No complexo oceano do mercado financeiro, um fundo de investimento pode ser comparado a um robusto navio de carga, navegando rumo aos melhores resultados. Porém, como em qualquer viagem marítima, podem surgir tempestades inesperadas – crises de mercado – que causam instabilidade e geram inquietação entre os passageiros, nesse caso, os investidores.
Durante esses momentos de agitação, o capitão do navio – o gestor do fundo – tem a crucial responsabilidade de garantir a segurança de todos a bordo. Para isso, pode ser necessário fechar temporariamente as saídas do navio, implementando um mecanismo que é conhecido ao redor do mundo como cláusula de gating – que se trata de um fechamento para resgates nos fundos de investimentos.
Embora a legislação brasileira permita certas restrições em relação aos resgates de fundos, não existe uma clausula de gating específica como nos Estados Unidos. No Brasil, as medidas de bloqueio para resgate são conhecidas como “fechamento para resgate”, apesar do conceito similar, a clausula de gating não é prevista na legislação brasileira. Ainda assim, a CVM estabelece regras para o fechamento para resgates nos fundos de investimentos brasileiros.
Normalmente a decisão pela limitação ou fechamento de um fundo para resgates é realizada como medida emergencial de um gestor em momentos em que existe algum problema de iliquidez em um ou mais ativos da carteira e, os investidores estão solicitando, em paralelo, resgates em grandes volumes, cujo caixa não é capaz de absorver, necessitando realizar a venda forçada, com prováveis perdas, de alguns ativos.
Esta decisão, embora possa causar frustração temporária, é tomada com o objetivo de proteger o fundo e os seus investidores de maiores danos. Afinal, uma saída massiva e desordenada pode sobrecarregar o bote salva-vidas, isto é, os ativos menos líquidos do fundo. Portanto, mesmo que pareça restritiva, essa ação tem como principal intenção a segurança e a tentativa de manutenção da integridade do retorno do fundo.
Neste relatório, procuramos explicar como o fechamento de um fundo para resgate pode ser uma medida de proteção, além de destacar a importância de um bom gerenciamento de liquidez nos fundos – e na sua carteira de investimentos, bem como os malefícios do “viés da ação” em momentos de incertezas do mercado.
1. Por que os fundos fecham para resgate?
Uma “cláusula de gating”, é um dispositivo encontrado no regulamento de alguns fundos ao redor do mundo que serve para protegê-los durante períodos de maior estresse no mercado ou quando o fundo experimenta pressões significativas de resgate. Basicamente, ela determina o valor máximo a ser pago pelo fundo em relação ao patrimônio liquido.
No Brasil, apesar de não existir uma “clausula de gating”, o fechamento para resgate ocorre quando um fundo decide encerrar temporariamente a possibilidade de resgate pelos investidores. A Instrução CVM nº 555, estabelece as regras para a constituição, administração, funcionamento e divulgação de informações dos fundos de investimento. É nesse documento que são detalhadas as regras para o fechamento de fundos para resgate:
Instrução CVM nº 55 de 2014:
“Art. 39. No caso de fechamento dos mercados e/ou em casos excepcionais de iliquidez dos ativos financeiros componentes da carteira do fundo, inclusive em decorrência de pedidos de resgates incompatíveis com a liquidez existente, ou que possam implicar alteração do tratamento tributário do fundo ou do conjunto dos cotistas, em prejuízo destes últimos, o administrador pode declarar o fechamento do fundo para a realização de resgates. (…)”
A Instrução ICVM 555 também destaca que o direito ao resgate é fundamental ao cotista, e que a suspensão de resgates é uma medida excepcional, utilizada somente quando for necessária para proteger os interesses dos cotistas.
Especificamente, fechar um fundo para resgate permite que o gestor do fundo limite a quantidade de dinheiro que pode ser retirada do fundo durante um período específico. Essas cláusulas são usadas para proteger a carteira de “corrida pela liquidez” que poderia ocorrer se muitos investidores tentassem retirar seu dinheiro ao mesmo tempo.
