É preciso rediscutir quanto valem as refinarias da Petrobras
Na semana passada, a mídia local (O Estado de São Paulo) mencionou que o Tribunal de Contas da União (TCU) está analisando se vai suspender a venda da refinaria Landulpho Alves da Petrobras (RLAM, localizada no estado da Bahia) ao fundo de investimento Mubadala.
De acordo com a notícia, o Tribunal de Contas questiona o valor da transação de US$ 1,65 bilhão, que ficou abaixo das próprias estimativas internas da Petrobras de US$ 3,04 bilhões. A transação foi concluída em 8 de fevereiro e o Conselho da Petrobras aprovou a transação em 24 de março.
Com essas recentes discussões em torno do desinvestimento da RLAM, investigamos quais podem ter sido os fatores que acarretaram um valor de venda menor do que o esperado pelo ativo, e que também poderiam impactar o valor das demais refinarias à venda.
Além disso, com base nos fatores que investigamos, revisamos totalmente nossas estimativas de valores potenciais de venda das refinarias remanescentes no plano de venda de ativos da Petrobras.
Por outro lado, concluímos nesse relatório que é extremamente importante que a Petrobras consiga concluir o desinvestimento de parte do seu portfólio de refinarias, e que a venda da RLAM não seja suspensa. Em nossa visão, a venda de tais ativos é de extrema importância para viabilizar os investimentos que serão necessários para evitar uma situação de desabastecimento de derivados de petróleo no Brasil na próxima década.
Mantemos recomendação de Venda nas ações da Petrobras, com preços-alvo de R$24/ação para PETR4 e PETR3.
Quais são os fatores que podem ter impactado o preço da RLAM, e que poderiam afetar as outras refinarias da Petrobras à venda?
Como observamos em nosso relatório de 08 de fevereiro de 2021, o valor final da transação da RLAM de US$1,65 bilhão ficou abaixo de nossas expectativas. Em nossas estimativas à época, estimamos um múltiplo implícito de 3,1x EV / EBITDA para a venda do ativo, abaixo da média histórica de múltiplos que a Petrobras negocia de 5,5x (e 4,9x atualmente).
No entanto, ao reexaminarmos a transação com mais cautela, tanto do ponto de vista de contexto de mercado (global e local) como características da própria refinaria, acreditamos que o valor final de venda possa ter refletido os seguintes fatores:
- Múltiplos de refinarias globais. Apesar do valor estratégico de uma refinaria em um país como o Brasil, que tem capacidade limitada de produção de derivados de petróleo para atender sua própria demanda interna, normalmente é difícil que haja um descolamento dos múltiplos de transação em relação a referências globais de empresas comparáveis listadas em bolsa. Nesse sentido, quando olhamos para as maiores empresas de refino listadas nos EUA (Valero, Philips 66, HollyFrontier Corporation e Marathon Petroleum Corporation), notamos que as suas ações negociaram historicamente na faixa de múltiplos de 5,0x-7,0x EV / EBITDA nos últimos 5 anos;
- Múltiplos de ativos em mercados emergentes (EM) normalmente apresentam um desconto em relação a mercados desenvolvidos (DM). Dado o maior risco de se investir em ativos em Mercados Emergentes (EM, sigla em inglês para Emerging Markets) é comum que as transações e empresas listadas em tais mercados impliquem um desconto para os mercados dos países desenvolvidos (DM, sigla em inglês para Developed Markets), e esse seria o caso do Brasil. Notamos que não estamos ainda abordando questões específicas de um determinado país que possa causar impactos adicionais sobre a percepção de risco de investidores.
- Em nossa opinião, uma forma de incorporar tal fator nas avaliações é ajustar os múltiplos de ativos de países desenvolvidos comparáveis (como os pares de refino mencionados acima) para o risco país (CDS) do mercado da transação (detalhado na equação abaixo). Ao ajustar o intervalo EV / EBITDA acima mencionado para o CDS médio de 5 anos do Brasil nos últimos 5 anos (210 pontos base), isso implicaria em um intervalo múltiplo EV / EBITDA “ajustado” entre 4,5x e 6,1x. Explicamos nossos cálculos nas figuras a seguir:
- Riscos específicos do mercado brasileiro. Acreditamos que investidores potencialmente interessados nas refinarias da Petrobras podem atribuir um prêmio de risco mais alto (ou um desconto do valor total de aquisição) ao apresentarem suas propostas devido a riscos específicos do mercado brasileiro. A razão por trás dessa visão é que a manutenção de preços domésticos de combustíveis alinhados às mudanças nos preços do petróleo bruto e câmbio é um fenômeno muito recente no Brasil, tendo começado pela primeira vez durante a gestão do Sr. Pedro Parente como CEO da Petrobras em 2016. E nossos leitores certamente se recordarão que a prática de uma política de preços alinhada com referências internacionais de preços de petróleo e câmbio não ocorreu sem seus percalços, conforme observado tanto na Greve dos Caminhoneiros de maio de 2018, como nos eventos recentes de fevereiro de 2021 que culminaram na substituição do Sr. Roberto Castello Branco como CEO da Petrobras.
