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Trump x Biden: O contexto, os mercados e o que a história ensina da disputa que não sai dos holofotes

A menos de 30 dias das eleições gerais nos EUA, os mercados se voltam à disputa presidencial entre Trump e Biden. Por que as eleições norte-americanas são tão importantes para os mercados, e o que o investidor deve saber?

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Não é de hoje que eleições americanas trazem volatilidade aos mercados. A política econômica e de relações exteriores pode ser bem diferente entre Trump e Biden. O sistema eleitoral americano, que pode gerar um cenário de indefinição pós-eleição, também preocupa.

Porém, a história mostra que a força das instituições norte-americanas provém base sólida para o retorno à normalidade após o período eleitoral. Ademais, diante da pandemia do Covid-19 e a confortável situação de emissor da moeda global, dificilmente o novo presidente (seja ele qual for) não aprovará outro pacote de estímulos para sustentar a retomada da economia.

A menos de 30 dias das eleições gerais nos Estados Unidos, as atenções se voltam à disputa presidencial entre o candidato republicano à reeleição, Donald Trump, e seu adversário democrata, Joe Biden. A cada novo desdobramento, os mercados reagem com volatilidade. O evento mais recente foi a confirmação do diagnóstico positivo para Covid-19 de Donald Trump.

Porque a eleição americanas são tão importante para os mercados? Em primeiro, porque a política econômica e de relações internacionais da maior economia do mundo pode ser muito diferente sob Trump ou Biden. Em segundo, porque as regras do jogo eleitoral norte-americano podem trazer um ambiente de indefinição após o pleito, como ocorreu nas eleições de 2000 entre George W. Bush e Al Gore.

Assim, antes de entrarmos na discussão do programa de governo de cada candidato, vale relembrar como funcionam as eleições nos EUA, que é diferente do Brasil.

O sistema eleitoral americano

O sistema se baseia em eleições indiretas. Ou seja, o voto da população não é creditado diretamente a um candidato, e sim alocado a representantes de cada estado, conhecidos como delegados, que compõe um colégio eleitoral. O colégio eleitoral é o responsável pela escolha final.

Cada ente federativo (estados) tem um peso diferente (como ilustrado no mapa abaixo), que somam 538 votos no total - o mesmo número de parlamentares no Congresso dos EUA. Para vencer a eleição, são precisos 270 votos. Isso significa que um candidato pode perder a votação popular, mas vencer a eleição, como ocorreu em 2016, quando Donald Trump venceu a disputa apesar de te obtido 3 milhões de votos a menos do que sua adversária, Hillary Clinton.  

Vale destacar que as votações por estado não se dão de forma proporcional, e sim absoluta. Por exemplo, dado que o estado da Califórnia tem 55 delegados, se 30% de seu eleitorado votar por um candidato (A), e 70% por outro (B), 100% dos votos do estado irão para o candidato B. Maine e Nebraska são a exceção a essa regra, que é conhecida como “The winner takes it all”.

Deste modo, a disputa presidencial em estados específicos torna-se especialmente relevante, principalmente nos estados conhecidos como “swing states”, onde a preferência política tende a ser modificar com maior frequência (já que alguns destes estados são os mesmos todo ano, enquanto outros são “temporários” por mudanças culturais/demográficas).  

Quem são e o que dizem Biden e Trump?

Trump e Biden representam diferentes setores da política nos EUA. Tanto suas propostas quanto seus históricos são bem distintos.

Trump, que anteriormente foi empresário e personalidade de televisão, chegou à política em 2015 com um discurso tido como inovador, que tinha como base o nacionalismo. O candidato é considerado da ala mais à direita de seu partido, que por sua vez é mais à direita do que o partido democrata. Na economia seu mandato foi marcado por medidas em favor do setor financeiro e corporativo, especialmente a redução de impostos incidentes sobre a pessoa jurídica para 21% (de 35%). Outras medidas incluíram a elevação de tarifas à importação não somente à China, mas também a outros parceiros comerciais, como União Europeia e países Latino Americanos, e a redução de gastos com saúde pública – incluindo a contestação do programa conhecido como “Obamacare” na Suprema Corte.

