A oferta de investimentos alternativos, em especial de créditos mais estruturados, tem crescido no Brasil. Com diferentes soluções, terminologias e veículos, existe um desafio educacional em apresentar para os investidores o funcionamento desses ativos. Muito em linha com os investimentos alternativos já apresentados no Outliers, em uma versão especial com Luiza Oswald, sócia e gestora responsável pelo núcleo de Special Situations da JGP trouxe com detalhes a temática, você pode conferir o episódio completo a seguir.
Neste relatório, em parceria com a JGP, gestora referência em investimentos de crédito no Brasil, montamos um guia para explicar como são estruturadas essas operações, características e quais são os riscos envolvidos. Confira a seguir.
Quem é a JGP?
Sendo uma das gestoras mais tradicionais da indústria de fundos brasileira, a JGP foi fundada em 1998 e atualmente conta com cerca de R$ 32,4 bilhões sob gestão. Sua história começa a partir da gestão de fundos multimercados para em seguida expandir-se para os demais núcleos. Em 2008 lança o primeiro fundo de ações em e em 2014 houve o início do núcleo responsável pela gestão de crédito. A asset destaca-se justamente por sua estrutura tão robusta.
No time de gestão de crédito, são 13 profissionais de investimentos capitaneados por Alexandre Muller, o responsável pela gestão/alocação do núcleo. Ele possui mais de 19 anos de experiência no mercado de crédito. Dentro desse núcleo, a JGP conta com os seguintes segmentos: Renda Fixa/Infraestrutura, Agro, Special Situations, Controller, ESG, Originação e Data Analytics/Índices.
Em 2018, a JGP iniciou um processo de desenvolvimento de uma base proprietária que hoje se destaca como um dos diferenciais relevantes em relação aos seus pares do mercado. Parte dessa base de dados foi aberta ao público em 2019, com o lançamento do índice IDEX-CDI que mede a rentabilidade dos ativos de crédito pós fixados.
Em 2020, a gestora formou o núcleo de Special Situations. Com intuito de auxiliar na compreensão dessa temática, Luiza Oswald, responsável pela gestão do núcleo e entrevistada do episódio #80 do Outliers, nos ajudou a montar guia explicativo a seguir:
As Situações Especiais
O que são Special Sitituations? Quando elas ocorrem?
No contexto financeiro, Special Situations é uma estratégia que vem ganhando bastante espaço no mercado por tratar de investimentos alternativos que geram retornos altamente positivos, quando as características das oportunidades são bem avaliadas e o preço pago por cada ativo reflete seus eventuais riscos.
Além do alto retorno potencial, vale destacar que esses ativos possuem características de retornos descorrelacionados com as demais classes de ativos por dependerem de fatores muito particulares para sua realização, como, por exemplo, uma decisão judicial, uma solução para um processo de reestruturação, e assim por diante.
Adicionar ativos com retornos descorrelacionados aumenta a diversificação na carteira dos investidores, melhorando o perfil de risco/retorno esperado para seu portfólio. Uma situação especial normalmente ocorre quando se tem assimetria de informações ou de avaliação sobre determinado ativo e necessidade imediata de recursos por parte do titular do ativo.
Por que a estrutura da gestora é tão importante nesses casos?
No mercado de ações e renda fixa líquido, todos os dias vemos oscilações nos preços dos ativos, refletindo suas oportunidades de retorno e de risco. Já os ativos integrantes desta estratégia normalmente são ilíquidos e não são negociados no mercado secundário, logo temos menor sensibilidade do real valor e risco do ativo.
Além dos dados das operações serem muito específicos, para calcular o risco da operação não só é necessária a analise da capacidade de pagamento do devedor, mas também todo um diagnóstico jurídico dos riscos inerentes ao ativo. Para todo retorno, há um risco ideal e vice-versa. Nesse caso a análise de quando “vale” o ativo, ou seja o quanto a gestora deveria pagar por ele, é essencial.
Para isso, importante contar com equipe de gestão com track record em análise de crédito e, especialmente, comprovada experiência em análise jurídica de litígios judiciais e arbitrais, haja vista que, na análise desse tipo de ativo, deve-se sempre prever o pior cenário – ou seja, cenário de não pagamento, insolvência, recuperação judicial, extrajudicial e falência, necessidade de recuperação de ativos na esfera judicial, reestruturação de dívidas, dentre outros. É um trabalho super artesanal.
Como analisar uma oportunidade?
