Nos dias 8, 9 e 10 de novembro, ocorreu a primeira Semana de Criptomoedas XP, que abordou desde os pontos iniciais sobre criptoativos, o que são e como investir, desde a comercialização de NFTs, em seis painéis. Entre os temas principais deste evento, um dos destaques foi a parte regulatória do mercado de criptos no Brasil, que ainda é alvo de muitas discussões entre especialistas.
Apesar de muitos ativos terem surgido por aqui, inclusive colocando o Brasil como um dos destaques no mundo, uma regulamentação clara para o universo dos criptoativos é mais do que necessária, segundo alguns dos nomes que participaram de um debate no evento.
Juliana Sato, advogada especializada em blockchain, DLT e criptoativos, Rodrigo Borges, CEO da PDA Swiss AG, Antonio Marcos Fonte Guimarães, chefe de subunidade no Departamento de Regulação do Sistema Financeiro no Banco Central, e Paula Sampaio, especialista em Inovação da XP, abordaram as perspectivas de regulamentação para as moedas digitais e a importância do assunto para a discussão do desenvolvimento desse mercado tão inovador
O mercado cripto já é regulamentado?
Quando um assunto relacionado a criptoativos surge, não demora muito para a conversa chegar na questão regulatória. Por ser um mercado tão novo e disruptivo no meio financeiro, o universo das moedas digitais ainda se depara com diversas discussões sobre como deve ser o seu funcionamento, considerando o alto interesse do público e dos riscos de mercado devido à alta volatilidade desses ativos, em comparação a mercados mais tradicionais.
De acordo com a advogada Juliana Sato, “a regulamentação vem sendo construída conforme os avanços desse próprio mercado”. Para ela, vivemos um momento de expansão sobre essas discussões. Contudo, algumas regulamentações já existem para garantir que haja o acompanhamento, por parte da Receita Federal, sobre os temas. “Desde 2019, a Receita Federal vem com a instrução normativa 1888”, conta Juliana sobre um dos primeiros movimentos regulatório para as criptomoedas no Brasil.
A reação do órgão tributário veio com o rali do Bitcoin em 2017, quando o criptoativo mais famoso do mercado subiu de 2 mil para 10 mil dólares. As pessoas que investiram no Bitcoin auferiram, então, um grande ganho, muitos tornando-se, inclusive, milionários rapidamente, de acordo com Juliana. Por isso, houve a necessidade de um entendimento por parte da Receita Federal . “Todas as operações de transação passaram a ser informadas [na declaração de imposto de renda]”, segundo a advogada.
Em 2021, a Receita trouxe uma inovação: a criação de códigos específicos de criptomoedas dentro da declaração de bens. De acordo com esse regramento, quem tem acima de 5 mil reais em criptoativos deve declarar à Receita Federal, com:
- código especifico para bitcoin;
- código especifico para stablecoin;
- código específico para token de utilidade.
Isso, de acordo com a advogada, tratou-se de “legitimação do nosso órgão arrecadador em abraçar a questão de tributação desses ativos”. Além disso, complementa Juliana, “toda vez que você tiver um ganho de capital a partir de 35 mil reais, vai incidir a regra de tributação de ganho de capital de acordo com as alíquotas progressivas já existentes”. Lembrando que esse caso só acontece quando ocorre a venda do criptoativo com lucros.
Entretanto, apesar de alguns regramentos já acompanharem as principais operações, a especialista entende que a regulação ainda está em construção: “A gente ainda não pode dizer que é um mercado totalmente regulado, a gente ainda vem construindo esse panorama”.
Para Marcos Guimarães, do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro no Banco Central, o fato de ainda não haver uma lei aprovada para regular criptoativos, “não significa que os órgãos estejam inertes ao comportamento desse mercado”, afirma. De acordo com o membro do governo, há, por parte do Banco Central, “competência para regular o grau de exposição de instituições financeiras a ativos virtuais.”
Quais são os principais órgãos regulatórios do universo cripto?
Os principais órgãos de regulação em âmbito internacional são, de acordo com os especialistas, o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB), o Banco das Compensações Internacionais (BIS) e o próprio Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI). Em outros países, o avanço na parte regulatória do mercado de criptomoedas é notório.
Rodrigo Borges explica a importância, por exemplo, do FSB elencando as principais atribuições do órgão: “Parâmetros de estabilidade financeira; proteção ao consumidor e ao investidor; prevenir evasão de capitais; uso inadequado de ativos fora do arcabouço legal; prevenção da lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo”, enumera Guimarães.
Já o BIS foca em “iniciativas que visam prevenção e tratamento prudencial para as instituições financeiras reguladas que, eventualmente, venham a se expor a esse tipo de ativo.”
