Destaques
•As incertezas sobre a economia brasileira cresceram com o aumento do risco fiscal e político, além da crise hídrica;
•Neste cenário, elevamos nossa projeção da taxa de câmbio de 4,9 para 5,2 reais por dólar no final deste ano. Para o final de 2022, ajustamos de 4,9 para 5,1;
•A pressão sobre a inflação corrente está se mostrando mais persistente e disseminada. Este fato, aliado ao aumento das incertezas fiscais, nos levou a elevar a projeção de taxa Selic ao final do ciclo de ajuste monetário para 8,50% (antes em 7,25%);
•A alta mais intensa da taxa Selic compensa os efeitos da inércia inflacionária e da taxa de câmbio mais depreciada. Assim, mantemos nossa projeção de 3,7% para o IPCA de 2022. A convergência completa à meta ficará para 2023;
•Com a política monetária mais apertada e incertezas crescentes, reduzimos a projeção de crescimento do PIB em 2022, de 1,7% para 1,3%. Para 2021, mantemos a expectativa de elevação de 5,3%.
Editorial – Nova encruzilhada orçamentária em meio a riscos políticos crescentes e crise hídrica
No dia 31 de agosto, o governo apresentou sua proposta de orçamento para 2022. O orçamento não contempla a aceleração recente da inflação (que afeta despesas do ano que vem) e nem compromissos políticos difíceis de não acontecer. Nossa conta, apresentada em mais detalhes na sessão dedicada ao fiscal deste relatório, sugere pressão próxima a R$ 70 bilhões durante a tramitação da peça.
O aumento das tensões políticas nas últimas semanas torna o quadro mais complexo. Um possível desfecho pode conter mudanças arriscadas na estrutura do teto de gastos para acomodar mais despesas discricionárias.
Mais uma vez, estamos às voltas com o cenário alternativo de ruptura fiscal, que mencionamos pela primeira vez em nossa nota sobre as mudanças na Petrobrás, e descrevemos em mais detalhes em nosso relatório mensal de abril.
Neste cenário, a taxa de câmbio se afasta dos fundamentos, pressionando os preços e exigindo da política monetária um esforço maior para trazer a inflação para a trajetória de metas. No mês passado, estimamos que a Selic precisaria chegar a 9,50% nestas circunstâncias. O cenário base passaria então a contemplar quedas trimestrais no PIB em 2022.
Como se não bastasse o risco fiscal, a crise hídrica segue pressionando custos de produção, aumentando a inflação e reduzindo as perspectivas de crescimento econômico.
Por ora, mantemos a hipótese de que não haverá mudanças no arcabouço fiscal para além dos ajustes que equacionem a aceleração de gastos com precatórios. Porém, mesmo no cenário base, projetamos agora a taxa de câmbio e a inflação mais elevadas, a Selic em patamar mais alto ao final deste ciclo de ajuste monetário e menor crescimento do PIB em 2022.
Iremos monitorar atentamente a evolução do quadro institucional para avaliar se o cenário alternativo se tornará o mais provável.
Pano de fundo global – Cenário ainda favorável
As medidas restritivas contra a escalada da variante delta do coronavírus levaram a uma safra de dados de atividade econômica mais fracos nas economias centrais, especialmente nos setores de serviços e comércio. A atividade manufatureira, por sua vez, seguiu apresentando bom ritmo.
Nos EUA, os números recentes mais fracos do mercado de trabalho retiram urgência para o Fed iniciar a remoção dos estímulos monetários (o chamado “tapering”). Mantemos nossa expectativa de que o tapering começará em dezembro, com a primeira elevação da taxa de juros ocorrendo apenas no segundo trimestre de 2023.
Neste cenário, mantemos nossa estimativa de 1,5% para a taxa de juros dos títulos de 10 anos do Tesouro americano, visão “fora de consenso” que sustentamos desde o início do ano.
Na China, o resultado da sondagem com Gerentes de Compras (PMI) do setor de serviços veio fraco, refletindo a política de tolerância zero contra a variante delta. A desaceleração da economia deve contribuir para moderar a alta nos preços de commodities, mas não o suficiente para provocar uma correção significativa e mais geral (ocorrendo em apenas em algumas commodities, como minério de ferro).
Em geral, entendemos que o cenário global segue favorável ao Brasil, com continuidade da retomada, pandemia controlada e liquidez ainda abundante.
Brasil
Fiscal – Na corda bamba
Em agosto, as contas públicas voltaram a surpreender positivamente. Com arrecadação registrando o melhor resultado da série história (aumento real de 11,5% em relação a agosto de 2019 - pré pandemia), o déficit primário caiu para 3,8% do PIB no acumulado em doze meses, e a dívida bruta seguiu sua tendência de queda, para 83,8% do PIB (de 83,9% em julho).
A substancial elevação da percepção de risco das últimas semanas, entretanto, foge da performance positiva de curto prazo. Está relacionada à proposta orçamentária enviada pelo governo ao Congresso (PLOA), que contém inúmeros desafios.
