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‘Furos’ no Teto de Gastos: a encruzilhada do governo à sombra do abismo fiscal

Entenda o atual dilema que tem exposto algumas divergências econômicas entre o governo e o Ministério da Economia

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Após um período breve de arrefecimento das tensões políticas no cenário doméstico e a 15 dias do envio do Orçamento anual para 2021 ao Congresso, o foco volta-se, mais uma vez, para o palco político-econômico em Brasília. Como esperado, os principais atores são a equipe do ministro Paulo Guedes e suas decisões no âmbito fiscal, com uma conturbada articulação do governo.

Mais do que a “debandada” de secretários do Ministério da Economia, o que atraiu a atenção dos mercados nesta semana foi a discussão que circunda o contexto sob o qual as saídas aconteceram: a incerteza sobre a manutenção das regras fiscais a partir do ano que vem, em especial a do Teto de Gastos.

Teto de Gastos e a sombra do abismo fiscal

Em vigência desde 2016, o Novo Regime Fiscal limita o crescimento das despesas primárias do governo à inflação. Ou seja, o total de despesas, em termos reais, é congelado. Entretanto, o regime que ficou conhecido como Teto de Gastos não impede o crescimento de despesas individuais eventualmente acima da inflação, exigindo que o total de despesas não ultrapasse o devido “teto” medido pelo IPCA (apurado de julho a junho).

Essa briga não é nova, mas ganhou contornos mais fortes durante a crise provocada pela pandemia do coronavírus, em que o governo se viu obrigado a flexibilizar parte das normas fiscais vigentes, com o Orçamento de Guerra, e a alterar a rota de sua política econômica na direção de gastos emergenciais.

Os estímulos aprovados já somam mais de R$ 500 bilhões e devem elevar a relação dívida/PIB em 20 pontos percentuais no período de um ano, com a maior fatia direcionada ao pagamento do benefício mensal de R$ 600 a informais e desempregados. O Teto de Gastos segue em vigor mesmo neste ano, com o aumento de despesas sendo incorrido por meio de créditos extraordinários – classificados como de exceção e, portanto, excluídos do teto.

A encruzilhada de Brasília

O aumento de gastos neste ano apenas reforça o contexto de restrição orçamentária para 2021, impulsionando uma batalha que já se arrastava dentro do governo sobre escolhas para políticas econômicas no pós-pandemia. De um lado, Paulo Guedes tenta conduzir o governo de volta à agenda de reformas estruturais e de sustentabilidade fiscal – que dava apenas os primeiros passos com a aprovação da reforma da Previdência no ano passado.

Do outro, alguns ministros, como o do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, veem espaço para ampliar os investimentos em infraestrutura e emplacar uma agenda de aumento de gastos para além de 2020 como motor para a retomada.

E a disposição de Bolsonaro de pender para um lado ou para o outro que ganhou visibilidade nos últimos dias.Diante dessa indefinição, Guedes fez espécie de “apelo”, em entrevista ao lado do presidente da Câmara na última terça-feira, criticando os ministros “fura-teto” e dizendo que uma eventual irresponsabilidade fiscal poderia conduzir Bolsonaro ao impeachment.

A partir daí, tivemos três passos de Bolsonaro em sentidos contraditórios. No dia seguinte à entrevista, o presidente foi às redes sociais e fez um gesto em defesa do teto ao lado de ministros e dos presidentes da Câmara e do Senado. Na quinta-feira, em sua Live semanal nas redes sociais, no entanto, admitiu a disputa e sinalizou compreensão com os “ministros finalistas”, para mais uma vez ir às redes na manhã desta sexta-feira sinalizar que  “a responsabilidade fiscal e o respeito ao teto seriam o nosso norte”.

As idas e vindas e sinais em direções contrária são marcas do presidente não só nesse caso. No início de sua relação com o Congresso, não foram poucas as vezes em que acenos aos deputados e senadores eram desfeitos por postagens críticas à velha política nas redes sociais.

No caso atual, as contradições revelam a encruzilhada em que está o presidente, que sabe que precisa de Guedes como sinal de estabilidade acerca da agenda reformista e liberal a que casou sua campanha eleitoral, mas tomou gosto pela possibilidade de governar gastando. A leitura corrente sobre os números das pesquisas de popularidade — que atribuem ao auxílio emergencial parte dos bons resultados — vem reforçar esse dilema.

De maneira imediata, o governo encontrou uma solução intermediária. Decidiu abrir crédito de R$ 5 bilhões para obras de infraestrutura neste ano — o que ainda depende da superação de interpretações legais sobre a destinação dos recursos extraordinários — mas sem alterar previsão das regras fiscais no ano que vem. O cenário de restrição torna-se muito mais rígido a partir do ano que vem, quando, em teoria, retornam à vigência normal as normas fiscais como a Regra de Ouro e a exigência do cumprimento da meta fiscal. A batalha, então, deve seguir, principalmente depois do envio do Orçamento ao Congresso no final deste mês.

Os próximos capítulos

Para o futuro, o “plano perfeito” do governo é aliar as duas frentes: retomar discussões sobre a implementação de gatilhos para redução de despesas obrigatórias (como o congelamento de salários do funcionalismo e a vedação da criação de novos cargos e novas despesas obrigatórias), o que abriria espaço para o aumento de gastos com infraestrutura e o programa de transferência de rendas, sem necessidade de alteração ou efetiva ruptura no teto.

Tal solução poderia vir a ser avaliada positivamente por agentes de mercado, que já passam a precificar cenários alternativos para o ano que vem: aquele com ruptura do teto, quebra parcial ou manutenção. Como esperado, quanto mais longe do teto, piores se tornam as perspectivas para a trajetória do câmbio, bolsa e outros ativos no mercado brasileiro.

As resistências para implementação dessas medidas, no entanto, ainda são grandes no Congresso e dependem mais de vontade política vinda de dentro do Planalto do que das contas do time econômico. Essa não é a primeira vez que Paulo Guedes precisará forçar o avanço de sua agenda frente às alas políticas. A disputa tende a se desenrolar em um caminho que não está traçado em linha reta  — assim como o desfecho, que não deve pender só para um lado ou para o outro.

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