O Congresso americano não chegou em um acordo sobre o orçamento para o ano fiscal de 2026 até o dia 30 de setembro, desencadeando um shutdown, paralização de gastos discricionários e de uma série de serviços governamentais. Entenda as questões que envolvem o shutdown desse ano, como isso acontece, qual o histórico desses eventos e os potenciais impactos para o mercado.

O dilema atual
À meia noite de 1º de outubro de 2025, entramos oficialmente em um shutdown total do governo americano, o primeiro desde 2013, sem uma saída à vista. O Congresso americano enfrenta um impasse que tem gastos de saúde como pivô: democratas pressionam pela extensão de subsídios para o programa conhecido como Medicaid, que expiram no fim do ano devido à aprovação da One Big Beautiful Bill Act (OBBBA) em julho.
O pacote fiscal incluía uma série de cortes de gastos, como medida para compensar a o custo da renovação e ampliação do pacote de isenções tributárias de Trump de 2017. O corte mais expressivo recaiu sobre o Medicaid, cujos critérios para elegibilidade foram endurecidos, o que, estimativas do CBO apontam, deixaria cerca de 7 milhões de americanos sem cobertura de plano de saúde. Para compensar todos os cortes de tributos, a OBBBA também prevê receita oriunda da arrecadação das tarifas, e considera o nível pós-Liberation Day.
O shutdown de 2025 é excepcional pois ocorre em um contexto de um presidente republicano e maioria do partido na Câmara e no Senado. Mesmo com a dominância em ambas as casas, o shutdown não pode ser evitado após a perda de votações cruciais no Senado, no qual o partido do governo precisava de pelo menos 7 votos democratas para atingir o mínimo de 60 para a aprovação de um stopgap, ou prorrogação do prazo para a decisão de orçamento.

Líderes democratas declararam que não irão ceder às pressões, e votarão por um orçamento que contemple a extensão dos subsídios de saúde. A estratégia de enfrentamento adotada pelo partido de oposição é arriscada, uma vez que a paralização dos serviços públicos implica na interrupção do pagamento de salários para servidores, apagão de dados (inclusive indicadores econômicos importantes, como payroll, CPI e PIB), pausa em serviços como emissão de passaportes, fiscalização sanitária e visitas a museus e parques federais. Caso o shutdown perdure, o PIB pode ser impactado negativamente, e a disrupção em serviços cotidianos pode gerar piora na opinião pública sobre o partido Democrata.
Apesar de declarações públicas apoiando uma resolução rápida do impasse, o governo Trump sinalizou que pretende usar o shutdown como oportunidade para realizar demissões de funcionários federais. No contexto que está dado, a paralização deve perdurar por alguns dias considerando a agenda do Congresso. A aprovação de um stopgap também não resolveria o orçamento de forma definitiva, o que deixaria a porta aberta para outro shutdown adiante, diante da falta de acordo.
O potencial impacto no PIB, a visibilidade reduzida da autoridade monetária diante da interrupção da coleta e divulgação de dados cruciais e a possível pressão sobre a trajetória fiscal associados ao shutdown podem afetar o comportamento dos mercados.
Efeitos esperados do shutdown para os mercados
Entre 2018 e 2019, ocorreu o shutdown mais longo da história dos Estados Unidos, com duração de 34 dias (contra uma média de 8). A paralisação foi precedida por uma outra, de apenas dois dias, que foi adiada por meio de uma lei stopgap. Diferentemente do caso atual, o impasse era relacionado à imigração e quem travava a aprovação da lei eram os Democratas.

Como resultado, cerca de 800 mil funcionários federais foram afetados, muitos sendo colocados em licença não remunerada ou com paralisação salarial. Serviços governamentais não essenciais foram interrompidos ou operaram com capacidade limitada, afetando áreas como segurança aeroportuária, parques nacionais e tribunais federais.
O impasse durou várias semanas, com negociações sendo realizadas entre o governo e o Congresso para chegar a um acordo. Finalmente, em 25 de janeiro de 2019, uma solução temporária foi alcançada para reabrir o governo por três semanas, sem fornecer financiamento para o muro. Durante esse período, as negociações continuaram e um novo acordo foi alcançado para financiar o governo até setembro de 2019, sem incluir o financiamento para o muro que Trump, presidente na época, queria construir na fronteira com o México.
O impacto na economia, na vida cotidiana e nos rumos das discussões políticas foi significativo. Já para os mercados, o shutdown mais longo também foi precedido de maior estresse no mercado de ações. Por outro lado, apesar de termos passado por momentos de alta volatilidade durante o anúncio do pacote de tarifas de Trump em seu segundo governo, agora estamos vivenciando mais um período positivo do S&P 500, inclusive nos últimos dias que antecederam o shutdown de 2025.
Na média, observamos que não há uma tendência clara para o S&P 500 após o início de um shutdown, o que pode ser considerado positivo por aqueles que temem um desempenho estressado dos mercados.

