Confusão. Esta é a palavra para descrever o efeito causado no Congresso pela votação no Senado que derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro ao aumento de salários de servidores públicos em 2021. O episódio se deu na sequência da desconfiança generalizada, da semana passada, sobre a higidez da relação de Paulo Guedes com o presidente. Com isso, Bolsonaro foi a público depois da votação do Senado dizer que, com um rombo fiscal da ordem de R$ 120 bilhões, não seria possível governar. Dos acontecimentos da última semana é possível extrair uma série de mensagens, mas a principal delas diz respeito ao tamanho do desafio do governo na articulação política no Senado e à hesitação do governo em atuar com firmeza contra as pautas ligadas do funcionalismo público.
Tamanha era a incerteza sobre o cenário político fez a votação na Câmara, que seria na sequência do resultado no Senado, ser adiada para evitar uma derrota definitiva e o presidente Rodrigo Maia foi acionado para colocar a mão na massa da articulação. Mais uma vez, o demista reforçou o próprio papel de protagonista do avanço da agenda econômica e deixou ainda mais cristalina a dependência que o governo tem dele nessa área. Depois de o Senado votar para derrubar o veto de Jair Bolsonaro na quarta-feira, a Câmara manteve ontem, por 316 a 165, a decisão do Planalto de barrar a possibilidade de reajustes a servidores públicos até o fim de 2021
Outro ponto importante para o xadrez das futuras votações de interesse do governo (reforma tributária, Renda Brasil e Pacto Federativo), foi a efetividade do trabalho do deputado Ricardo Barros (PP-PR) estreando como líder do governo na Câmara. Depois do sucesso no “teste de fogo”, Barros reconheceu que os partidos que são base do governo nem sempre se aliam à orientação, principalmente em pautas que entendem ser do presidente e não da gestão. O trabalho de Barros marca o retorno às planilhas de votos, ao acompanhamento um a um dos parlamentares, o que era prática comum na era Bolsonaro.
Mais uma prova da efetividade do trabalho de articulação foi o mapa de votação da Câmara. Tanto partidos mais próximos do governo quanto os mais ligados a Rodrigo Maia registraram poucas traições, no limite de 15%. Destaque para a fidelidade de MDB (0% de infidelidade), Republicanos (3%) e Progressistas (5%). Um quarto da bancada do PSL votou contra o Planalto. A liberação de emendas parlamentares, vale lembrar, só aumenta em patamar bem acima dos últimos 3 anos. No entanto, esse mecanismo não parece ser suficiente. Líderes aliados do governo admitiam que, se a votação tivesse sido adiada de quarta para quinta, o veto seria derrubado em um “rolo compressor”.
Um subproduto dos acontecimentos da última semana é mais um descontentamento de deputados com senadores para a lista. Na Câmara há certeza de que a mensagem passada ao eleitor foi a seguinte: “o senador do meu estado votou pra derrubar. Ele é o bonzinho. Vai o deputado e vota contra o aumento e todas as corporações vão pintar como o grande malvado”. Ou seja, a Câmara anotou no caderninho mais uma vez em que o Senado distribuiu bondades, enquanto os deputados precisaram consertar o estrago. O sinal é péssimo, como disse o ministro Paulo Guedes ao longo da semana. Se as corporações continuarem com tanta força na comparação com o governo, votar gatilhos para o teto de gastos será um desafio bastante duro.
Houve negociação para manutenção do veto que envolveu a possibilidade de usar recursos do Fundeb (que vai a voto no Senado na próxima semana) para o pagamento de aposentadorias, mas há resistências. O governo promete para a semana que vem também o envio ao Congresso do “novo Pró-Brasil”, agora sob comando de Paulo Guedes e que vai incorporar a agenda da equipe econômica: Renda Brasil, da carteira verde-amarela, dos novos marcos legais e das ações para cortes de gastos.
Dia do fico
Parte dos pontos mencionados, inclusive, já está prevista no relatório que o Senado prepara para a PEC do Pacto Federativo. A seguir essa linha, será necessário cuidado da equipe econômica para não desfazer a articulação que já estava em curso. Bolsonaro também deve anunciar essa semana a prorrogação do auxílio emergencial. A expectativa é de que seja até dezembro, no valor de 300 reais. Mas será proposto por MP, então é preciso ver se o Congresso vai alterar.
Voltando para o início da semana, antes da emergência criada pela derrota do governo no Senado, governo e Ministério da Economia lidavam ainda com consequências dos ruídos da semana anterior em torno dos rumos da política econômica do governo. O novo capítulo apaziguador ocorreu após reunião entre Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Numa espécie de dia do fico, o presidente disse que a saída do ministro da Economia “nunca foi cogitada” e Guedes, por sua vez, afirmou que existe confiança mútua entre os dois.