A análise de uma oportunidade de special situations envolve uma série de etapas, tais como:
(i) checagem das partes envolvidas na operação, incluindo reputação, risco de imagem, risco de crédito;
(ii) análise do risco de crédito, incluindo a sustentabilidade da estrutura de capital do devedor formalização e boa constituição de suas garantias,
(iii) análise de todas as certidões das partes, incluindo certidões fiscais federais, estaduais e municipais, cíveis, trabalhistas, criminais, ambientais, dentre outras, como parte de due diligence para a compra de um ativo;
(vi) análise de capa a capa do processo judicial que deu origem ao crédito judicial, seja ele uma ação judicial ou um precatório, a fim de analisar a tese jurídica, fase processual, prazo estimado para recebimento do crédito, levando-se em conta o Juízo e Tribunal julgador, a jurisprudência formada pelos tribunais acerca da matéria do processo judicial, reputação dos magistrados;
(v) sendo o crédito um precatório, deve-se analisar o estoque de precatórios pendentes de pagamento, o histórico de pagamentos do ente público, posição na fila de pagamento, dotações orçamentárias do respectivo ente público;
Com base nos prazos estimados para recebimento e em todos os riscos apurados nas análises, parte-se para a fase de precificação do ativo, na qual, considerando todos os cenários para recebimento do crédito (melhor e pior cenários), é possível a obtenção do melhor preço a ser pago ao vendedor.
Para o fechamento de uma operação envolvendo a compra e venda de um ativo de crédito, além das etapas de análise acima indicadas e da aceitação do preço pelo vendedor, faz-se necessário que as partes fechem os termos e condições contratuais para a aquisição do ativo, formalizando a assinatura dos documentos pertinentes a assegurar a transferência da titularidade do ativo.
Quais são os de ativos considerados em Special Situations?
A classe de special situations normalmente congrega ativos de valor expressivo detidos por pessoas físicas ou jurídicas, tais como uma ação judicial contra um ente público ou privado; ou um precatório, para os quais há intenção de venda, seja para pagar uma dívida ou para viabilizar um projeto sem necessariamente tomar empréstimo bancário.
Parte dos retornos são provenientes das correções monetárias e juros de mora, e parte do deságio na hora da compra. É justamente na análise do deságio, ou do quanto o ativo “vale” que comentamos acima que atuação da gestora é tão relevante, pois um um precatório de 100 mil pode ser comprado por 80 mil ou 90 mil, por exemplo.
Qual a origem das operações em Special Situations?
Imaginemos uma situação em que uma empresa possui direito ao recebimento de uma indenização decorrente de uma ação judicial contra uma outra empresa com bom risco de crédito. Por se tratar de ação judicial em trâmite na Justiça comum, difícil definir com precisão o prazo de recebimento dos valores indenizatórios, dado que se deve considerar todos os possíveis percalços de uma ação judicial, como prazos judiciais, interposição de recursos protelatórios, julgamento de recursos em tribunais.
Muitas vezes, para o credor de uma ação judicial, mais vale antecipar o seu ativo, dado que o prazo para recebimento do crédito decorrente da ação judicial é incerto, do que tomar um empréstimo bancário a um custo alto, estando sujeito a oscilações de taxa de juros (variação do CDI, por exemplo) e tendo que viabilizar garantias pessoais (aval/fiança) ou garantias reais (bens móveis ou imóveis). A seguir explicaremos outros tipos de ativos/operações.
O que são precatórios?
Muito ouvimos falar de precatórios, mas afinal, o que são? Precatórios são ordens de pagamento expedidas em face dos Governos Federal, Estaduais e/ou Municipais, em decorrência de uma condenação judicial. Dito de outra forma, um precatório é um direito de recebimento de um valor financeiro de uma pessoa física ou jurídica cujo devedor necessariamente é um três Governos citados acima.
O advento deste mecanismo possibilitou que os Governos pudessem organizar suas finanças e realizar todas as provisões orçamentárias necessárias ao pagamento de suas dívidas no exercício fiscal subsequente. Imagine uma situação em que qualquer Governo pudesse sofrer um bloqueio de suas contas de um dia para o outro, em virtude de uma condenação judicial?
De acordo com a regra vigente da Constituição Federal, os precatórios expedidos e apresentados à Presidência do Tribunal competente até o dia 02 de abril de um determinado ano, deverão ser pagos no exercício fiscal seguinte. Esta data de corte de 02 de abril foi criada justamente para que os Governos pudessem aprovar seus orçamentos do exercício subsequente já prevendo o volume a ser desembolsado nos pagamentos dos precatórios.