Este tipo de dispositivo pode ser especialmente importante para fundos que investem em ativos menos líquidos, como certos tipos de títulos de crédito ou imóveis. Se um fundo tivesse que vender ativos ilíquidos rapidamente para atender a grandes solicitações de resgate, poderia ser forçado a vender com um desconto acentuado, o que poderia prejudicar a rentabilidade do fundo e de seus investidores remanescentes.
Portanto, embora o fechamento para resgates possa restringir temporariamente a capacidade de um investidor de retirar seu dinheiro, ela tem como objetivo proteger a saúde geral e o desempenho de longo prazo do fundo.
Existem também outros tipos de fechamento possíveis, porém para aplicações em fundos de investimento:
- Fechamento para novas captações (soft close): Este é um tipo de fechamento completo, por outro lado, o fundo continua permitindo aportes adicionais dos investidores já existentes caso haja capacity disponível pela gestora, mas impede que novos investidores adquiram cotas. Normalmente, isso acontece quando o gestor acredita que o tamanho do fundo está alcançando um ponto que poderia limitar sua capacidade de operar efetivamente. Nesse caso os resgates permanecem ocorrendo normalmente;
- Fechamento total (hard close): Este é um fechamento em que nem os investidores existentes nem novos investidores são autorizados a fazer novos aportes. Isso acontece quando o gestor acredita que qualquer entrada adicional de recursos prejudicaria a estratégia de investimento do fundo. Nesse caso os resgates também permanecem ocorrendo normalmente;
O que acontece depois que um fundo fecha para resgate?
No Brasil, quando um fundo de investimento fecha para resgates, a situação é tratada com seriedade e conforme as diretrizes regulatórias da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A primeira medida tomada é a notificação imediata à CVM, esclarecendo as razões para tal decisão. Dependendo do caso, a CVM pode solicitar ações adicionais.
Em seguida, os investidores são informados sobre a situação pelo gestor do fundo, que explica as razões para o fechamento e as etapas futuras. Durante esse período de fechamento, os investidores não podem retirar seus investimentos, mas mantêm o direito de acompanhar o desempenho do fundo e receber informações atualizadas.
Com o tempo, após a resolução dos problemas que causaram o fechamento inicial, o fundo é reaberto para resgates. Este processo é monitorado de perto pela CVM para garantir que seja conduzido de forma justa e transparente.
Em circunstâncias extremas, se o fundo não for capaz de superar os desafios que levaram ao fechamento inicial, ele pode ser dissolvido. Saiba mais sobre o fechamento definitivo de fundos a seguir.
Um fundo pode fechar em definitivo?
Um fundo de investimento pode fechar de forma definitiva por várias razões. Estas podem incluir baixo desempenho, falta de interesse dos investidores, mudanças nas condições de mercado, mudanças estratégicas por parte do gestor, ou problemas de conformidade ou regulamentares.
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabelece regras claras para o fechamento ou a liquidação de um fundo de investimento. De acordo com a Instrução CVM nº 555, a decisão de encerrar um fundo deve ser tomada pelo administrador ou pela assembleia geral de cotistas, dependendo da situação específica.
Em ambos os casos, a decisão de encerrar o fundo deve ser comunicada imediatamente à CVM e aos cotistas, e o fundo deve ser liquidado de maneira ordenada. Isso significa que todos os ativos do fundo devem ser vendidos e as obrigações do fundo devem ser pagas. O que restar após a venda dos ativos e o pagamento das obrigações é então distribuído entre os cotistas na proporção de suas cotas.
A liquidação de um fundo deve ser realizada de maneira justa e transparente, e em conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis. A CVM tem o poder de supervisionar o processo de liquidação e pode intervir se houver indícios de irregularidades.
Por fim, embora o fechamento de um fundo de investimento seja uma decisão extrema, existem regras claras estabelecidas para garantir que o processo seja realizado de forma justa e no melhor interesse dos cotistas.
