Em 2020, o setor de proteínas tem sido um dos setores mais resilientes em meio aos impactos do coronavírus, apesar de rupturas de oferta, principalmente nos EUA, e da volatilidade nas margens. Após um primeiro trimestre no geral positivo para as empresas, atualizamos nossos modelos com os números recentes, câmbio depreciado, assim como um curto prazo potencialmente mais volátil em termos de margens, mas com um ambiente ainda bastante favorável.
Reiteramos nossa recomendação de compra para JBS, Marfrig e BRF e vemos as ações negociando com desconto para os três nomes. Veja detalhes da nossa tese positiva para o setor abaixo, juntamente aos principais temas discutidos neste momento.
1. Margens mais voláteis, mas cenário positivo continua
Um dos principais destaques da teleconferência de resultados da JBS foi a discussão em torno das margens das operações neste curto prazo, que tem vindo abaixo do que o mercado esperava. De fato, quando observamos o mercado "spot" de preço da carcaça de boi e preço do gado, vemos um aumento significativo das margens nos EUA ("cutout-ratio"). Ou seja, sobra boi no pasto mas falta proteína na prateleira. Porém, essa conta não leva em consideração, por exemplo, gastos com medidas adotadas pelas empresas para evitar contaminação pelo coranavírus, enquanto as empresas deixam de diluir custo fixo por conta de absenteísmo ou plantas fechadas. Por isso, as margens variam de acordo com as operações das empresas.
Cerca de 40% do resultado da JBS vem de carne bovina nos EUA, conforme resultado do 1T20; no entanto, a empresa reforçou em sua teleconferência de resultados que é cedo para fazer qualquer previsão, uma vez que a volatilidade seria "praticamente diária". De qualquer forma, nas últimas duas semanas, a produção teria aumentado nas plantas nos EUA, com a JBS rodando acima da taxa de utilização média da indústria, potencialmente indicando melhora do cenário.
A Marfrig também possui forte exposição nos EUA, com 70% do resultado em 2019 vindo do país. Uma das explicações para a boa performance das ações da Marfrig desde o início do surto de coronavírus é que suas plantas foram menos afetadas do que as de concorrentes. Adicionalmente, conforme escrevemos no relatório do resultado do 1T20 de Marfrig, a empresa segue construtiva com o mercado norte-americano no médio prazo, devido uma combinação de (i) maior oferta de gado favorecendo o crescimento do volume de processamento; (ii) manutenção da forte demanda por proteína bovina no mercado doméstico; e (iii) volumes de produtos prontos para o consumo impulsionados pela quarentena, sendo que tal linha tem maior margem para a empresa.
2. Exportações impulsionaram resultados no primeiro trimestre e seguem pujantes
Em 2020, as exportações totais de proteínas no Brasil já somam quase 2 milhões de toneladas, valor 8% superior à quantidade exportada no mesmo período de 2019. Do lado de preços, também houve um aumento significativo: enquanto no primeiro quadrimestre o Brasil exportava carne a um preço médio de US$ 2,17 por quilograma, neste ano o patamar se elevou 10% para US$ 2,37. Dessa forma, houve um aumento de 18% no faturamento do quadrimestre em dólares, que foi de US$ 4,7 bilhões nestes primeiro quatro meses de 2020, e aumento significativo no faturamento em reais, devido à depreciação da moeda brasileira.
China e Hong Kong foram o destino de 35% das exportações brasileiras de carne (em volumes) no primeiro quadrimestre de 2020. A Grande China representou 48% do faturamento, uma vez que a região pagou um prêmio de 34% em relação ao preço médio de exportação do período. Em comparação, no mesmo período do ano passado, China e HK representavam 26% dos volumes e 32% do faturamento. Ou seja, o país asiático vem aumentando significativamente sua representatividade nas exportações brasileiras.
Para as grandes empresas exportadoras, como BRF, JBS e Marfrig, o fato das exportações seguirem pujantes é bastante importante, porque favorece a manutenção de margens elevadas, apesar de volatilidade na indústria e dos impactos na demanda com a desaceleração econômica no Brasil. Olhando para frente, esperamos que o cenário externo siga favorável, e que a China siga cada vez mais relevante, uma vez que o país segue afetado pela Peste Suína Africana, que dizimou cerca de metade do seu plantel de suínos em 2018, conforme reforçou Lourival Luz, CEO da BRF, durante a teleconferência de resultados da empresa.