A começar, o texto enviado não contempla o aumento recente da inflação, em especial do INPC (índice que corrige a maior parte das despesas obrigatórias da União). Em tese, o aumento de R$ 19 bilhões fruto da diferença poderia ser equacionado com a redução de despesas discricionárias.
Porém, a PLOA tem outros problemas. Não contempla compromissos políticos de difícil reversão, como o programa Auxílio Brasil (versão estendida do atual Bolsa Família) e as emendas parlamentares do relator – invenção recente, que espremeu o espaço para políticas do Executivo.
Estimamos que as defasagens da atual proposta provocarão pressão próxima a R$ 70 bilhões durante a tramitação da peça, conforme ilustrado na tabela abaixo (discutimos o tema em mais detalhes aqui).
Como destacado em nosso último relatório, grande parte desta pressão foi gerada pela inesperada aceleração dos gastos com precatórios judiciais devidos pela União.
Assim, o problema orçamentário pode ser endereçado com a aprovação da PEC dos Precatórios ou outra solução similar que permita ao governo postergar parte dessas despesas ou retirá-las do teto de gastos.
Por ora, acreditamos que retirar os pagamentos da regra constitucional representa a opção mais provável. Embora incorra o mesmo efeito no nível de endividamento público quando comparado ao parcelamento parcial, essa alternativa piora o resultado primário para o ano que vem.
Assim, esperamos que o déficit primário atinja 0,8% do PIB em 2022, levando a dívida para 81,7% do PIB. Por outro lado, o espaço orçamentário de aproximadamente R$ 50 bilhões resolveria os impasses políticos referidos acima.
Não obstante, qualquer uma das alternativas exigirá elevado nível de coordenação entre os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Os recentes eventos políticos (em particular as manifestações de 7 de setembro) tornam essa coordenação mais desafiadora.
Setor Externo – Câmbio mais depreciado por prêmio de risco
Nossas análises seguem sugerindo que a taxa de câmbio brasileira está subvalorizada. A taxa de câmbio real e efetiva, contra uma cesta de moedas e deflacionada pelo IPC, está em patamar consistente com o saldo em conta corrente ainda mais favorável do que está hoje (gráfico).
Ademais, ainda contamos com um expressivo “colchão” de reservas internacionais (US$ 371,5 bi) e o diferencial de taxa de juros é crescente em favor dos juros brasileiros.
Mas a evidência histórica mostra que a o câmbio pode ficar longe do seu valor “justo” por muitos anos. No curto prazo, o prêmio de risco costuma ser predominante, especialmente para uma economia emergente com fundamentos fiscais frágeis como o Brasil.
Desta forma, diante do aumento recente das incertezas (que não se dissiparão no horizonte visível), elevamos nossa projeção da taxa de câmbio para o final deste ano, de 4,90 para 5,20 reais por dólar. E para o final de 2022, de 4,90 para 5,10.
Não alteramos nossas projeções de balanço de pagamento desde nosso último relatório mensal.
Política Monetária – Desafio crescente
Novamente, a inflação corrente ficou acima do esperado, com impactos disseminados. O IPCA de agosto fechou em 0,84%, contra 0,67% da média do mercado. Mas, para além do resultado pior, o que realmente preocupou foi a composição do índice, mostrando pressões disseminadas pela economia (ver gráfico).
O papel da política monetária, diante de um choque de custos, é evitar os efeitos secundários do choque. A disseminação da inflação mostra que, por ora, a batalha não está ganha.
O risco da política fiscal excessivamente expansionista – e sua consequência sobre a perspectiva da demanda agregada e da taxa de câmbio – torna a batalha ainda mais difícil.
Diante deste cenário, entendemos agora que o Copom elevará a taxa Selic até 8,50% (antes 7,25%). Esperamos mais duas altas de 1,0pp, seguidas de uma alta de 0,75pp em dezembro e uma alta final de 0,5pp no início de 2022.
Nossos modelos indicam que este patamar é suficiente para promover a convergência da inflação para a trajetória de metas no horizonte relevante para a política monetária, vale dizer, até meados de 2023.
O mercado de juros futuros discute aceleração no ritmo de alta. Faz sentido, dado que (i) a disseminação da inflação demandaria uma ação mais contundente do Copom; e (ii) a Selic hoje ainda está relativamente distante do ponto final de consenso de mercado (entre 8% e 10%).
Acreditamos, no entanto, que o Copom vai optar por manter o ritmo dado o cenário ainda incerto. A inflação desfavorável hoje é resultado de políticas monetária e (principalmente) fiscal excessivamente expansionistas no passado. Política econômica opera com defasagens.
Para frente, vemos as economias brasileira e mundial desacelerando, a taxa de câmbio e os preços das commodities mais estáveis, a taxa de desemprego ainda elevada. A inflação de 2022 e 2023 estará sob efeitos da política monetária e fiscal mais próximas do neutro.
Como salientamos em relatórios anteriores, se a política fiscal se mostrar mais expansionista e insustentável do que o contemplado em nosso cenário base, o peso sobre a política monetária será maior. (1)
Inflação – Juros em alta compensam pressão adicional para 2022
Nas últimas duas semanas, revisamos nossa expectativa de inflação de 2021 para 8,4%, de 7,3% no início do mês. A revisão ocorreu devido à piora da crise hídrica, ao IPCA de agosto bem acima do esperado e à inflação no atacado sugerindo que ainda há pressão de custos no curto prazo (mais detalhes em nossa nota da semana passada, aqui).
