Na nossa visão ESG é um processo, não apenas uma questão binária. Acreditamos que a integração dos valores ESG à cultura corporativa e atividades econômicas não acontece de um dia para o outro mas, como todo processo, acontece de forma paulatina, podendo ser incentivada por fatores como iniciativas privadas ou aquelas impulsionadas por governos.
No Brasil, já foram tomadas medidas relevantes que impulsionaram o movimento, mas ainda estamos em estágios incipientes quando comparado ao cenário internacional. Para avaliarmos o cenário atual dos investimentos ESG no país e identificar áreas onde esforços precisam ser concentrados, é importante considerar que o desenvolvimento do processo depende uma série de vertentes. Uma das variáveis mais relevantes a ser estudada é o marco regulatório brasileiro, que tem papel de orientar, instruir, monitorar e fiscalizar o andamento do processo.
Nesse relatório temático, feito pela equipe ESG do Research e o time de Política da XP, buscamos desenhar os principais eixos do marco regulatório de investimentos ESG do país e identificar lacunas que ainda precisam ser preenchidas.
Em que etapa está o marco regulatório de investimentos ESG no Brasil?
Antes de entrarmos nos detalhes, vale recapitularmos duas definições importantes:
A sigla ESG advém do termo em inglês Environmental, Social and Governance – ou, em português, ASG, referindo-se à Ambiental, Social e Governança.
O investimento ESG é aquele que incorpora questões ambientais, sociais e de governança como critérios na análise, indo além das tradicionais métricas econômico-financeiras e, com isso, permitindo uma avaliação das empresas de forma holística.
A integração do ESG é um processo gradual. Cada país e região está em um diferente estágio dessa jornada, a União Europeia, por exemplo, lidera de longe esta corrida, enquanto países como a África do Sul ou Arábia Saudita ainda estão em estágios incipientes. Quando olhamos para o Brasil, o país já tomou passos importantes e o processo de integração tem avançado de forma célere nos últimos anos, mas ainda tem um longo caminho para percorrer.
Uma das agendas mais relevantes a contemplar na análise do avanço dos fatores ESG no Brasil é o marco regulatório do mercado financeiro. Os principais entes reguladores, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), têm assumido papel cada vez mais relevante na promoção dos valores ESG, ressaltando a relevância do tema para o mercado por meio de importantes medidas. Abaixo destacamos as principais.
Sistema regulatório
Entre as principais medidas destacamos as seguintes:
Conselho Monetário Nacional (CMN)
- Resolução 4.327/2014 requer que instituições financeiras possuam uma PRSA (Política de Responsabilidade Socioambiental).
- Resolução 4.557/2017 dispõe sobre estrutura para gerenciamento integrado de riscos e do gerenciamento de capital (GIR) das instituições financeiras que deve identificar, mensurar, avaliar, monitorar, reportar, controlar e mitigar o risco socioambiental.
- Resolução 4.661/2018, determina que as EFPCs (Entidades Fechadas de Previdência Complementar) devem contemplar na análise de riscos variáveis relacionadas à sustentabilidade socioeconômica e ambiental, e de governança.
- Resolução 3.813/2009 Determina que o crédito rural para expansão da produção e industrialização da cana-de-açúcar deve ser condicionado ao zoneamento agroecológico e proíbe o financiamento da expansão do plantio em certos biomas.
- Resolução 3.876/2010 Veda a concessão de crédito rural para pessoas físicas ou jurídicas que estão inscritas no cadastro de empregadores que mantiveram trabalhadores em condições de escravo.
Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
- Instrução 552/2014 determina que empresas emissoras de ações ou títulos devem reportar em seu Formulário de Referência seu grau de exposição ao risco socioambiental.
- Instrução 556/2015 requer a obrigatoriedade de prestação de informações sobre impactos no meio ambiente e governança corporativa.
- Instrução 586/2017 solicita às empresas que publiquem informação sobre adesão às práticas de governança corporativa, segundo o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas, do IBGC.
Além disso, vale ressaltar que, em audiência pública realizada na última semana, a CVM informou que deve intensificar a atenção à iniciativa chamada Relate ou Explique, que exige posicionamento das empresas em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relevantes aos seus respectivos setores de atuação. Hoje a iniciativa é opcional e, caso a alteração seja confirmada, as empresas que não divulgarem suas ações e indicadores serão indicadas à explicar publicamente o motivo da omissão. Clique aqui para ler o relatório completo que comentamos em mais detalhes.
Nossa visão
Em conjunto, as medidas compõem um marco regulatório que guiam instituições financeiras no caminho de integração dos valores e práticas ESG. Acreditamos que esse marco seja um boa base inicial para o desenvolvimento do ESG no Brasil, mas enxergamos espaço para aprimorá-lo.
Por exemplo, acreditamos que a expansão de regulações que estabeleçam critérios para monitoramento e definam em maior detalhe os valores promovidos pelos órgãos reguladores permitiriam ao investidor ter mais informação relevante para formular estratégias. Em especial, vemos espaço para especificação de critérios em relação os valores de impacto social e econômico, uma vez que regulações sobre governança se encontram mais avançadas.
Na mesma linha, acreditamos que ampliar o marco regulatório com orientações práticas seria um passo positivo. Por exemplo, as intuições pertinentes poderiam divulgar guias complementárias às resoluções existentes para garantir que a avaliação das variáveis ESG e a divulgação dessa informação seja feita de forma estruturada e facilite o entendimento para investidores.