Em comparação à atuação desses órgãos internacionais, por enquanto, não há demanda suficiente para que se chegue a um patamar de alta regulação no curto prazo, segundo o especialista. “Hoje, no Brasil, não há uma exposição no mercado financeiro a ponto de causar um risco sistêmico”, conta.
Por parte do BIS, há, ao contrário do que há na regulação brasileira, uma frente que busca a separação do que é um ativo puramente virtual, como criptos, uma tokenização de um ativo regulado e também um tratamento diverso para as chamadas stablecoins (criptomoedas pareadas em algum ativo estável ou cesta de ativos).
Um ponto de discussão em relação ao GAFI é, de acordo com Marcos Guimarães, a “Recomendação 15, que estabelece alguns parâmetros para os países membros para regulamentar instituições que exercem um serviço de gestão de ativos virtuais em nome de terceiros: as corretoras. Pelo nome estabelecido pelo GAFI, seriam as VASP (Virtual assets service providers).”
Ainda que não haja competência legal para regulamentação direta de criptos, é possível realizar um acompanhamento regulatório através dessas vias.
Para Rodrigo Borges, o sistema de regulamentação realizado na Suíça, considerado um dos países mais entusiastas das criptomoedas do mundo, foi marcado por ser “agnóstico em relação à tecnologia”.
Assim sendo, todas as iniciativas eram guiadas com apresentação de projeto, com um nível de licenciamento faseado, sem uma legislação específica. No ano passado, contudo, houve aprovação de uma legislação na Suíça que discorre sobre os organismos que podem lidar com os ativos digitais. Segundo Rodrigo, uma das maiores vantagens dessa regulação foi a ausência de entraves para que haja a negociação de ativos digitais, com muita flexibilidade que impulsiona toda a comunidade europeia.
Outra iniciativa presente na Suíça é a possibilidade, em certas instituições financeiras, de depositar, em uma mesma conta, moedas reais e virtuais, o que o especialista torce que possa ser presente no Brasil em breve.
Qual é o futuro da regulação de cripto no Brasil?
“Uma boa regulamentação é aquela que você não impede a inovação”, diz Juliana Sato sobre a possibilidade e os cuidados que a legislação brasileira deve ter em meio ao desenvolvimento das regras.
Borges concorda, enfatizando que, por se tratar de uma tecnologia que ainda deve ser compreendida, é necessário que não haja um cerceamento do que pode se tornar e as possibilidades presentes na criptoeconomia.
Para Marcos Guimarães, contudo, é necessário ter controle das “falhas de mercado” para garantir que a inovação siga e prover segurança jurídica para que algumas atividades financeiras possam existir. “A intervenção regulatória tem como objetivo que o lado podre do mercado, que pode existir, não contamine o lado bom, que é maioria.”, opina o membro do Banco Central.
Em relação a fraudes, Rodrigo Borges entende que hoje em dia há maiores recursos para limitação, justamente por recursos próprios dos criptoativos. Segundo ele, o próprio mercado tem a possibilidade de criar mecanismos de defesa.
A primeira tentativa de regulamentação de criptos no Brasil foi em 2015, em um projeto de lei que demonstrava severo desconhecimento de criptoativos equiparando-os até a programas de milhagens, conforme explica Juliana Sato.
Em 2018, novas tentativas de emendas a esse projeto de lei demonstravam maior domínio do tema, porém não houve sucesso.
Atualmente, existe um novo projeto, somado aos textos anteriores, com maior maturidade e entendimento em relação ao que se trata as tecnologias desse mercado. Porém, “ainda vai demandar novas complementações à lei que ainda será apresentada”, segundo a advogada, que prevê essas mudanças até o segundo semestre de 2022.
Para Marcos, além de regulamentar o que é um ativo virtual, é importante que a legislação esclareça o que não é um ativo virtual. Segundo ele, “a definição conceitual precisa de ativos virtuais traz segurança jurídica”. Ele cita, como exemplo, a diferença entre a tokenização e a emissão/negociação de Ativos Virtuais.
O Brasil na vanguarda de ativos, mas há muito o que avançar na parte regulatória
Sobre as alternativas para que se possa investir em criptos, Rodrigo Borges esclarece que existem fundos de investimento e ETFs. Segundo o especialista, o Brasil está na vanguarda de fundos, tendo o maior número desses tipos de ativos no mundo. “No mercado regulado, não existe um Ticker direto de Bitcoin (BTC)”, conta.
Entre os cuidados que devem ser tomados, no entanto, Borges é categórico: “não confie, verifique”. Marcos concorda e acrescenta que “não confie, não no sentido de que você está lidando com algo ilícito” mas, sim, esclarecendo que se trata de um ativo diferente dos convencionais e que ainda demanda mais regulação.
Juliana Sato finaliza o debate, reforçando que é necessário pesquisar e estudar para realizar bons investimentos, sobretudo no mercado de criptomoedas.
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