A alta dos preços ao produtor sugere pressão no varejo nos próximos meses. A correlação entre os itens agropecuários e industrializados no atacado (medidos pelo IPA-DI de agosto) com correspondência no IPCA mostra que a aceleração dos preços ao produtor ainda deverá ter repasse, mesmo que em menor magnitude, ao consumidor final nos meses seguintes.
Projeção de 2022 deveria subir com inércia maior deste ano... Os efeitos inerciais são mais claros nos preços administrados, que têm a inflação do ano anterior como componente da regra de correção. E nos preços de serviços, em que a inflação do ano anterior ainda é usada para correção de contratos e alguns salários.
A inflação de 2021 mais alta, somada ao câmbio mais depreciado (ver seção de setor externo acima), levaria o IPCA de 2022 a 4,1%.
... Mas a política monetária mais contracionista deverá compensar esse efeito. Projetamos agora a Selic atingindo 8,50% ao final do ciclo de alta (ver seção de política monetária). O desemprego elevado e o baixo crescimento da massa real da renda limitam a demanda por serviços em 2022.
Assim, mantemos nossa projeção de 3,7% para o IPCA de 2022.
Contribuem para a desinflação ao longo de 2022 o efeito deflacionário de bandeira tarifária em energia elétrica e altas mais moderadas nos preços de alimentos e bens industriais, que este ano acumulam crescimento perto de 10%.
Seguimos monitorando os riscos associados ao nosso cenário. Em particular, a instabilidade política e fiscal, a volatilidade no câmbio e eventual desancoragem das expectativas.
Atividade Econômica –Incerteza e juros altos reduzem crescimento em 2022 para 1,3%
A economia brasileira continua em recuperação no curto prazo. Após estabilidade no 2º trimestre, esperamos que o PIB retome o crescimento, liderado pelos serviços prestados às famílias e normalização de serviços públicos. O comércio varejista segue positivo, mas em ritmo mais moderado. A inflação elevada limita o consumo das famílias, principalmente nas classes de baixa renda.
Restrições na oferta de insumos travam o setor industrial. O problema de escassez de matérias-primas continua afetando a produção manufatureira, que está recuando este ano mesmo com a demanda por produtos industriais ainda em alta. Acreditamos que o quadro de falta de suprimentos não será revertido no curto prazo, principalmente na cadeia automobilística. Com isso, a indústria deve contribuir pouco para o desempenho do PIB neste semestre.
Por sua vez, a agropecuária deve exercer contribuição negativa no semestre, devido sobretudo às quebras nas safras de cana-de-açúcar, milho, café e laranja.
Assim, mantemos nossa projeção de crescimento de 5,3% para o PIB de 2021. Esperamos crescimento médio dessazonalizado de 0,7% no 3º e 4º trimestres deste ano. Se estivermos corretos, o carrego estatístico para o crescimento do PIB de 2022 será de 0,8%.
As perspectivas para 2022, por outro lado, seguem se deteriorando. O quadro de inflação alta e persistente levará a maior aperto da política monetária, conforme detalhado nas seções acima. Taxas de juros em terreno mais contracionista afetam as condições de financiamento e, com isso, os níveis de investimento e consumo.
Portanto, reduzimos nossa projeção de crescimento do PIB no próximo ano, de 1,7% para 1,3%. Além dos efeitos mais contracionistas da política monetária, nosso cenário já incorporava crescimento modesto da massa de renda ampliada disponível às famílias (alta ao redor de 1,5%, em termos reais), pois a recuperação gradual do nível de emprego e o aumento das transferências de renda de proteção social devem ser contrabalançados pelo fim dos pagamentos de benefícios emergenciais relacionados à Covid-19. Pelo lado positivo, destacamos as expectativas de safras agrícolas favoráveis e desempenho sólido das exportações no ano que vem, ainda que estas devam apresentar taxas de crescimento mais moderadas em comparação a 2021.
A crise hídrica é o principal risco no radar. Nosso cenário considera os efeitos da crise hídrica e aumento do custo da energia elétrica sobre os níveis de produção e consumo, mas sem racionamento propriamente dito (redução compulsória). Outros riscos são (i) uma deterioração adicional das condições políticas e fiscais, aumentando o grau de incerteza e reduzindo as condições de liquidez da economia; e (ii) uma desaceleração mais intensa da economia global, gerada pela disseminação da variante delta do coronavírus ou pela necessidade dos bancos centrais das economias desenvolvidas de reverter os estímulos monetários antes e mais rapidamente do que o esperado.
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(1) Cabe lembrarmos de que no último mês o Banco Central, por meio de revisão ordinária, divulgou novos números para o déficit em conta corrente de 2020, de US$ 24,1 bi para US$ 25,9 bi. Em 2021, o rombo entre janeiro e maio foi de US$ 9,8 bi, ante US$ 6,2 bi na série antiga.

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