Como exemplo destacamos medidas adotadas União Europeia, que está em estágios mais avançados do processo e conta com regulações extensas que exigem monitoramento do desempenho de empresas nas variáveis relevantes ao ESG, e transparência sobre os resultados, assim providenciando ao investidor maior orientação na hora de montar o portfólio. Em 2020, por exemplo, foi lançada a ‘Taxonomia’ da UE, uma ferramenta que classifica atividades económicas por sustentabilidade com intuito de ajudar empresas a fazerem a transição para práticas mais sustentáveis e eficientes, além de dar ao investidor referências para análise mais compreensiva. Tais ações servem como modelo para o mercado brasileiro, que pode adequar iniciativas já adotadas no estrangeiro de maneira paulatina.
É importante lembrar, no entanto, que as regulações do setor financeiro são um dos pilares no marco de leis e regulações que impulsionam o movimento ESG. Outras iniciativas e leis, como aquelas sobre os direitos humanos, proteções trabalhistas, regulações ambientais e setoriais, são também essenciais para o andamento do processo.
Acordos internacionais
Vale salientar ainda que o Brasil aderiu a acordos internacionais como o Acordo de Paris e a Agenda 2030, assumindo compromisso com a luta contra a mudança climática e com o desenvolvimento sustentável. Portanto, o país vem ajustando seu marco legal para promover tais iniciativas, e deve continuar incorporando novas legislações que caminhem nesse sentido nos próximos anos.
Agenda 2030
17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) acordados em 2015 no âmbito das Nações Unidas, que cumprem uma agenda com ações contra a mudança climática e voltadas para água potável e saneamento, energia limpa e acessível, consumo e produção responsáveis, entre outras.
Acordo de Paris
Compromissos assumidos pelas nações signatárias do acordo em 2015 para assegurar a mitigação e a adaptação à mudança climática.
Iniciativas de adesão voluntária
Existem também inciativas de adesão voluntária que complementam o sistema regulatório. A B3 (Bolsa de valores brasileira), e associações e federações, como a FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos), editaram normas e guias que orientam instituições financeiras e são fonte de informação para as mesmas. Entre essas destacamos:
FEBRABAN
- Normativo SARB/2014 estabelece sistema de Autorregulação Bancária da Federação Brasileira de Bancos) para PRSA (Política de Responsabilidade Socioambiental)
- Guia Emissão de Títulos Verdes no Brasil/2016 orienta interessados sobre o processo de emissão de títulos verdes. O estudo não sugere alterar a regulação existente ou criar novos instrumentos financeiros.
- Régua de Sensibilidade ao Risco e Guia/2019 desenvolvida pela Federação é uma ferramenta para análise da exposição de carteiras de crédito de bancos a riscos climáticos.
- Sustentabilidade nas Empresas/2016 é um guia que incorpora indicadores de sustentabilidade internacionais propostos por entidades internacionais na análise de empresas.
B3
- Mercado de Capitais e ODS/2018 foi desenvolvido por parceria entre a B3, CVM, a GRI (Global Reporting Initiative) e a Rede Brasil do Pacto Global. É um guia para tornar mais prática e consistente a divulgação de informações ESG.
- Guia de Sustentabilidade para Intermediários/2018 provê orientações de sustentabilidade sobre a oportunidade de negócios no setor de intermediação.
Em linha com a iniciativa da CVM que comentamos acima, a B3 também tem estudado intensificar critérios ESG, exigindo ações em relação ao tema como regra para as empresas cujas ações são listadas no Novo Mercado. Se confirmado, a adesão por parte das empresas à listagem no segmento deve ser tornar mais rígida. Clique aqui para ler o relatório completo que comentamos em mais detalhes.
A agenda é apoiada também por inciativas e organismos internacionais como as Nações Unidas (ONU), o Bank for International Settlements (BIS), ou o Financial Stability Board (FSB). Uma das principais iniciativas do setor é o Principles for Responsible Investment (PRI), uma rede de investidores internacionais que promove a integração de práticas de governança e sustentabilidade socioeconômica. O PRI já conta com 3.552 signatários que possuem em ativos sob gestão cerca de US$ 100 trilhões. No Brasil, atualmente 74 instituições já são signatárias do PRI, entre elas a XP Asset.
Considerações finais
Em suma, os investidores brasileiros possuem diferentes fontes de informação e orientação sobre os protocolos a serem seguidos no caminho de integração ESG. Essas medidas influenciam as suas atividades e estratégias, seja por meio de regulações imposta por órgãos relatórios ou inciativas de adesão voluntária, e orientam suas práticas para atuação sustentável.
No entanto, acreditamos que ambos os investidores e as empresas têm apenas a ganhar com a expansão de regulação existente e incorporação de novas medidas que promovam monitoramento, avaliação e divulgação de informação pertinente. Lembrando sempre que adequações precisam ser feitas de forma cautelosa e gradual para evitar deficiências estruturais adiante.
Embora o marco regulatório brasileiro ainda esteja em processo de adequação, acreditamos que ele já apresenta características positivas que caminham para a incorporação dos valores ambientais, sociais e de governança, e recebemos de forma positiva os últimos desenvolvimentos no sentido de intensificar os critérios ESG.
Conforme ressaltamos em nosso relatório de início de cobertura ESG no Research da XP, além da atual onda de mudança impulsionada pela sociedade civil e pelos investidores, que têm assumido um papel cada vez mais relevante no fomento desses princípios, também acreditamos que as mudanças impostas pela regulamentação estão e terão, cada vez mais, um papel importante em direcionar as empresas à caminho de melhores práticas ESG.
Veja também os últimos relatórios que publicamos em relação ao tema!
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