- Dadas as incertezas associadas à operação de uma refinaria no mercado brasileiro, acreditamos que é justo assumir um desconto adicional para as refinarias da Petrobras, que assumimos em -10%. Se aplicarmos esse desconto aos Múltiplos já justados pelo risco-país mencionados anteriormente, isso implicaria em um intervalo EV / EBITDA entre 4,1x e 5,5x.
- A idade da refinaria importa. Acreditamos que o tempo de operação de uma refinaria da Petrobras pode afetar valores finais da venda do ativo, tendo em vista que ativos mais antigos podem demandar maiores investimentos para substituição de equipamentos e manutenção pelo novo operador. Nesse sentido, cabe ressaltar que a RLAM é a refinaria mais antiga do Brasil, com sua data de inauguração (1950) sendo anterior até mesmo à fundação da própria Petrobras (1953).
- Qual é o status atual de operação das refinarias? Finalmente, acreditamos que os investidores potencialmente interessados em adquirir as refinarias da Petrobras deverão assumir as condições atuais de operação dos ativos, e não incorporar em suas premissas melhorias operacionais de modo a melhorar o seu risco-retorno em suas propostas. Em nossa modelagem anterior para o valor de venda potencial das refinarias da Petrobras, embutíamos premissas de melhoria das operações em nossas estimativas, como normalmente é o caso em operações de fusões e aquisições (M&A). Nesse sentido, citamos as seguintes variáveis que podem ter sido afetadas em relação a nossas expectativas anteriores:
- Fatores de utilização de capacidade das refinarias;
- Margens brutas de refino (receita menos custo variável de operação, principalmente aquisição de petróleo);
- Premissas de custos de operação (pessoal e administrativo).
Nossas novas estimativas para as refinarias da Petrobras à venda
Após enumerarmos quais podem ter sido os fatores que implicaram um valor de venda menor do que o esperado para a refinaria RLAM, revisamos totalmente nossa modelagem para o valor potencial de venda desses ativos, incluindo a própria refinaria RLAM de modo a verificar o valor final de venda de US$1,65 bilhão:
Nossas novas premissas são:
- Alteramos nossa metodologia de definição do valor final para as refinarias para uma abordagem por múltiplos (EV / EBITDA) no lugar de Fluxo de Caixa Descontado (DCF) anteriormente, de modo a permitir uma melhor comparação com pares globais do setor de refino como também refletir uma abordagem mais conservadora no que diz respeito às perspectivas de longo prazo;
- Assumimos uma faixa de múltiplos EV / EBITDA entre 4,1x e 5,5x, refletindo os múltiplos de negociação de pares globais de refino e com ajustes relacionados tanto ao risco-país quanto a fatores específicos relacionados ao mercado brasileiro, conforme detalhado na seção anterior;
- Assumimos taxas de utilização da capacidade das refinarias de 80%, em linha com os níveis atuais do parque de refino da Petrobras. Anteriormente assumíamos 90%;
- Assumimos margens brutas de refino de US$ 8 / barril, abaixo do nível de US$ 9,5 / barril reportados pela Petrobras durante 2018-19, períodos em que a política doméstica de preços de combustíveis da empresa foi aplicada sem maiores complicações (expurgando, é claro, os efeitos da greve dos caminhoneiros de maio de 2018);
- Níveis de custos de operação (pessoal e administrativo) de US$ 3,5 / barril, em linha com a média reportada pela Petrobras desde 2016. Anteriormente, assumíamos uma redução de -20% destes custos para o patamar de US$2,8/barril;
Ressaltamos que os valores finais para as refinarias da Petrobras à venda podem diferir de nossas expectativas devido a outros fatores, tais como:
- Necessidades de investimentos adicionais específicos que uma refinaria pode exigir devido à defasagem de tecnologia ou necessidades de manutenção (que acreditamos ser o caso de RLAM dado que a refinaria foi construída há 70 anos);
- O mix da produção de uma refinaria, o que pode implicar diferentes margens brutas em relação às nossas estimativas (tendo em vista que diferentes derivados de petróleo possuem diferentes margens em relação à commodity);
- Condições logísticas e de mercado específicas da região onde está localizada a refinaria, e;
- Disciplina de alocação de capital da empresa interessada em adquirir algum dos ativos.
