No dia 28 de outubro, o relator da MP1304 divulgou o relatório no qual detalha as propostas iniciais para uma ampla reforma do setor de energia, que busca abordar simultaneamente uma série de temas relevantes. De forma geral, o relatório adiciona riscos ao setor de duas maneiras: i) a primeira e mais óbvia é prejudicando a economia das distribuidoras (DisCos) em um tema que já havia sido discutido e superado anteriormente (há impacto negativo no VPL para EQTL, NEOE e ENGI); e ii) vários itens do relatório ainda são vagos e trazem mais perguntas do que respostas, tornando mais difícil prever os impactos econômicos dessas medidas para empresas listadas (especialmente geradoras – GenCos). Naturalmente, isso faz parte de um processo político com muitas etapas, e não esperamos que o texto permaneça como está após a conclusão do processo. De forma geral, esperamos reações negativas para distribuidoras listadas com exposição a Sudam/Sudene, desempenho marginalmente negativo para AURE (já que o movimento de preços no pregão de 28/10 refletiu parte da frustração) e desempenhos mistos para o restante da cobertura, com aumento evidente do prêmio de risco (ERP) para o setor como um todo à medida que as incertezas aumentam.
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Um easter egg indesejado para as distribuidoras
O texto inicial da MP1304 propõe (lembrando que se trata de uma medida provisória e não de um projeto de lei, o que poderia trazer implicações jurídicas) que a ANEEL capture os benefícios fiscais de SUDAM/SUDENE que as distribuidoras atualmente possuem (alíquota efetiva de 15,25% até 2038 vs. 34% → redução média de 2,0 p.p. no ROIC durante o período). Nossa visão é que incentivos são a bússola da formulação de políticas públicas. Nesse sentido, argumentamos que reduzir tarifas por meio da diminuição dos retornos regulatórios das distribuidoras parece ineficaz, já que há uma boa vontade crescente em serem percebidas como fornecedoras de maior qualidade e serviços para os consumidores finais, especialmente quando as tarifas sociais já cobrem uma parte relevante da população (tornando-os menos sensíveis ao aumento de tarifas). Além disso, como este não foi um tema discutido nem mesmo com parlamentares que trabalharam de perto no rascunho inicial, acreditamos que haverá um amplo debate sobre o assunto nos próximos dias. O relatório será discutido às 11h do dia 29 de outubro, e poderemos medir o “termômetro” inicial de onde os membros da comissão se posicionam. Rodando nossos modelos com uma eventual captura desses benefícios, estimamos reduções potenciais de VPL de 5%, 12% e 11% para EQTL, ENGI e NEOE, respectivamente. Embora acreditemos que, no fim, as chances de aprovação sejam menores do que as de rejeição, o ERP para as distribuidoras aumentará novamente e poderá eventualmente se espalhar para o restante do setor, à medida que os investidores aumentam o ceticismo sobre a economia futura das DisCos.
Os elementos apresentados trazem potencial de queda para os preços de energia no médio/curto prazo? Acreditamos que sim
Embora os LCOEs de longo prazo estejam sob pressão de alta, vemos potenciais mudanças de médio e curto prazo como riscos de queda para os preços de energia. Os LCOEs podem sustentar preços de energia mais altos no longo prazo, mas o aumento da penetração de sistemas de armazenamento de energia em baterias (BESS) e mais capacidade inflexível inevitavelmente reduzirão a volatilidade diária, diminuindo os ganhos de modulação para hidrelétricas (HPPs) e potencialmente reduzindo a aversão ao risco nos modelos de precificação. Será importante acompanhar como esses temas evoluem ao longo do tempo. Por ora, o que é certo é que a incerteza sobre a economia futura das geradoras está aumentando e os prêmios de risco devem refletir essa incerteza. Discutimos outras leituras nas páginas seguintes do relatório.
Soluções modestas para renováveis em escala utilitária
O relatório traz uma solução para cortes passados relacionados à confiabilidade e restrições elétricas, propondo o reembolso de todos os valores relacionados a esses cortes de setembro/23 até hoje. Estimamos que isso terá impacto positivo modesto em algumas das empresas que cobrimos (notadamente AURE, que teria ~2% de seu valor de mercado reembolsado nesse tópico, segundo cálculos da XP). Outras soluções prospectivas para cortes foram deixadas de fora, e o relator foi claro ao afirmar que o risco energético pertence ao empreendedor. No entanto, destacamos que medidas secundárias, como maior viabilidade econômica para BESS e desaceleração da geração distribuída (GD), pelo menos por enquanto, podem ajudar a suavizar o impacto para renováveis, evitando que o crescimento acelerado dos cortes energéticos continue e reduzindo os custos de modulação devido à alta volatilidade diária dos preços spot. Esses elementos ainda são difíceis de mensurar, mas podem trazer algum alívio econômico. No geral, as soluções para cortes em renováveis ficaram aquém das expectativas recentes do mercado, e por isso esperamos desempenho potencialmente negativo contínuo para as ações da AURE nos próximos dias, enquanto os investidores digerem o conteúdo do relatório.