A partir de Julho de 2021, o Governo Federal passou a discutir a possibilidade de alteração do regime de pagamento dos precatórios federais, uma vez que o volume de precatórios expedidos e que deveriam ser pagos no exercício de 2022 aumentou exponencialmente. Enquanto no exercício de 2021 o Governo Federal desembolsou R$ 50,2 bilhões para pagamento dos precatórios orçados, para 2022 o volume de precatórios federais chegou a R$ 89,1 bilhões. Diante desse cenário, em Dezembro de 2021, o Congresso Nacional aprovou as Emendas Constitucionais n. 113 e 114, criando um teto orçamentário anual para pagamento de precatórios federais, de modo que os precatórios que ultrapassassem o teto deveriam ser pagos até 2026, observadas as prioridades e ordem cronológica.
O que são os Pré-precatórios?
Nessa mesma linha, muitas pessoas perguntam o que seriam os “pré-precatórios”. Esta nomenclatura foi criada pelo próprio mercado de special situations, que define os “pré-precatórios” como as ações judiciais ajuizadas em face de Governos e que ainda não tiveram seus precatórios expedidos. Dito de outra forma, ações em andamento contra um dos Governos que ainda não foram julgadas.
Exemplificativamente, consideremos uma ação judicial ajuizada contra a União Federal, que está na iminência de expedição de precatório; nesta hipótese, a análise do crédito deve levar em consideração todos os percalços de uma ação judicial, como explicado acima, mas também o prazo para pagamento do precatório, quando expedido. Nesse cenário, deve-se ter em conta todos os riscos fiscais e políticos que possam afetar o pagamento dos precatórios pelos Governos.
O que são os corporate NPLs (non performing loans)?
Uma outra espécie de ativo bastante familiar no ambiente special situations são os corporate NPLs (non performing loans), os chamados créditos financeiros inadimplidos. Na sua maior parte, são devidos às instituições financeiras que concederam empréstimo ou financiamento a empresas que, por qualquer motivo, não conseguiram honrar suas dívidas.
O mercado de venda de corporate NPLs tem se desenvolvido bastante nos últimos anos, especialmente entre os bancos que, quando realizam a cessão desses créditos a fundos de investimentos especializados na sua recuperação, podem se beneficiar da reversão de prejuízo fiscal (cerca de 40%), uma vez que normalmente se tratam de valores já provisionados como perda. Isso acaba compensando os próprios deságios aplicados na venda do crédito inadimplido para fundos especializados em suas recuperações.
A venda de corporate NPLs pelos bancos também tem ajudado bastante no desenvolvimento do mercado de reestruturação de dívidas. Em meio à pandemia da COVID-19, nos deparamos com uma série de empresas passando por dificuldades financeiras e que estiveram ou ainda estão em processo de reestruturação de dívidas, pois, em razão da queda de faturamento, não conseguiram honrar suas obrigações financeiras.
A reestruturação de dívidas normalmente ocorre quando a empresa está prestes a ajuizar pedido de recuperação judicial ou a iniciar processo de recuperação extrajudicial. Nesse momento é bastante comum a entrada de fundos de investimento no processo de reestruturação, adquirindo os créditos dos bancos e alongando as dívidas e, eventualmente, concedendo financiamento à empresa em recuperação judicial.
Os fundos de special situations em geral buscam acordos com a própria devedora e com os antigos bancos credores para reperfilamento da dívida, acesso a garantias e reequilíbrio da estrutura de capital da companhia, aumentando inclusive as chances de sucesso do processo de recuperação judicial a partir da nova injeção de recursos.
Mas, afinal, por que conceder financiamento a uma empresa em recuperação judicial? Qual a segurança no pagamento dessa dívida? Bem, o risco de não recebimento do crédito sempre existe, contudo, com as recentes alterações da Lei de Falências, em 2021, o instituto do financiamento à empresa em recuperação judicial, o chamado DIP Finance, está bastante protegido pelo fato de ser tratado como crédito extraconcursal (não está sujeito ao pagamento dentro do plano de recuperação judicial) e com preferência de pagamento, em caso de convolação da recuperação judicial em falência. Em 2021, foram pelo menos 6 operações de DIP Finance, movimentando cerca de R$ 3,8 bilhões.
Quais são os riscos?