Para mercados de juros, vemos efeitos similares, com a Treasury de 10 anos não parecendo variar substancialmente na média por conta dos shutdowns. Porém, podemos especular que a parcela da amostra que apresenta movimento de alta precedendo o início de um shutdown está associada ao período de incerteza fiscal, podendo incorrer em uma piora da trajetória da dívida e alta da ponta longa da curva de juros, como foi o caso nos últimos 10 dias.

Já o dólar, medido pelo DXY (índice do dólar contra cesta de moedas de países desenvolvidos), mostra alguma queda após o início do período de shutdown, provavelmente relacionada ao aumento das incertezas políticas nos Estados Unidos. No caso de 2025, vemos uma apreciação da moeda nos dias que precederam o início do shutdown, mas se e olharmos em uma janela mais ampla, o movimento se mostra de relevante depreciação, beirando o estrutural, principalmente devido à duras políticas comerciais capitaneada pelo presidente americano.

Mas afinal, o que é o shutdown?
O shutdown é uma paralisação do governo que ocorre caso o orçamento para o ano fiscal seguinte não seja aprovado até 30 de setembro. O orçamento consiste no serviço da dívida pública, em uma parcela de gastos obrigatórios, que inclui seguridade social e Medicare, e uma parcela de gastos discricionários, dividida em 12 pautas, conhecidas como as 12 leis de apropriação, que precisam ser aprovadas pela Câmara e pelo Senado.
A cada ano, o Congresso deve aprovar 12 leis para garantir o financiamento de departamentos, agências e programas do governo federal. Essas leis podem ser aprovadas individualmente ou agrupadas em uma grande legislação conhecida como “lei omnibus”. As leis consistem em:
- Agricultura, Desenvolvimento Rural, Administração de Alimentos e Medicamentos e Agências Relacionadas: Supervisiona o financiamento do USDA (exceto o Serviço Florestal) e outras agências.
- Comércio, Justiça, Ciência e Agências Relacionadas: Supervisiona o financiamento do Departamento de Comércio, do Departamento de Justiça, da NASA e de outras agências.
- Defesa: Supervisiona o financiamento para as forças armadas, a comunidade de inteligência e outras agências relacionadas à defesa nacional.
- Energia e Desenvolvimento Hídrico: Supervisiona o financiamento para o Departamento de Energia, o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA e outras agências.
- Serviços Financeiros e Governo Geral: Supervisiona o financiamento para o Departamento do Tesouro, o Escritório Executivo do Presidente e outras funções governamentais.
- Segurança Interna: Supervisiona o financiamento para o Departamento de Segurança Interna.
- Interior, Meio Ambiente e Agências Relacionadas: Supervisiona o financiamento para o Departamento do Interior, a EPA, o Serviço Florestal dos EUA e várias agências independentes.
- Trabalho, Saúde e Serviços Humanos, Educação e Agências Relacionadas: Supervisiona o financiamento para o Departamento de Educação, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, o Departamento do Trabalho e outras agências.
- Poder Legislativo: Supervisiona o financiamento para a Câmara dos Representantes (o Poder Legislativo do Senado supervisiona o financiamento para o Senado dos EUA), o Capitólio dos EUA, a Biblioteca do Congresso e outras funções do poder legislativo.
- Construção Militar, Assuntos de Veteranos e Agências Relacionadas: Supervisiona o financiamento para construção militar (incluindo habitação militar), o Departamento de Assuntos de Veteranos e agências relacionadas.
- Estado, Operações Estrangeiras e Programas Relacionados: Supervisiona o financiamento para o Departamento de Estado dos EUA, USAID e programas relacionados.
- Transporte, Habitação e Desenvolvimento Urbano e Agências Relacionadas: Supervisiona o financiamento para o Departamento de Transporte, HUD (Habitação e Desenvolvimento Urbano) e agências relacionadas.
O objeto do shutdown é a parcela discricionária do orçamento. A paralisação pode ser total, caso nenhuma das 12 leis de apropriação seja aprovada, ou parcial, afetando apenas as que ainda não tiverem passado pelo Congresso. No caso de um shutdown, todos os serviços não essenciais associados a gastos discricionários ainda não aprovados são paralisados.
No caso de não ocorrer um acordo, pode-se recorrer a um stopgap, medida temporária que adia a definição do orçamento. Caso ainda não haja um acordo até a data pré-estabelecida pelo stopgap, o shutdown é acionado.
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