1) O que é rebalanceamento?
O rebalanceamento é parte fundamental da manutenção e monitoramento de um portfólio, e pode ser definido como a disciplina de ajustar os pesos das classes de ativo em um portfólio, de modo a torná-los mais próximos dos pesos da alocação estratégica (strategic asset allocation) definida para o longo prazo.
A necessidade de se definir uma política de rebalanceamento vem do fato de que as mudanças normais nos preços dos ativos levam o mix de classes de ativos a desviar dos pesos-alvo definidos na política de investimentos. Em outras palavras, as classes de ativo com maior retorno esperado de um portfólio crescem mais rapidamente que as demais, de modo que seu peso (e consequentemente o risco do portfólio) tende a aumentar com o passar do tempo.
Vale observar ainda que o rebalanceamento também tem efeitos benéficos quando os movimentos ocorrem na direção oposta, como quando uma classe de ativos sofre com choques negativos e tem seu peso no portfólio fortemente reduzido. Foi esse o ocorrido com a classe de Renda Variável Brasil no mês de março de 2020, com o agravamento dos impactos da pandemia no país.
Além disso, o campo das finanças comportamentais nos explica que o rebalanceamento é desconfortável: o ser humano não gosta de vender ativos que vêm tendo um bom desempenho para comprar ativos que têm “ficado para trás”. Por isso, a política de rebalanceamento deve ser o instrumento para trazer disciplina a esse processo, reduzindo esses vieses comportamentais.
O gráfico 1 abaixo mostra a evolução do peso das classes de ativo de uma carteira hipotética criada há 20 anos com ativos brasileiros, sendo 60% em Renda Fixa Pós-fixada (com performance medida pelo índice IMA-S*) e 40% em Renda Variável Brasil (performance medida pelo Ibovespa), e sem rebalanceamento após sua criação em setembro de 2004. Nos quatro anos iniciais dessa carteira, a classe de RV Brasil tem performance superior à RF Pós-fixada, de modo que chega a alcançar um peso acima de 55% no final do período. Entre 2009 e 2016, por outro lado, a RF Pós-fixada tem melhor performance, chegando a ultrapassar 75% de peso na carteira.
Ainda conforme o gráfico abaixo, para exemplificar um momento de choque negativo impactando a classe de RV Brasil, em janeiro de 2020 a classe tinha peso próximo a 40%, mas chegou a cair até quase 25% em março daquele mesmo ano. Um investidor que considerasse que não houve quebra estrutural que justificasse uma mudança em sua carteira de longo prazo, e que implementasse o rebalanceamento durante o período, teria comprado ativos da classe de RV Brasil e vendido ativos de RF Pós-fixado naquele mês. Como o Ibovespa se recuperou fortemente ao longo do resto do ano, esse investidor teria observado posteriormente um retorno maior em comparação ao retorno que teria sem rebalanceamento.
Gráfico 1 – Mix de Ativos – Carteira 60% RF Pós-fixada/40% RV Brasil sem rebalanceamento
*Índice, a preços de mercado, de uma carteira de títulos públicos remunerados pela Selic (LFT).
2) Então, como fazer o rebalanceamento?
Podemos adotar duas abordagens distintas para o rebalanceamento:
1) A mais simples é o rebalanceamento periódico (calendar rebalancing), que envolve efetuar o rebalanceamento com uma frequência pré-estabelecida: anualmente ou trimestralmente, por exemplo.
- Exemplo: o gráfico abaixo exemplifica a evolução da carteira hipotética anterior, de 60% Renda-fixa Pós-fixada/40% Renda Variável Brasil, com a adoção de rebalanceamento no primeiro dia de cada ano.
Gráfico 2 – Mix de Ativos – Carteira exemplo com rebalanceamento anual
2) A segunda é a abordagem do rebalanceamento por bandas (range-based), no qual são adotados limites percentuais (ou baseados em volatilidade) máximos e mínimos para o peso de cada classe de ativo. Assim, essa abordagem mantém um controle maior do mix de ativos.
- Exemplo: no mesmo portfólio hipotético anterior, poderíamos definir uma banda de rebalanceamento de ±10%. Esse é o exemplo do gráfico abaixo, em que o rebalanceamento ocorre sempre que o peso da RF Pós-fixada supera 70% ou fica abaixo de 50%, ou, equivalentemente, que o peso da RV Brasil fica acima de 50% e abaixo de 30%.
Gráfico 3 – Mix de Ativos – Carteira exemplo com rebalanceamento por bandas
Vale observar que, para um maior equilíbrio entre custos e benefícios, a determinação do tamanho das bandas de rebalanceamento deve levar alguns fatores em consideração:
Grau de liquidez: classes de ativo com maior dificuldade de conversão em dinheiro dificultam o rebalanceamento e, portanto, devem ter maiores bandas.