Já Joe Biden está na política desde 1973, quando foi eleito senador pelo estado de Delaware. Entre 2009 e 2017, foi vice-presidente de Barack Obama. Biden é considerado do centro de seu partido e, se eleito, promete priorizar investimentos na economia de baixo carbono, na área de saúde, e elevar a carga tributária para “o topo mais rico da população norte-americana”, incluindo grandes conglomerados e a classe mais abastada. 

Com uma economia em crescimento e alta aprovação popular, Trump tinha sua reeleição quase como certa para muitos analistas até o início deste ano – até o coronavírus. Foi aí que a dinâmica eleitoral foi fortemente influenciada por fatores totalmente inesperados: a evolução do vírus em solo norte-americano, e os impactos da pandemia na economia. Além disso, o crescimento de uma onda de movimentos sociais contra o racismo que tomou conta do país nos últimos meses também contribuiu para alterar as principais expectativas para o cenário eleitoral deste ano.

Hoje, Joe Biden lidera as pesquisas nacionais por margem de 9,4 p.p., segundo os principais agregadores.

Vale ressaltar que a população norte-americana elegerá também novos membros ao Congresso dos EUA, com a totalidade dos membros da Câmara baixa (equivalente à nossa Câmara dos Deputados), e 1/3 do Senado.

Um Congresso dividido tem o potencial de limitar propostas mais arrojadas do Executivo, independente de quem seja o vencedor – é o caso, por exemplo, de uma potencial elevação de impostos. Hoje, é praticamente certo que os democratas devem reter a maioria na Câmara dos Deputados, já o futuro do Senado é mais incerto. As pesquisas apontam a uma disputa acirrada entre os partidos, mas republicanos são favoritos a reterem maioria, na visão do time de Análise Política da XP.

A reação dos mercados e os impactos na economia

Não é novidade uma eleição presidencial americana afetar os mercados. As disputas recentes também foram acompanhada pela elevação da volatilidade e da incerteza entre investidores - como refletido no gráfico abaixo, que traz o comportamento do VIX (índice de que mede a volatilidade do S&P 500, principal índice da bolsa americana).

Isso ocorre devido não somente à perspectiva de implementação de medidas que eventualmente desagradem certos setores (com um potencial aumento de impostos, por exemplo), mas também ao fato de que o mero desconhecido eleva a incerteza. Não saber o que acontecerá amanhã torna decisões de investimentos, como a alocação de riscos, mais complexas.

Por outro lado, é possível também observar que os momentos de volatilidade e queda foram seguidos da volta à normalidade – independente do resultado eleitoral. Podemos ver, por exemplo, que mesmo após a grande incerteza da eleição de 2000 em que saiu vitorioso George Bush, a decisão final dada pela Suprema Corte dos EUA foi capaz de levar as expectativas “de volta à normalidade” após um curto período.

Não obstante, como esperado e diante de propostas com potencias impactos tão diferentes (conforme discutido em artigo recente, vide imagem abaixo) e pesquisas tão acirradas, a disputa entre Biden e Trump eleva a sensação de incerteza.

Ao mesmo tempo, o contexto da crise econômica global causada pela pandemia do coronavírus coloca mais lenha na fogueira, ao passo que decisões como a extensão (ou não) e o tamanho de um novo pacote de estímulos fiscais à economia certamente ditarão a trajetória da maior economia do mundo no cenário pós-pandemia – impactando o restante do globo.

Nesse contexto, uma outra questão que acende a luz amarela nos mercados é a possibilidade de não haver um vencedor definido na semana da votação, marcada para o dia 3 de novembro. Diante de um sistema eleitoral passível de contestação dos resultados (lembrando que a votação é feita em papel, e há a possibilidade de se votar pelo correio), e o posicionamento incisivo de Trump sobre “fraudes confirmadas” no sistema, esse cenário se torna cada vez mais possível.

Do lado econômico, a possibilidade de que o resultado das eleições se arraste até meados de dezembro (como ocorreu em 2000, na disputa entre Al Gore e George Bush) aumenta o risco de uma demora ainda maior para a aprovação de um novo pacote de estímulos fiscais, após o fim do auxílio a famílias em julho.

