Destaques
- Apesar do bom desempenho nas últimas sessões, o Real brasileiro (BRL) teve a pior performance entre as moedas de mercados emergentes durante os dois anos da pandemia;
- Nossos modelos, que usam variáveis domésticas e externas, sugerem que a taxa de câmbio poderia estar entre 4,20 e 4,75 reais por dólar;
- Entendemos que a pandemia traz uma perspectiva econômica particularmente opaca para o país, considerando sua frágil posição fiscal e a crescente demanda por gastos com programas sociais e infraestrutura que o próximo governo enfrentará;
- Assim, acreditamos que o desalinhamento cambial continuará, pelo menos até que as diretrizes econômicas para o próximo governo sejam mais claras (nossa projeção oficial ainda aponta para câmbio nominal em 5,7 reais por dólar no final deste ano e 5,3 ao final de 2023);
- Entretanto, nossa pesquisa mostra que a “gravidade” puxa a moeda brasileira para a valorização. Se, por qualquer motivo, aumentar a probabilidade de uma política fiscal responsável após as eleições, podemos ver o real continuar se fortalecendo.
Introdução: real, o “patinho feio”
Apesar do bom desempenho nos últimos dias, o real brasileiro teve desempenho inferior à maioria das moedas de mercados emergentes durante os dois anos da pandemia. Em termos nominais, o real desvalorizou quase 40% em 2020-2021, superando apenas a Argentina e a Turquia em um grupo de países emergentes selecionados pela Bloomberg.
O quadro não muda se considerarmos o ajuste pela inflação. Ao ajustar pela inflação ao consumidor (CPI) entre 2020 e 2021, o real continua sendo o patinho feio entre as moedas, tendo desvalorizado 22% mais que a inflação – sem considerar o patinho “muito feio”, a Turquia.
É razoável que o real tenha tido um desempenho tão baixo? Nossa moeda ficou desvalorizada demais? Neste relatório tentamos esclarecer alguns pontos sobre este tema (desafiador, como sempre quando se trata de câmbio).
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Perspectiva histórica
À primeira vista, o real parece desvalorizado em termos reais.
O gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio desde 1980 corrigida pela inflação, contra uma cesta de 16 moedas ponderada pela nossa pauta de exportações. Ao final de 2021, o índice estava 15% acima (mais desvalorizado) que a média no período completo, e 29% acima da médio pós-Plano Real.
Essa divergência da média histórica surgiu durante a pandemia, conforme descrito acima. Antes da crise do Covid-19, o indicador estava exatamente na média observada entre 1995 a 2021, e um pouco mais forte (8%) do que a média de 1980 a 2021.
Mas além da análise histórica, devemos levar em consideração outras variáveis econômicas, que também influenciam a valorização e desvalorização da nossa moeda. Entre as principais, podemos destacar:
- Saldo das contas externas – grosso modo, o que transacionamos com o mundo em bens e serviços, e investimentos;
- Nosso diferencial de produtividade – quanto produzimos por trabalhador no Brasil, comparado a outros países;
- O risco fiscal – qual a percepção de risco de investidores em relação à sustentabilidade das nossas contas públicas;
- Diferencial de taxa de juros – qual o nível relativo da nossa taxa básica de juros, comparado a outros países.
As seções seguintes exploram um pouco a correlação do real com essas variáveis, para identificar se a taxa de câmbio está alinhada com esses fundamentos, que chamamos de “fatores estruturais”.
Taxa de câmbio nominal
Vamos começar a análise pela taxa de câmbio nominal contra o dólar americano – ou seja, o valor da nossa taxa de câmbio sem corrigir pela inflação.
Para tal, os economistas costumam construir modelos estatísticos baseados em ativos financeiros. Isso porque, no curto prazo, a dinâmica da nossa moeda tende a refletir mais movimentos de alocação de investimento, tendo por trás a busca por lucros de investidores.
Assim, montamos um modelo de correlação histórica baseado na evolução dos seguintes indicadores financeiros:
DXY – Índice Dólar: mostra a força do dólar americano em relação a uma cesta de moedas de países desenvolvidos. No caso do Brasil, um país emergente, quanto mais forte o dólar, mais nossa moeda é penalizada (desvalorizada).
CDS – Credit Default Swap (derivativo de crédito) de 5 anos: uma métrica associada ao risco-país. Quanto maior o CDS, maior o risco-país e menor o potencial de atração de recursos externos.