Custos de transação e impostos: quanto maiores os custos das transações geradas, maior deve ser a banda de rebalanceamento.
Volatilidade das classes de ativos: para evitar a ativação excessiva de rebalanceamentos, as bandas devem ser maiores para classes de ativo mais voláteis. O rebalanceamento baseado em volatilidade é um exemplo que adota bandas proporcionais à volatilidade (esperada) de cada classe de ativo.
Tolerância a risco: investidores com uma maior aversão a riscos devem ter menores bandas de rebalanceamento.
3) Por que o rebalanceamento é importante?
Como, normalmente, as classes de ativo de maior retorno esperado são também as de maior risco, isso quer dizer também que um portfólio sem rebalanceamento tende, com o tempo, a observar um risco maior que o desejado pelo investidor (caso o processo de geração de retornos dos mercados não tenha se alterado). Assim, o principal benefício da disciplina no rebalanceamento é obter um melhor controle dos riscos no portfólio.
Para exemplificar esse argumento, o Gráfico 4 abaixo ilustra a volatilidade em janelas móveis de 252 dias da carteira hipotética anterior, sem nenhum rebalanceamento (curva preta), com rebalanceamento anual (curva amarela) e com rebalanceamento por bandas de ±10% (curva azul). Considerando o período total de 20 anos que analisamos, os portfólios tiveram volatilidade similar: 10,0%, 9,7% e 10,4%, respectivamente. Ainda mais importante, o gráfico mostra que, neste exemplo, as volatilidades dos portfólios com rebalanceamento tenderam a ficar mais próximas do patamar de volatilidade de 10% na maior parte do período observado.
Gráfico 4 – Volatilidade anualizada (janela de 252 dias) do portfólio hipotético
Porém, alguns analistas argumentam também que a disciplina no rebalanceamento pode levar ainda a um aumento no retorno do portfólio, derivado dos retornos obtidos com a recomposição da diversificação ideal da carteira, além dos retornos gerados com a captura de prêmios de liquidez (i.e. comprar quando a maior parte do mercado está vendendo, e vice-versa).
Investigando esse argumento no nosso exemplo, o Gráfico 5 abaixo ilustra o valor do investimento de R$1000, há 20 anos, na carteira hipotética mencionada anteriormente, sem nenhum rebalanceamento e com rebalanceamento anual ou por bandas. Os valores mostram que este portfólio hipotético exemplificaria este argumento: o retorno do portfólio com rebalanceamento anual foi 12% maior que o retorno do portfólio sem rebalanceamento, o equivalente a 0,57% adicionais ao ano. O portfólio com rebalanceamento por bandas, por sua vez, teve um valor final 15,4% (ou 0,72% ao ano) maior que o portfólio sem rebalanceamento.
Gráfico 5 – Valor do portfólio hipotético inicial de R$ 1000
4) As bandas das Carteiras Recomendadas
Nossas três Carteiras Recomendadas, atualizadas mensalmente, contam também com bandas de alocação para cada classe de ativo. As bandas foram criadas para dar maior flexibilidade ao processo de alocação, permitindo uma melhor personalização das carteiras.
Os valores das bandas podem ser de 2,5%, 5,0%, 7,5% ou 10%, e foram definidos de forma proporcional a duas variáveis: o patamar de relevância (peso) da classe de ativo nos portfólios, e a volatilidade esperada de cada classe de ativo. Devido a esses critérios utilizados e considerando os fatores mencionados nas seções anteriores, acreditamos que as bandas de alocação podem ser também vistas como uma proposta de bandas de rebalanceamento.
Assim, utilizando a classe de RV Brasil como exemplo, de acordo com a figura abaixo, concluímos que a recomendação para a carteira Sofisticada é de 15%, com bandas de rebalanceamento de ±5%. Portanto, o rebalanceamento seria acionado caso o peso da classe ultrapasse os 20% ou caia abaixo de 10%.
Em suma, queremos enfatizar com este texto que o rebalanceamento é uma ação importante da etapa de monitoramento de um portfólio, e deve ser uma disciplina, regida por uma política de rebalanceamento pré-estabelecida quando da construção do portfólio, e seguida à risca enquanto não forem identificadas mudanças permanentes de regime (como eventos de destruição permanente de capital). Os benefícios dessa disciplina citados pela literatura financeira são o maior controle do nível de riscos do portfólio e um possível ganho em seu retorno médio ao longo do tempo, em especial quando ajustado ao risco, o que, em nossa opinião, torna o rebalanceamento, de modo similar à diversificação de ativos, como uma das ferramentas mais saudáveis na gestão de portfólios de longo prazo.
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