Na ausência de maiores estímulos no campo da política monetária, como já sinalizado pelo Banco Central norte-americano (FED), cresce a pressão e a incerteza acerca da manutenção da recuperação econômica nos EUA – e seus impactos no resto do mundo, incluindo o Brasil. O gráfico abaixo ilustra essa preocupação, ao indicar uma incipiente queda no índice de surpresas econômicas nos EUA (referente a surpresas positivas em dados econômicos, frente ao esperado por agentes de mercado).

E o Brasil com isso?

Desde sua campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro tem procurado alinhamento com o governo de Donald Trump, o que se deve as semelhanças de sua orientação política. Por outro lado, a priorização do governo Biden ao tema do meio ambiente e as já declaradas preocupações com a situação brasileira devem criar um ponto de tensão entre os dois países, em um potencial governo democrata.

Nesse sentido há receios de que uma potencial eleição de Biden poderia colocar em xeque esse suposto alinhamento político-econômico, impactando a economia brasileira.

Porém, vale destacar alguns pontos antes de corroborar tal afirmação:

1. As relações diplomáticas e comerciais entre os países são sólidas e de longa-data, e dificilmente são alteradas – para o bem ou para o mal – por líderes específicos.

2. Com exceção de alguns posicionamentos pontuais, como o apoio (por ora não consolidado) de Trump ao pedido de acessão do Brasil à OCDE, a relação político econômica entre Brasil e EUA não sofreu grandes modificações durante o governo Trump, se comparado aos líderes anteriores. Reflexo disso foi o recente anúncio do governo Trump da redução de cotas de importação de aço do Brasil aos EUA.

3. Envolvendo seus dois principais parceiros comerciais, a guerra comercial entre China e EUA coloca o Brasil em posição ambígua. Se, por um lado, o conflito entre as duas potências prejudica o comércio global, incluindo o Brasil, e gera maior aversão ao risco em especial em relação à emergentes (afastando investidores de países tido como mais arriscados, como o Brasil), a assinatura de um acordo entre as duas potências, em que o país asiático se compromete a aumentar as compras de produtos agrícolas norte-americanos, prejudica o Brasil frente ao seu principal competidor em fornecimento de commodities para a China – os EUA.

Nesse sentido, o comprometimento com o acordo comercial assinado entre EUA e China em uma eventual reeleição de Trump poderia impactar o recente boom observado em nossas exportações aos chineses, mesmo sem dirimir a aversão ao risco fruto da constante disputa. Enquanto isso, uma política em relação à China que gere menos ruídos e adote uma abordagem mais institucional, estrategicamente alinhada com aliados, que deve vir a ser a escolha de Biden, provavelmente arrefeceria a incerteza frente à emergentes – mesmo que incluísse ainda um impacto negativo comercialmente ao Brasil.

4. Finalmente, sobre a questão ambiental, assim como na relação com a China, a pressão por parte de um governo Biden sobre o Brasil provavelmente se daria no âmbito de instituições multilaterais, como a OCDE. Desta forma, há um potencial impacto positivo para essa agenda no Brasil, ao passo que o alinhamento com as melhores práticas internacionais em relação ao meio ambiente, então necessárias para garantir o apoio dos EUA para a acessão brasileira à OCDE, seria um efeito positivo de tal dinâmica.

Conclusão

Não é de hoje que os mercados e as expectativas sobre a economia são marcados pela volatilidade em tempos de eleição. A incerteza acerca do futuro dificulta decisões de investimentos, e reduz a previsibilidade da trajetória da atividade econômica. A situação atual forma a tempestade perfeita para esse cenário turbulento.

Porém, a história também nos mostra que a força das instituições norte-americanas provém uma base sólida para um retorno à normalidade após o período eleitoral. De maneira similar, diante da complexa situação econômica e a confortável situação fiscal de emissor da moeda global em que se encontra os EUA, dificilmente o novo presidente (seja ele qual for) não aprovará outro pacote de estímulos para sustentar a retomada vigorosa da economia dos EUA.

Portanto, por ora, só nos resta aguardar e lembrar das lições da história.

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