Para fins ilustrativos, ao realizarmos um teste de nossa modelagem sob novas premissas para a refinaria RLAM, estimamos valores entre US$ 1,58 bilhão e US$ 2,13 bilhões para o ativo, que englobam o valor final de transação de US$1,65 bilhão apresentado pelo fundo Mubadala.
De acordo com nossas premissas revisadas, estimamos um valor total entre US$ 3,53 bilhões-US$ 4,77 bilhões para as refinarias da Petrobras à venda, implicando um valor por ação potencial entre R$0,98/ação e R$1,33/ação (4,1% a 5,5% do valor de mercado atual da companhia) uma redução da Dívida Líquida / EBITDA entre (0,08)x e (0,11)x ante o nível de 2,22x reportado pela empresa no 4T20.
Menores valores de venda para as refinarias da Petrobras quer dizer que elas não devam ser vendidas? Não!
Apesar da redução em nossas estimativas para os valores de venda das refinarias da Petrobras (estimávamos de US$ 7,9 bilhões a US$ 10,5 bilhões, já excluindo a RLAM), destacamos que a importância do processo de venda das refinarias da Petrobras vai muito além dos benefícios para a empresa e seus acionistas, como em termos de redução de endividamento e maior capacidade de distribuição de dividendos.
Em nossa opinião, a venda das refinarias da Petrobras e a consequente redução da capacidade da estatal de formação de preços em todo o território nacional tem um significado muito maior do ponto de vista de segurança energética do Brasil no futuro. A razão por trás dessa visão é que o Brasil exigirá maiores investimentos para aumentar a capacidade local de abastecimento de combustíveis e derivados de petróleo, a fim de se evitar uma situação de escassez local de tais produtos ao longo da próxima década.
Com base em nossas estimativas, o Brasil pode enfrentar escassez interna de 400 mil barris ao dia de produtos derivados de petróleo até o final da presente década de 2020-2030 (podendo ser mais cedo, a depender do crescimento da economia) devido à falta de capacidade de refino e de terminais portuários de importação de combustíveis.
Em nossa opinião, existem duas alternativas potenciais (não mutuamente excludentes) para se evitar este cenário: (1) US$ 8,0-US$ 9,0 bilhões em investimentos em capacidade adicional de refino ou (2) US$ 2,0-US$ 3,0 bilhões em investimentos em capacidade adicional de terminais de importação.
No entanto, é fundamental que as condições do mercado local se tornem mais previsíveis a fim de viabilizar tais investimentos pelo setor privado. E um dos principais fatores de previsibilidade é a dinâmica local de preços de combustíveis. Por isso, é fundamental que a Petrobras conclua o processo de desinvestimento de 50% de sua capacidade de refino, para que a empresa perca seus poderes de monopólio e determinação de preços de combustíveis em todo o território brasileiro.
Concluída essa etapa, a flutuação dos preços dos combustíveis de acordo com as variações dos preços do petróleo e do câmbio deixaria de ser uma escolha administrativa adotada pela Petrobras (por mais que seja protegida por seu Estatuto), mas sim uma característica estrutural do mercado brasileiro, reduzindo assim a percepção de risco dos investidores privados para a realização de futuros investimentos na cadeia de produção e logística de derivados de petróleo.
É também por isso que consideraríamos que é essencial que a venda da RLAM para o fundo de investimentos Mubadala seja aprovada apesar de qualquer eventual desapontamento em relação ao valor final da transação. Do contrário, será um grande revés não só para a Petrobras, mas também para a segurança energética do Brasil.
Mantemos recomendação de Venda nas ações da Petrobras, com preços-alvo de R$24/ação para PETR4 e PETR3.
Apêndice 1: Principais detalhes sobre as refinarias da Petrobras à venda
Apêndice 2: Evolução dos múltiplos históricos (EV / EBITDA) de empresas globais do segmento de refino
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