Resumo
Com a persistência da alta inflação nos Estados Unidos, o Fed vem sinalizando um aumento na taxa básica de juros, terminando o ciclo de estímulos monetários mais fortes. É certo que o Fed vai elevar os juros, mas existem incertezas a respeito do ritmo de alta e os impactos nos mercados.
No nosso cenário base, acreditamos que a economia americana vai se normalizar ao longo do ano, reduzindo a pressão inflacionaria. Isso possibilita que o Fed conduza a política monetária de forma mais gradual nos próximos dois anos, chegando em 2,0% no final de 2023. Este cenário tende a ser positivo para mercados globais, principalmente para economias latino-americanas.
No entanto, riscos relacionados a normalização da economia americana pós-pandemia e as tensões geopolíticas entre a Rússia e a Ucrânia, podem trazer volatilidade e perdas aos mercados globais em 2022.
Introdução: A virada da política monetária nos Estados Unidos
Em 2020, em resposta à pandemia, o Banco Central americano (o Fed) cortou sua taxa básica de juros - equivalente à taxa Selic brasileira - para praticamente zero. Fazia sentido, era preciso manter a economia estimulada, com crédito barato e abundante, diante do grave problema da Covid-19.
Com o avanço da vacinação e a normalização da economia, tornou-se claro que chegou a hora de reverter os estímulos massivos. O maior sinal? A forte elevação da inflação, que atingiu seu maior nível desde a década de 1980 – em 7,5%.
Neste cenário, o Fed vem sinalizando que vai começar a subir os juros básicos no país muito em breve.
Quão intenso pode ser esse movimento? Como isso pode impactar os mercados brasileiros? Nesta nota exploramos alguns cenários para tentar responder essas perguntas.
O Pano de Fundo: Por que os juros vão subir nos EUA?
O índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos (CPI) atingiu 7,5% no acumulado em doze meses até janeiro, o maior patamar em 40 anos. Assim como em boa parte do mundo, a inflação no país está se mostrando mais alta e mais duradoura do que o esperado por diferentes motivos, entre eles: (1) o desequilíbrio nas cadeias globais de produção, com o “abre e fecha” de fábricas e portos; (2) a demanda reprimida durante os períodos mais agudos da pandemia; (3) a alta nos preços das commodities; e (4) o aumento no custo da mão de obra.
Nesse contexto, os membros do Comitê de Política Monetária do Fed (o FOMC) passaram a demonstrar preocupação com a persistência da pressão sobre os preços, e com sua credibilidade em jogo, sinalizaram que vão começar a reverter os estímulos em breve.
Em outras palavras, o FED vai começar a subir os juros.
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Até onde pode ir a alta de juros nos EUA?
A intensidade da alta de juros planejada foi se ajustando ao longo do tempo. No final do ano passado, a maior parte dos investidores esperava que a elevação começasse apenas no último trimestre de 2022. Hoje, o mercado já espera os juros em 1,50% no final desse ano, ou seja, um total de quase seis elevações da taxa básica em 2022, com a primeira já em março.
Ao subir os juros, o Fed reduz a quantidade de moeda em circulação na economia e desestimula o crédito. O consumo mais controlado contribui para segurar a alta de preços, reduzindo a inflação. Esse é o plano.
E o Fed não está sozinho. Diversos países emergentes, com Chile, México e Colômbia – além, claro, do Brasil - estão subindo juros. Entre os desenvolvidos, o Banco Central da Europa (ECB) começou a sinalizar a possibilidade de um aperto monetário ainda neste ano, enquanto o Reino Unido elevou sua taxa básica de juros nas duas últimas reuniões – levando de 0,1% para 0,50%.
O que esperar em 2022? Três cenários.
Em nosso cenário base, projetamos um aumento gradual na taxa de juros americana, o que seria suficiente para reduzir a inflação, sem prejudicar o desempenho dos mercados globais. No entanto, reconhecemos que existem riscos a esse cenário, e que pode ser necessário um ajuste mais agressivo, com efeitos negativos sobre os mercados.
Estes são os cenários que devemos monitorar adiante:
Cenário 1: Nosso cenário base (65% de probabilidade)
Acreditamos que a inflação cairá do atual patamar de 7,5%, para 5,4% em junho, e 3,7% no final de 2022. É um cenário diferente do consenso de mercado, que espera que a inflação demore mais para cair.
Nossa visão mais otimista se baseia nos seguintes argumentos principais: (1) por volta 71% da inflação atual tem natureza transitória (ver tabela); (2) a interrupção nas cadeias globais de produção deve se normalizar mais rápido do que o esperado, conforme chegamos ao fim da pandemia; (3) os americanos terão que retornar ao mercado de trabalho após o fim dos programas de transferência emergencial de renda, reduzindo a pressão salarial; (4) haverá uma redução significativa no excesso de demanda, dado que as pessoas já gastaram a maior parte da poupança que acumularam durante a pandemia; e (5) a tensão geopolítica entre a Rússia e a Ucrânia, que pressiona o preço do petróleo, deve desaparecer gradualmente à medida em que um acordo diplomático é costurado.
