processo sofreu uma série de atrasos, mas foi encerrado com um plano que incluiu a venda de diversos ativos e prorrogação de prazos de pagamento. Boa parte da dívida que restou nos últimos meses do processo foi convertida em participação acionária na companhia.
Houve também uma série de leilões de ativos como a Oi Móvel, divisão de telefonia celular, com mais de 47 milhões de clientes, vendida por R$ 16,5bi, a rede de fibra óptica, por R$ 12,9bi e as torres de telefonia fixa por R$ 1,7bi. Um acordo com a Advocacia-Geral da União também permitiu reduzir em 50% a dívida de R$ 14,3bi com a Anatel por multas. O restante da multa foi parcelado em 84 meses, sendo a única pendência restante do processo.
Caso OGX
Um dos casos mais emblemáticos do mercado brasileiro — e não no bom sentido — é o do Grupo X, o conglomerado de Eike Batista. Mais especificamente a petroleira OGX entrou com pedido de Recuperação Judicial em junho de 2014, alegando dívida de mais de R$ 13,8 bi. Após quatro anos de processo, a empresa conseguiu arcar com todos os pagamentos previstos no plano de recuperação.
A história é diferente da maioria porque a companhia captou R$ 6,7 bi em investimentos mesmo sem produzir sequer um barril de petróleo. Com grande alavancagem e alguns pouco projetos de produção — que se mostraram inviáveis —, o pedido de RJ foi protocolado um ano após o início oficial da produção.
O processo obteve sucesso em renegociar as dívidas, mas a OGX nunca mais se recuperou. Hoje com o nome de Dommo Energia (DMMO3), a empresa passa por processo de incorporação pela PetroRio (PRIO3) com cancelamento do registro de Companhia Aberta acontecendo em 16 de janeiro de 2023.
Caso Itapemirim
Em processo que durou 4 anos, de 2016 a 2022, a Itapemirim teve a falência decretada após o plano da Recuperação Judicial, acumulando cerca de R$ 2,4 bi de dívidas, sendo R$ 2,2 bi em impostos. Sem bens suficientes para quitação das dívidas, a justiça determinou o arrendamento das contas e dos ativos da empresa para resolução do processo. Mesmo durante a RJ, a empresa chegou a lançar uma companhia aérea, a ITA (Itapemirim Transportes Aéreos), que funcionou por pouco mais de um ano.
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