As falas afastaram o temor do mercado de que Guedes não estaria de saída imediata, mas não encerram as disputas no governo entre as alas fiscalista e desenvolvimentista. Ainda falta resolver como viabilizar os R$ 5 bilhões para infraestrutura – o que o próprio Guedes admite ser uma decisão de Bolsonaro – e como solucionar o aperto do orçamento de 2021. O que moveu as tensões até agora foi a disputa por esses recursos. Enquanto ela não estiver solucionada, as oscilações na relação Guedes/Bolsonaro também existirão.
Bolsonaro em alta
A rodada de agosto da pesquisa XP/Ipespe divulgada na última semana confirma movimento de retomada na popularidade de Jair Bolsonaro identificada no levantamento de julho e registra os maiores níveis de aprovação ao presidente desde março de 2019. O grupo que considera o governo ótimo ou bom saltou de 30% para 37%, enquanto os que veem o governo como ruim ou péssimo caíram de 45% para 37%, o menor índice desde agosto de 2019.
O movimento positivo para Bolsonaro é seguido por outros indicadores, como a expectativa positiva para o restante do mandato (crescimento de 33% para 37%, enquanto a negativa teve queda de 43% para 36%) e a percepção de que a economia está no caminho certo (alta de 33% para 38%, enquanto os que a veem no caminho errado caíram de 52% para 46%).
Foram realizadas 1.000 entrevistas de amostragem nacional nos dias 13, 14 e 15 de agosto. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais.
Toda a melhora na avaliação do governo vem dos estratos da população com renda familiar mensal de até 5 salários mínimos, população que concentra os que requisitaram o auxílio emergencial, benefício de R$ 600 pago pelo governo durante a pandemia. Entre os mais pobres, com renda de até 2 salários mínimos, a aprovação foi de 28% para 34% e entre os que têm renda de 2 a 5 salários mínimos, de 32% para 44%.
A pesquisa registra também amplo apoio à continuidade do pagamento do benefício de R$ 600 (70% da população favorável), inclusive entre os que não têm acesso ao auxílio (nesse grupo, são 64% os favoráveis à prorrogação no mesmo valor).
Em relação ao coronavírus, o levantamento mostra melhora na sensação da população. Cresceu a parcela que considera que o pior já passou (39% para 52%) e caiu o número dos que dizem estar com muito medo do surto (38% para 33%.
Nova CPMF
As perguntas relacionadas à reforma tributária na rodada de agosto da pesquisa XP/Ipespe mostram que apenas 10% dos brasileiros se dizem bem informados sobre o tema em discussão no Congresso Nacional, enquanto 61% se dizem mais ou menos ou pouco informados e 26% dizem que não estão informados sobre o assunto.
O levamento mostra que a rejeição à criação de um imposto sobre transações, da qual 78% dizem discordar, cai consideravelmente se ela for atrelada à criação de um programa para substituir o Bolsa Família e beneficiar mais pessoas (43% discordam e 43% concordam) ou à substituição de impostos pagos por empresas para facilitar novas contratações (37% discordam e 46% concordam).
Ainda no mesmo tema, 59% das pessoas dizem não lembrar de como era cobrada a antiga CPMF. Entre os mais jovens, que tem entre 18 e 34 anos, a proporção é ainda maior. 78% não se lembram de como era a cobrança.
A pesquisa registra ainda que a maior fatia dos entrevistados (41%) vê a elevada carga de impostos como o principal problemas do sistema tributário brasileiro. Ela é seguida pela falta de transparência (28%), pela injustiça do sistema (14%) e pela complexidade (6%).
Foram realizadas 1.000 entrevistas de amostragem nacional nos dias 13, 14 e 15 de agosto. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais.
Supremo fazendário
O último mês da gestão do ministro Dias Toffoli na presidência do Supremo vai ficar marcado pelo julgamento de causas importantes a favor do governo e que evitaram prejuízos históricos para os cofres públicos. A maioria dos ministros manteve a obrigação de que usinas sucroalcooleiras comprovem que tiveram prejuízo com o tabelamento dos preços dos produtos entre 1980 e 1990 para ter direito a pedir indenização ao governo. O julgamento definitivo da Corte vale para todos os demais processos nas instâncias inferiores e evita um prejuízo calculado em R$ 72 bilhões que seriam cobrados em indenizações.
Na mesma semana, os ministros do Supremo decidiram que é regular o pagamento do adicional de 10% ao FGTS em casos de demissões sem justa causa. O julgamento foi feito na modalidade virtual e venceu a tese de Alexandre de Moraes pela validade do recolhimento, porque o motivo de sua criação ainda existe: a preservação do direito social do trabalhador. A decisão evitou que fosse criado um passivo mais de R$ 36 bilhões para os cofres da União, segundo dados da PGFN.
Como alerta nessa área ficam as incertezas criadas por uma nova licença médica do ministro Celso de Mello, que fez cirurgia durante a semana e passa bem. Dependem dele casos importantes para o governo e para cenário político, como o inquérito em que Bolsonaro é acusado de interferir na Polícia Federal para proteger familiares e amigos e o pedido de suspeição de Sergio Moro, que podem culminar na anulação da condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá. O julgamento na ausência de Mello pode beneficiar o petista.
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