Gerenciamento de liquidez em foco
Gerenciamento de liquidez refere-se à estratégia implementada por um fundo para garantir que possua ativos líquidos suficientes para honrar os resgates quando solicitados pelos investidores. Isso pode envolver a manutenção de uma certa porcentagem do portfólio do fundo em ativos líquidos, e/ou a diversificação dos vencimentos dos ativos para garantir que sempre haja ativos que possam ser prontamente vendidos para atender aos resgates. Calcular e gerenciar o percentual do fundo que deve ser mantido em caixa, em títulos soberanos de menor risco ou similares, levando em conta a regra de pagamento de resgate do fundo e o risco de liquidez dos demais ativos da carteira do fundo se mostra extremamente importante como medida “ex ante” da gestão de liquidez do produto, ou seja, de forma preventiva, antes de ocorrer qualquer evento de iliquidez.
Entretanto, caso haja indícios de problemas de liquidez, o fechamento do fundo para resgates pode ser uma medida “ex post”, realizada posteriormente, para gerir a liquidez do fundo depois que um potencial problema foi identificado. Portanto, enquanto o gerenciamento de liquidez é uma prática geral que todos os fundos precisam considerar no dia a dia da gestão do fundo, o fechamento para resgates é uma medida específica e pontual que pode ser usada como parte dessa estratégia de gerenciamento de liquidez.
O viés da ação na hora de resgatar
O viés da ação, que induz os investidores a “fazer algo” em resposta a eventos de mercado, pode ser prejudicial em cenários extremos porque as decisões de investimento podem ser impulsionadas mais pela emoção do que pela razão. Essa reação impulsiva pode levar a decisões precipitadas, como a venda de um ativo em baixa, potencialmente gerando perdas desnecessárias.
Além disso, o viés da ação pode alimentar movimentos de manada no mercado. Movimentos de manada ocorrem quando grandes grupos de investidores começam a seguir as ações de outros, seja comprando ou vendendo ativos, independentemente de uma avaliação objetiva das condições de mercado. Isso pode amplificar a volatilidade e a instabilidade do mercado e levar a bolhas de ativos e crashs quando o movimento de manada se inverte.
No entanto, é importante ressaltar que um alinhamento de interesses entre o gestor do fundo e o investidor pode ajudar a mitigar os riscos associados ao viés da ação e aos movimentos de manada.
Esse “alinhamento” pode ser feito de várias formas:
1. Objetivos de investimento e perfil de risco: é fundamental que os objetivos de investimento e o perfil de risco do fundo estejam alinhados com os do cotista. Isso significa que o fundo deve empregar uma estratégia de investimento que esteja de acordo com as metas financeiras, horizonte de tempo e tolerância ao risco do cotista.
2. Interesses financeiros: os gestores de fundos geralmente investem uma parte significativa de seu próprio dinheiro no fundo que gerenciam. Isso cria um forte alinhamento de interesses, pois qualquer perda que o fundo sofra também afetará diretamente a riqueza pessoal do gestor. Isso incentiva os gestores a tomar decisões cuidadosas e ponderadas que beneficiem todos os cotistas.
3. Transparência e comunicação: o fundo deve comunicar claramente suas políticas, estratégias de investimento e desempenho aos cotistas. Isso inclui explicar os riscos associados ao investimento e como o fundo planeja gerenciá-los. A transparência na comunicação ajuda a criar confiança e alinha as expectativas do cotista com a realidade do fundo.
4. Taxas e custos: as estruturas de taxas e custos dos fundos também são um importante mecanismo de alinhamento de interesses. Algumas estruturas de taxas são projetadas para alinhar os interesses dos gestores com os dos cotistas, como as taxas de desempenho, que recompensam os gestores por um desempenho superior.
É importante lembrar que o alinhamento efetivo requer um entendimento claro por parte do cotista sobre os objetivos e estratégias do fundo, bem como um gestor que esteja comprometido em agir no melhor interesse dos cotistas.
Por fim, ao escolher investir em um fundo, é crucial que o investidor considere seu próprio horizonte de investimento. Se um investidor tiver um horizonte de investimento de longo prazo, ele poderá ser mais resistente às oscilações de curto prazo e menos propenso a tomar decisões impulsionadas pelo viés da ação. Isso pode melhorar os resultados de investimento a longo prazo e promover uma maior estabilidade no mercado como um todo.