Índice do Commodity Reseach Burreau – CRB – de preços de commodities: uma média dos preços internacionais de commodities (índice à vista). Quanto maior o CRB, maior o valor das exportações brasileiras e, consequentemente, maior a oferta de moedas estrangeiras no país.
Diferencial de juros Brasil x EUA: quanto maior a diferença entre a taxa local e a taxa internacional (aqui adotamos a taxa de juros básicas dos EUA), maior o fluxo esperado de moeda estrangeira para o país e, consequentemente, mais valorizada a taxa de câmbio doméstica.
Rodamos o modelo em dados mensais e dados diários [1].
A conclusão foi que, se o real tivesse seguido a correlação história com essas variáveis nos últimos dois anos, nossa moeda estaria próxima a 4,35 reais por dólar, bem abaixo dos 5,3 cotados no momento quando escrevemos esse relatório.
A razão para isso é que as commodities subiram bastante no período, e nossa taxa de juros decolou, se distanciando dos juros nos EUA. O Gráfico abaixo mostra a dinâmica observada do real (em preto), e aquela que seria a dinâmica indiada pelo modelo (em amarelo).
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Taxa de câmbio real e o desalinhamento da moeda
Será que a conclusão se mantém, quando analisamos o câmbio real e efetivo, ou seja, aquele corrigido pela inflação e contra uma cesta de moedas de países com os quais temos transações comerciais?
À taxa de câmbio corrigida pela inflação, dá-se o nome de taxa de câmbio real.
Quando ajustado pela inflação e analisado por um período mais longo, o valor da nossa moeda tende a refletir mais os elementos estruturais que descrevemos acima, do que o comportamento mais volátil diário fruto das transações de mercado.
A tabela abaixo resumo os indicadores que usamos para medir o nível justo de câmbio real, assim como uma descrição de cada um deles.
Os resultados, a partir de quatro especificações diferentes, apontam um intervalo de “câmbio justo” entre 4,2 e 4,75 reais por dólar [2].
Como podemos ver, o crescente endividamento público e o baixo crescimento da produtividade nas últimas décadas puxam o valor de equilíbrio para cima – ou seja, deixam nossa moeda mais desvalorizada. Mas ainda assim, o topo do intervalo é abaixo de 5 reais por dólar. A robustez das nossas contas externas justificaria um real mais forte.
Assim, os resultados de tanto o modelo com o câmbio nominal quanto com o câmbio real indicam que o real segue desvalorizado no patamar atual.
O que esperar para frente?
Mostramos neste relatório, usando diferentes métodos e especificações, que o real está mais desvalorizado do que o justificado pelos fundamentos econômicos. O câmbio brasileiro encerrou 2021 em 5,6 reais por dólar, e melhorou um pouco em janeiro, para 5,4. Nossos exercícios sugerem que deve estar entre 4,2 e 4,75 reais por dólar.
Isso significa que devemos esperar o que real convirja para os valores “justos” no curto prazo? Não necessariamente….
Mantemos nossa visão de que o câmbio continuará oscilando em torno dos níveis atuais nos próximos trimestres. Isso porque acreditamos que os riscos fiscais e políticos (muito mais difíceis de serem totalmente capturados pelos modelos) e a incerteza da dinâmica da pandemia no Brasil continuarão pesando sobre os ativos brasileiros pelo menos até a proximidade das eleições.
A possibilidade de o Banco Central americano ser muito mais duro do que o esperado ao ajustar sua taxa de juros também pode contribuir para que o real siga distante de seu “valor justo” por mais tempo. Justamente devido ao movimento de atração de capital em direção aos EUA (com juros maiores), e fortalecimento do dólar no cenário global.
De qualquer forma, esta nota mostra a “gravidade” da moeda brasileira em relação à valorização. Se, por qualquer motivo, aumentar a probabilidade de uma política fiscal responsável além das eleições, podemos ver o real continuar se fortalecendo. Neste relatório, demos uma ideia de até quanto ela pode ir.
Referências
[1] Um detalhe técnico para melhor avaliar o desalinhamento recente: estimamos as correlações até um mês antes da OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciar oficialmente o surto de pandemia. Isso para que o comportamento pós-pandemia não contamine as estimativas feitas em “períodos normais”.
[2] Estimamos quatro modelos agregando as variáveis acima, usando como base especificações usadas na literatura econômica (para um resumo, ver o artigo de Lívio Ribeiro e Samuel Pessoa de 2016: “Modelos de câmbio real para a Economia Brasileira”. Disponível na internet). Os detalhes técnicos dos modelos econométricos podem ser obtidos sobe demanda, no e-mail: maria.jordao@xpi.com.br
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