Pelo nível de complexidade de análise de ativos Special situations, imprescindível que o time de gestão e análise jurídica e financeira possuam alta capacidade técnica para avaliação dos riscos envolvidos nas operações.
No caso de uma ação judicial, importante verificar se já há definição quanto ao mérito, se há questões preliminares a serem resolvidas, como prescrição, legitimidade das partes, se foram observadas todas as formalidades processuais, evitando nulidades, e se há definição de valor incontroverso (reconhecido pelo devedor). Dependendo da matéria, deve-se analisar a possibilidade e probabilidade de anulação e rescisão de sentença.
O principal aspecto que o investidor deve sempre verificar nesse tipo de oportunidade é acerca da existência de risco binário – ou seja, risco de perda do crédito e eventual necessidade de pagamento de honorários de sucumbência à parte contrária. Isso faria com que, além da perda do valor principal investido na compra do crédito, o investidor tivesse também que desembolsar recursos para pagamento do advogado da parte vencedora.
Claramente, existe risco nas oportunidades de Special situations, notadamente quando as características do caso não são bem avaliadas e quando há erro na precificação dos ativos. Porém, há que se lembrar que os ativos judiciais contam com correção monetária e juros de mora, o que contribuem para preservação do valor principal investido.
O mercado de corporate NPLs parece mais sensível ao risco de perda do valor investido, quando não se consegue recuperar judicial ou extrajudicialmente um ativo. O exemplo clássico é o devedor que esconde o seu patrimônio. Caso não haja um trabalho minucioso na busca de bens e eficaz atuação na esfera judicial para alcançá-los, pode haver risco de perda do valor principal.
Ocorre que, quando se investe nesse tipo de ativo, muitas vezes não importa a recuperação de todos os ativos de uma carteira de créditos inadimplidos, dado que a recuperação de alguns dos ativos já seria o suficiente para garantir o retorno positivo no investimento realizado. Exemplificando: um investidor adquire uma carteira com 10 créditos corporate NPLs, cujo valor de face é de R$ 10 milhões, e paga por essa carteira R$ 1 milhão. Se ele recuperar R$ 2 milhões, ele dobrou o seu investimento, sem a necessidade de recuperar todos os créditos. Desta forma, não havendo a recuperação de todos os ativos da carteira, não há perda do investimento, haja vista os altos deságios aplicados nas carteiras corporate NPLs.
No caso da concessão de DIP Finance, torna-se importante a verificação do risco de crédito da empresa em recuperação judicial, ou seja, a sua capacidade de pagamento das dívidas concursais e extraconcursais; conhecimento e análise proprietária do setor específico de atuação da empresa em recuperação judicial e a qualidade e liquidez das garantias reais e pessoais concedidas quando da concessão do DIP Finance, em caso de não pagamento do crédito e necessidade de cobrança e execução do DIP Finance.
Como investir em Special Situations?
Os fundos geridos pela JGP Crédito que investem em ativos Special situations são preponderamente fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados – FIDCs NPs. Os FIDCs NPs são fundos próprios para aquisição de ativos de crédito de baixa liquidez, como aqueles tratados ao longo deste estudo.
O fodo da estratégia, da JGP está na aquisição de precatórios federais, estaduais e municipais, pré-precatórios, ações judiciais em geral contra entes públicos ou privados, corporate NPLs e concessão de financiamento a empresas em recuperação judicial (DIP finance).
Considerando o perfil dos ativos nos quais eles investem, ou seja, com baixa liquidez, os fundos têm prazo determinado de duração. Eles optaram por prazos de 6 anos, tempo que estimam ser suficiente para a recuperação dos investimentos realizados. O retorno mínimo esperado é de é de 25% a.a., líquido de custos do fundo.
Por serem fundos que investem em ativos complexos e com certo risco, os FIDCs NPs são fundos destinados a investidores profissionais. Contudo, a JGP Crédito e a XP estruturaram o fundo JGP Crédito Ecossistema 360 Advisory FIC FIM, destinado a investidores qualificados, que, pela sua regulamentação, pode investir até 10% do seu patrimônio líquido em cotas de FIDC NP. Esta foi uma estrutura desenhada para que os investidores não profissionais possam desfrutar dos altos retornos potenciais dos FIDCs NPs, em um fundo que oferece ainda diversificação via investimentos nas teses de alta convicção de outras verticais de crédito da gestora, como securitização e bonds corporativos no mercado internacional.