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Research XP na mídia – Parabéns ao Real: a moeda que deu fim às despensas e colocou o Brasil na civilidade monetária

Entre 1986 e 1991, foram implementados 6 planos econômicos diferentes no País, incluindo o famoso Plano Collor

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Texto publicado inicialmente no E-Investidor em 07/06/2024

“Rachel, ajude a tirar as sacolas do carro com seus irmãos e já vão guardando tudo na despensa. Vocês já sabem: arroz, feijão e papel higiênico em cima; em baixo, biscoitos, enlatados e sucos. Na geladeira, as carnes. Na fruteira, as frutas e legumes. Se todo mundo pegar um pouco, acaba rápido”. O coro entristecido de “Ah, não” de três crianças ecoava ao ouvir a frase da mãe, enquanto a família toda voltava do programa mais temido pelos irmãos uma vez ao mês, as tardes de sábado: a ida ao hipermercado.

O ano? Alguma coisa entre 1995 e 2000. Período em que a despensa ainda era cômodo essencial em quase toda casa brasileira na qual a renda permitia, garantindo espaço para a armazenagem de alimentos e outros itens essenciais, como produtos de limpeza (sempre aos montes).

Pulamos para 2024. Pergunte a uma criança ou adolescente do que se trata uma despensa, ou se um cômodo inteiro dedicado à armazenagem de alimentos existe em sua casa. Sou capaz de apostar que a resposta será algo como “nossa, o que é isso? Não tenho ideia”, acompanhado de um dar de ombros.

A verdade é que a despensa, assim como o passeio mensal em família ao hipermercado e a própria existência desses estabelecimentos, remonta a tempos e hábitos hoje distantes – mas muito presentes na memória socioeconômica de tantos “pais e mães” dos anos 1990.

Tempos esses em que o dinheiro perdia valor num piscar de olhos, e as compras do mês eram tão importantes quanto a capacidade de armazenagem de mantimentos pelo maior tempo possível.

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Tempos de hiperinflação: A inimaginável realidade dos anos 1980-90

Em economia, o fenômeno da hiperinflação é caracterizado por um escalada acentuada dos preços. Quão acentuada? No geral, considera-se que um país enfrenta um período de hiperinflação se sua taxa inflacionária mensal ultrapassa os 50%.

Pode parecer inimaginável para “olhos desacostumados”, mas no Brasil dos anos 1980-90, essa era a realidade. Para se ter uma ideia, a inflação atingiu o patamar extraordinário de 4.992% no acumulado em doze meses em junho de 1994.

Isso significa que, caso você comprasse alguma coisa no valor de 100 cruzeiros (moeda da época), um ano depois isso custaria 5100 – caso a moeda fosse mantida, o que naquele momento era raro, diante de tantas tentativas de acabar com a inflação.

Em resumo, a realidade socioeconômica do Brasil entre os anos de 1980 e início da década de 1990 era caótica: além da inflação galopante e como consequência dela, enfrentávamos elevado grau de endividamento externo (tanto do governo, quanto das pessoas – afinal, nossa moeda não tinha nenhuma credibilidade), baixo crescimento econômico e forte piora nos níveis de pobreza e desigualdade.

Sobre o último, vale lembrar que a inflação tem na população mais pobre sua principal vítima. Isso porque, diferente da classe mais rica, esse extrato da população dificilmente consegue se proteger do aumento de preços, como por meio de investimentos financeiros ou comprando ativos – como imóveis, carros e até mesmo cabeças de boi (rolava naquela época!).

Assim, conforme a inflação avançava, avançava também a desigualdade socioeconômica do país.

Alguém precisava fazer alguma coisa! E alguém fez…na realidade, “alguéns fizeram, e muitas coisas”.

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Um plano econômico, dois “pulos do gato”

Seis planos econômicos diferentes foram implementados entre 1986 e 1991, incluindo o famoso Plano Collor – aquele que congelou o dinheiro da poupança de milhares de brasileiras, na tentativa de reduzir a circulação de moeda na economia e, assim, controlar a inflação.

Como sabemos, todos esses planos falharam miseravelmente em botar ordem na casa e derrotar a hiperinflação, até que…chegamos ao Plano Real.

No segundo semestre de 1993, diferentes esferas do governo uniram-se para pensar fora da caixa, e o plano Real trouxe duas principais ideias determinantes para seu sucesso: i) o esforço de ajuste fiscal; e ii) a existência de uma unidade monetária temporária, a Unidade Real de Valor (URV).

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E qual o “pulo do gato” desses dois pilares?

O primeiro, o da gestão fiscal, trazia a lógica do controle do gasto público para o centro do debate da inflação. Afinal, quando o governo gasta mais, ele aumenta a demanda por bens e serviços na economia (todo esse dinheiro vai para algum lugar, certo?), pressionando os preços. Além disso, quanto mais o governo gastar além do que arrecada, impulsionando a economia pelo lado da demanda, mais as pessoas terão a expectativa de que a inflação seguirá alta, e já se anteciparão subindo seus preços – criando um ciclo vicioso de alta de preços.

Por isso, qualquer plano que tentasse conter a hiperinflação precisava passar pelo lado fiscal – o que, até então, não havia sido o caso.

Já a segunda parte do “pulo” foi a criação da URV, a Unidade Real de Valor. Ela marcaria a transição para a nova moeda, mas sem existir “fisicamente”. Era uma moeda “virtual”, entre muitas aspas. Moderno para a época, não é mesmo?

O objetivo da URV era justamente ser uma transição entre a moeda antiga e a nova, tentando conter a rápida perda de credibilidade que havia sido destino de todos os outros planos até então.

O valor da URV era atualizado diariamente com base na inflação, e os preços eram cotados em URVs e cruzeiros reais (a moeda que anteviu o Real) – mas os pagamentos só podiam ser feitos em cruzeiros reais.

E foi assim por alguns meses, até que o grande dia chegou. Em 1º de julho de 1994, no meio da Copa do Mundo em que o Brasil se tornou tetracampeão, nascia outra vitória: o Real.

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Mal sabiam eles

Naquele dia, 1 Real valia 1 URV, que valia 2.750 cruzeiros reais.

Naquele dia, mal sabiam os brasileiros que a hiperinflação deixaria de ser a luta diária de milhares de famílias muito em breve, contribuindo para uma série de avanços no campo socioeconômico que seguiram a estabilização monetária no país.

Mal sabiam que que o plano que se iniciava seria objeto de estudo mundo afora como um dos mais bem sucedidos esforços no campo monetário no mundo contemporâneo. Mal sabiam que guardar dólares no colchão seria uma memória distante, e que 4,0% ao ano de inflação seria tema de discussões acaloradas entre economistas no país alguns anos depois.

Naquele dia, mal sabiam os três filhos que as idas ao hipermercado estavam com seus dias contados, assim como tantas despensas Brasil afora.

Parabéns ao Real, a moeda que deu fim às despensas e colocou o Brasil no caminho da civilidade monetária.

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