3. Potencial realocação no consumo das proteínas é benéfico para empresas bem posicionadas
Outra discussão muito relevante neste mercado é a preferência do consumidor entre proteínas, que é fortemente influenciada pela relação de preços entre elas. No Brasil, enxergamos como possível, senão provável, um aumento do consumo de frango em detrimento da carne bovina, o que seria positivo para a BRF no Brasil, e para a Seara também (da JBS). Entendemos que, (i) com a desaceleração econômica e diminuição da renda disponível, e (ii) com a recente queda nos preços do frango congelado diante da possibilidade de sobre-oferta no setor, a carne de frango está se tornando cada vez mais atrativa para os consumidores.
Por outro lado, nos Estados Unidos, espera-se uma recuperação econômica mais rápida. Adicionalmente, trata-se de um país desenvolvido, com maior renda disponível, o que favorece o consumo de carnes mais caras como a bovina. Cerca de 40% do resultado da JBS e cerca de 70% do resultado da Marfrig vem do segmento de bovinos nos EUA.
De fato, segundo as empresas, a demanda por carne bovina no país segue sólida. Em sua teleconferência de resultados do 1T20, a Marfrig reforçou que, diante de um cenário de demanda forte, aliada à redução da capacidade de produção nos EUA, as margens devem seguir acima daquelas praticadas no ano passado. Além disso, empresas bem posicionadas geograficamente e com portfólio amplo de produtos são favorecidas neste cenário. No quesito diversificação geográfica e de produtos, a JBS se destaca.
4. Ações em patamares atrativos
As ações da Marfrig acumulam alta de 30% no ano, enquanto as de JBS caem 23% e as da BRF caem 37%. Comparativamente, o Ibovespa cai 31% no ano. Nas nossas estimativas, a razão EV/EBITDA 2020 da JBS atualmente está em 5,3x , a da Marfrig em 4,2x, e a da BRF em 6,1x. Ou seja, as três ações negociam abaixo dos patamares históricos, reforçando nossa tese de Compra.
Acreditamos que a performance da BRF tem sido inferior por dois principais motivos: (i) cerca de metade do resultado da empresa vem do mercado brasileiro, que pode ser mais impactado pela desaceleração econômica, ao passo que competidoras como Marfrig e JBS tem cerca de três quartos dos seus resultados vindo dos EUA, um mercado tipicamente mais resiliente; (ii) preocupação maior quanto ao endividamento da BRF, apesar deste se encontrar em patamares saudáveis, conforme ressaltamos em nosso relatório sobre os impactos do coronavírus para as empresas.
Por fim, acreditamos que os valores do consenso ainda não contemplam os novos números do 1T20, tampouco um câmbio mais depreciado, ambos fatores que favorecem as empresas do setor, ou seja, ainda vemos potencial de revisões positivas nas estimativas do mercado.
5. Consumo de caixa no 1T e impacto negativo do câmbio na dívida. O que significam para as empresas?
As empresas de proteínas no geral têm alta exposição da dívida em dólares, e portanto, a variação cambial tem efeito negativo no balanço. Porém, vale observar que o impacto só é caixa no momento de pagamento da dívida, quando há marcação a mercado da dívida em questão. As três empresas da nossa cobertura tiveram esse impacto não-caixa no primeiro trimestre, devido a forte alta do dólar.
Por outro lado, os pagamentos das dívidas se concentram no longo prazo. JBS possui 94% das dívidas no longo prazo, BRF 83% e Marfrig 75%. Vale destacar que na teleconferência de resultados da Marfrig, a empresa disse que o refinanciamento do bridge loan (relativo à compra de 31% da participação adicional em sua subsidiária nos EUA) está em fases avançados de negociação, o que tornaria o perfil da dívida de 85% no longo prazo e 15% no curto prazo, enquanto o empréstimo seria para 3 anos.
Sobre geração de caixa, o primeiro trimestre do ano tem, sazonalmente, a característica de consumir caixa, devido a concentração de pagamentos de fornecedores e recomposição de estoques, principalmente aos produtores de carne bovina. A Marfrig, foi o principal destaque negativo no trimestre em relação a consumo de caixa, dado que além do efeito sazonal, a empresa liquidou R$ 938 milhões em operações de capital de giro.
Do lado positivo, tal operação resultou na economia estrutural de R$ 100 milhões na linha de “Outras Receitas e Despesas Financeiras” em relação ao 4T19. O fluxo de caixa livre recorrente foi positivo em R$ 243 milhões quando eliminado os efeitos extraordinários da liquidação das operações de capital de giro e do bônus de R$ 759 milhões ligados à operação da América do Norte, que ocorrem todo primeiro trimestre do ano (18% do EBITDA do ano que passou ou 20% do lucro, desde que a operação norte americana tenha lucro líquido). Segundo a companhia, haverá normalização já no segundo trimestre e esperamos geração de caixa positiva em 2020.
