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Restrição hídrica é risco para inflação. Mas é baixo o risco de racionamento

O baixo volume de chuvas entre Setembro/20 e Abril/21 levou o nível dos reservatórios das hidrelétricos brasileiras a patamares próximos aos de 2001 e 2014, os piores anos da história recente. Esta realidade, que deve persistir nos próximos meses, pressiona preços da energia elétrica e reacende a preocupação sobre a capacidade de abastecimento no país. De toda forma, o risco de racionamento ainda não é grande. Leia o relatório e saiba por que

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Baixo nível de reservatórios

Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a média de energia armazenada nos reservatórios de hidrelétricas do país chegou ao final de abril com o armazenamento mais baixo para o mês desde 2015. Os níveis se aproximaram daqueles registrados em 2014, ano de racionamento de consumo de água, e 2001, ano do “apagão’ (Gráfico).

Essa situação é resultado de fatores conjunturais e estruturais. As chuvas entre setembro do ano passado e abril deste ano ficaram muito abaixo da média prevista para o período, revelando-se a pior afluência dos últimos 91 anos, devido à influência do fenômeno La Niña que teve início em julho de 2021 e deve estar próximo do fim agora em maio.

Para além do fator conjuntural,  aparentemente estamos vivendo um novo regime de chuvas no país. A média mensal dos reservatórios recuou de 70% entre 2001 e 2011 para cerca de 35% desde 2014 (gráfico). Na época do racionamento de 2014, algumas teses foram levantadas sugerindo esta mudança estrutural, ligada a fatores ambientais. Mas não houve consenso científico sobre isso.

De toda forma, se esse novo regime persistir, pode ser um limitador ao crescimento potencial do Brasil, dada sua (ainda)  grande dependência de energia hídrica (mais detalhes à frente).

Próximos meses ainda serão difíceis, preços devem subir…

A tendência é de piora dos reservatórios nos próximos meses. O fim de abril marca o fim do período úmido no Sudeste e Centro-Oeste. Sazonalmente, já se espera que o armazenamento de águas se reduza entre maio e outubro. Este ano não deve ser diferente.

Neste cenário, o preço de energia deve ficar mais alto este ano, pois força o país a acionar usinas termelétricas para complementar a geração elétrica. O repasse desse custo acontece através das bandeiras tarifárias. Desde maio, a bandeira está em patamar “vermelha 1”, e projetamos que avance a “vermelha 2” a partir de junho. Isto significa um acréscimo de R$ 6,243 a cada 100 kWh consumidos.

As condições hidrológicas desfavoráveis ao longo de quase todo ano devem levar o ONS a manter este patamar até outubro. Em compensação, como as condições climáticas devem migrar de “La Niña” para “neutro” no segundo semestre (gráfico), aumenta a probabilidade das chuvas voltarem a um bom ritmo no fim do ano.

Assim, esperamos redução para “vermelha 1” em novembro e “amarela” em dezembro, ou seja, queda do custo adicional na conta de luz dos R$ 6,243 no pior momento, para R$ 1,343 com o acionamento da bandeira amarela.

… mas nos parece, por  ora, baixo o risco de racionamento o escassez de água ou energia.

Apesar da dinâmica difícil ao longo do ano, não enxergamos, por ora, risco de escassez e racionamento de água (como ocorreu em 2014) ou energia (como em 2001). A elevação do custo tende, mesmo que em magnitude pequena – trabalho acadêmico [1] estima elasticidade preço da demanda perto de -0,20 –, a controlar a demanda, reduzindo a pressão sobre os reservatórios. Além disso, o país tem um sistema mais robusto que em 2001, ano do “apagão”. No gráfico abaixo podemos ver a composição da matriz elétrica brasileira, que ainda tem como principal fonte a energia hidráulica, mas térmicas e eólicas ganharam bom espaço na última década, sem diminuir a oferta das demais.

Desde 2001, o sistema ficou também muito mais interligado, com a criação do Sistema Interligado Nacional (SIN). Para evitar a restrição de oferta, é possível substituir a fonte energética acionando termelétrica, ou importar energia da Argentina ou Uruguai sem limitação de quantidade e preços. O gráfico a seguir ilustra o crescimento das linhas de transmissão no país.

Além disso, o país passou por um reforço do lado da oferta. Segundo a ANEEL houve um aumento de 233% na potência instalada de 2001 a 2020. Vale mencionar, embora a potencia instalada tenha aumentado, a geração física não sobe na mesma magnitude, uma vez que pode ter havido uma mudança estrutural no regime de chuvas, que impacta produção máxima prevista das hidrelétricas, por exemplo. De toda foram, ainda é uma alta muito relevante e ainda que caísse pela metade, daria conta do aumento da carga despachada (que mostraremos à frente).

Outro fator que deve ser levado em consideração no balanço de riscos do racionamento é a demanda agregada por energia elétrica. Com a retomada da economia, é natural um aumento da demanda. Mas os níveis ainda nos parecem moderados, mesmo com o crescimento relativamente forte da economia desde meados no ano passado.

A carga verificada encerrou março em 72.835 megawatts (MW) médios, alta de 6% em relação ao mesmo mês no ano anterior, de acordo com os dados do monitoramento do SIN.  Foi o nono mês consecutivo de aumento do consumo de energia após a redução na demanda causada no período mais crítico da pandemia de Covid-19.

Com isso, a demanda retornou para sua tendência de crescimento pré pandemia. Esta, no entanto, é claramente menor do que a tendência observada antes da recessão de 2014 (gráfico abaixo). É difícil dizer se o consumo pós-2014 é causada pelo crescimento baixo do PIB, e, portanto, sugere folga na oferta de energia; ou se a mudança nos regimes de chuva apontados acima limitam o consumo de energia (e ajudam a explicar o crescimento baixo do PIB nos últimos anos).

De toda forma, os níveis atuais de demanda de energia, por ora, não parecem acima dos patamares recentes, o que poderia sugerir um estrangulamento de oferta iminente.

Entendemos, portanto, que a crise hídrica atual é claramente um risco para a inflação, mas não para a atividade econômica de curto prazo.

Referências

[1]

Fabiano da Costa Dantas, Edward Martins Costa e Jorge Luiz Mariano da Silva. Elasticidade preço e renda da demando por energia elétrica nas regiões brasileiras: uma abordagem através de painel dinâmico. Revista de Economia, v. 43, n. 3 (ano 40), set./dez. 2016

Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, Marcos A. M. Lima. A demanda por energia elétrica no Brasil. Rev. Bras. Econ. vol.58 no.1 Rio de Janeiro Jan./Mar. 2004

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