Assim, com a inflação em queda, o Fed poderá conduzir um ajuste bastante gradual – ou seja, subir os juros aos poucos ao longo do ano. Especificamente, vemos o Fed elevando os juros básicos três vezes esse ano e quatro vezes no ano que vem, atingindo 2,0% no final de 2023. É um ajuste mais lento do que o esperado hoje pelo mercado, com base nos preços de ativos (como as taxas de títulos públicos com vencimento de longo prazo).
Neste cenário, prevemos um ano forte para os mercados globais, principalmente na América Latina.
Nas economias desenvolvidas, projetamos o principal índice de ações nos Estados Unidos, o S&P500, atingindo 4900 pontos no final deste ano, enquanto as bolsas Europeias terão um ano ainda mais forte por estarem relativamente desvalorizadas.
O quadro também é positivo para as economias da América Latina, que serão beneficiados pelo preço elevado das commodities e pelo fato de seus ativos financeiros (bolsa, taxa de câmbio) estarem em patamares já bem desvalorizados.
Cenário 2: Rússia e Ucrânia entram em guerra (10% de probabilidade).
Se as tensões geopolíticas entre a Rússia e a Ucrânia se intensificarem, o impacto sobre o preço do petróleo tende a ser bem negativo, com o preço podendo chegar a até US$140 o barril (de US$ 95 hoje).
Neste caso, porque a pressão sobre os preços viria da oferta de commodities energéticas, pouco adiantaria o Fed reagir com juros mais elevados. Assim, a trajetória dos juros seria a mesma do cenário base. Mas a inflação e a aversão ao risco dos investidores seriam mais elevadas.
A economia global se defrontaria com custos de produção em alta (dada a dependência da produção global a produtos derivados de petróleo), resultando em um processo de estagflação - a combinação de recessão econômica, com altas na inflação.
Além disso, o nível de incerteza aumentaria consideravelmente, resultando em uma deterioração nas condições de financiamento, e então, uma queda adicional nas bolsas globais.
Também veríamos provavelmente a saída de capital de países emergentes para desenvolvidos - por serem considerados mais seguros – levando a uma desvalorização do real (em relação ao dólar).
Menores estímulos e maiores juros no mundo reduzem a atratividade relativa de ativos em países mais arriscados, como o Brasil. Isso ocorre devido a redução do chamado diferencial de juros. Em bom português: com juros maiores lá, investidores pensam um pouco mais sobre investir aqui, onde o risco é maior.
Assim, o rumo dos juros nos EUA também impacta o rumo dos nossos juros aqui. Quanto maiores os juros por lá, menor a entrada de dólares aqui (logo, mais desvalorizada nossa moeda), o que por sua vez impacta nossa inflação. Contribuindo assim, para maiores juros por aqui também.
Cenário 3: Os gargalos nas cadeias de produção continuam e a inflação não cai (25% de probabilidade)
Se a inflação se provar mais persistente – porque a demanda continuou aquecida e/ou os problemas de oferta global se prolongaram - o Fed terá que ajustar a política monetária de forma mais agressiva. Os juros subiriam mais rápido, atingindo uma taxa final mais alta, além no nível “neutro” de 2% (aquele que equilibra a economia, sem gerar pressões inflacionárias).
Neste cenário, a curva de juros nos Estados Unidos ficaria negativamente inclinada, ou seja, juros de títulos para vencimentos curtos mais altos do que para vencimentos longos. É um sinal de que o mercado estaria antecipando uma recessão em 2023, levando a quedas adicionais nas bolsas.
Com o cenário menos favorável, investidores reduziriam posições em países emergentes, afetando negativamente as moedas das economias da América Latina.
O que monitorar para frente?
Os dias de juros zero nos EUA estão contados – isso é certo. O Fed vem mostrando sinais de uma postura mais dura em resposta a inflação muito acima do esperado, e deve começar a subir sua taxa básica já em março. No entanto, há muita incerteza a respeito da trajetória da inflação e da política monetária.
Seguimos convictos de que a economia americana vai se normalizar ao longo do ano, permitindo que o Fed conduza o ajuste monetário de forma gradual, até que os juros atinjam 2,0% no final de 2023. Assim, seguimos otimistas com o mercado global, e ainda mais otimistas com a performance das moedas e bolsas latino-americanas.
Mas reconhecemos que existem riscos relevantes no horizonte, que podem trazer volatilidade e perdas aos mercados. É fundamental monitorar as tensões na Ucrânia e os números de inflação nos EUA para averiguar se esses riscos estão se materializando.
Clique aqui para ver nosso relatório detalhado sobre os impactos da alta de juros americanos nos mercados.
Clique aqui para ver nosso relatório detalhado sobre como as taxas de juros nos Estados Unidos afetam a renda fixa no Brasil.
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