6. “Food for Thought”: Beyond Meat já vale quase uma JBS
A discussão sobre carne vegetal vinha se intensificando há alguns meses e atingiu seu pico durante a quarentena, com o consumo por alimentos em alta. A Beyond Meat é uma das empresas de alimentos que mais cresce nos Estados Unidos, ofertando um amplo portfolio de carnes vegetais (“plant-based”). Durante o 1T20, suas receitas cresceram 141%, atingindo quase cem milhões de dólares (pouco mais de 1% da receita da JBS no trimestre). Em sua divulgação de resultados, a empresa destacou que, a despeito da redução de suas vendas para bares e restaurantes (canal do foodservice), a demanda por proteínas vegetais segue forte mesmo durante a quarentena, impulsionada pelo aumento do consumo no domicílio.
Atualmente, a empresa tem uma capitalização de mercado de US$ 9 bilhões, ou cerca de R$ 50 bilhões. Dessa forma, aproximadamente, a Beyond Meat vale mais de 5 vezes a Marfrig (R$ 9 bi), 2,8 vezes a BRF (R$ 18 bi) e quase uma JBS (R$ 57 bi). Vale lembrar que a JBS é a maior produtora global de carne bovina e de frango, além de ser a segunda maior empresa de alimentos do mundo em termos de receita, perdendo apenas para a Nestlé. Nesse contexto de ascensão da proteína vegetal, JBS, Marfrig e BRF também vem se posicionando neste mercado, respectivamente, com as marcas Seara Incrível, Revolution Burger e Veg&Tal.
O hambúrguer vegetal da Seara Incrível, lançado ao final de 2019, vendeu seis vezes mais do que o esperado, de acordo com o time de marketing da JBS. Tal sucesso levou a empresa a lançar uma linha completa 100% vegetal, mas com sabor e textura de carne, que inclui empanados, kibes, salsichas e pratos prontos. No primeiro trimestre de 2020, de acordo com dados da Nielsen, a Seara atingiu a liderança do mercado de proteína vegetal com a linha Incrível.
Já a Marfrig conta com seu Revolution Burger, que já era vendido para a rede Burger King desde o ano passado, e passou a ser comercializado também pelo Outback em fevereiro deste ano. A Marfrig conta com uma parceria com uma empresa americana, a ADM, que desenvolve a matéria prima por trás do hambúrguer vegetal, enquanto a empresa brasileira realiza o processamento. Das onze linhas de produção na planta da Marfrig em Várzea Grande, no Mato Grosso, três são dedicadas para a produção do Revolution, mas este número pode aumentar à medida que a parceria entre as duas empresas ganhar corpo, inclusive com a possibilidade de exportar os produtos vegetais para outros mercados como a Ásia.
Por fim, a BRF lançou em março deste ano sua própria linha de produtos vegetais, chamada Veg&Tal. Assim como a linha da Seara, conta com produtos variados, que incluem hambúrgueres, tortas e nuggets. A linha da Seara (JBS), no entanto, foi tida como mais "assertiva" por alguns consumidores, por não incluir nenhum ingrediente de origem animal, enquanto as tortas da Sadia tem laticínios e ovos.
JBS (JBSS3): Recomendação de Compra com preço-alvo de R$ 35 por ação
O resultado da JBS no 1T20 veio em linha e sólido, com EBITDA ajustado de R$ 3,9 bilhões, 2,5% acima do nosso (+23% A/A). Incorporamos tais números em nosso modelo, assim como nossas novas premissas macroeconômicas, mas reduzimos as margens devido à volatilidade de curto prazo. Com isso, atualizamos o preço alvo de R$ 36 para R$ 35.
Marfrig (MRFG3): Recomendação de Compra com preço-alvo de R$ 18 por ação
O resultado da Marfrig no 1T20 foi recorde em termos operacionais, com EBITDA ajustado de R$ 1,2 bilhão, 10% acima da nossa expectativa (+109% A/A). Incorporamos tais números em nosso modelo, assim como nossas novas premissas macroeconômicas, e atualizamos o preço alvo de R$ 13 para R$ 18.
BRF (BRFS3): Recomendação de Compra com preço-alvo de R$ 30 por ação
O resultado da BRF no 1T20 veio forte em todos os segmentos, com EBITDA ajustado de R$ 1.251 milhões acima da nossa expectativa de R$ 1.046 milhões. Incorporamos tais números em nosso modelo, assim como nossas novas premissas macroeconômicas, e melhores resultados para frente nas operações Halal. Com isso, atualizamos o preço alvo de R$ 22 para R$ 30.
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