Pausando o crescimento do GD?
Outra proposta que pode enfrentar resistência política é a inclusão de uma cobrança de R$200/MWh para novos ativos de GD que entrarem em operação entre a data do relatório e dezembro/28. Isso pode criar uma desaceleração importante nas adições de capacidade de GD no período, trazendo algum alívio de curto prazo para as pressões crescentes de cortes energéticos. Não há impacto econômico claro para as empresas listadas que cobrimos, mas destacamos que negócios relacionados à cadeia de fornecimento de painéis solares no Brasil podem enfrentar dificuldades nos próximos anos.
O início de uma nova era para o BESS no Brasil?
Um tópico importante para acompanhar são as disposições sobre BESS. A possibilidade de isentar componentes de BESS de tarifas de importação no futuro (embora haja um teto de isenção de R$1 bilhão para 2026) é transformacional em termos de viabilidade econômica, e alguns especialistas do setor estimam que, sem tarifas de importação, o BESS poderia ser ~30-40% mais barato do que soluções fósseis alternativas, com tempo de implantação mais rápido e requisitos de rampa ideais para as necessidades atuais do Brasil. Além disso, o senador Braga mencionou em entrevista após a sessão de hoje que as distribuidoras poderiam eventualmente desenvolver BESS dentro de suas concessões para ajudar a modular cargas locais de GD de forma mais eficiente. Essa proposta poderia rapidamente aumentar a penetração de BESS na matriz brasileira e reduzir significativamente a volatilidade diária dos preços spot e, portanto, os preços de curto prazo (riscos de queda para Axia e empresas com exposição a preços de energia?). Ainda é difícil estimar o potencial total de capacidade de BESS, mas em nosso relatório recente de IoC estimamos um potencial de até ~20GW de capacidade de BESS com base na energia atualmente cortada durante horas de pico de produção.
Privatização da ELET, térmicas inflexíveis e retomada de PCHs – positivo para ENEV?
Após ficar adormecido nos últimos anos, o relatório retoma o debate sobre adicionar mais capacidade térmica inflexível à rede (o que reduz a correlação do atributo energético com os preços de energia) a um custo elevado que será repassado aos consumidores, em detrimento da criação de capacidade térmica mais flexível, aderente às necessidades atuais do sistema. Com um total de 4,25GW de térmicas inflexíveis (50% de inflexibilidade contra 70% anteriormente), isso poderia adicionar ~2% de produção base à matriz, aumentando cortes, GSF e custos marginais de expansão do sistema. No entanto, se os requisitos permanecerem, acreditamos que players como ENEV poderiam se beneficiar dessa medida, já que possuem presença em regiões específicas abordadas pelo relatório. Os requisitos para capacidade inflexível terão que atender critérios técnicos definidos pelo ministério, e os prazos de início operacional foram adiados, o que pode ser visto como uma alternativa para postergar a necessidade dessa capacidade no futuro.
CMIG, CPFE, AURE, EGIE e LIGT podem se beneficiar da possibilidade de renovação de concessões sem concorrência para HPPs?
Um tópico interessante adicionado é a possibilidade de renovação de concessões para HPPs >50MW que tiveram seus contratos assinados antes de dezembro/2003. Entre as empresas listadas que cobrimos, isso pode ser especialmente relevante para LIGT (a maior parte do portfólio de geração da Light se enquadra), CPFE (parte relevante das HPPs da CPFE têm contratos assinados antes de 2003), AURE (HPPs da AES e a maioria das HPPs da AURE via JVs têm contratos assinados entre 2000-03), EGIE e CMIG (por meio da HPP Emborcação). O relatório também deixa claro que quaisquer valores residuais relacionados a esses ativos devem ter a metodologia de custo de reposição aplicada para medir os montantes devidos.
LCOE em alta?
Alocar capacidade de reserva ou adicionar requisitos de BESS à nova capacidade renovável leva ao mesmo caminho. A disposição que estabelece que nova capacidade que não forneça “firmness” ao sistema será alocada com encargos de capacidade de reserva é claramente um sinal econômico benéfico para alinhar atributo energético à economia. O relatório também permite a possibilidade de adicionar BESS à capacidade renovável como alternativa. De qualquer forma, ao adicionar custos de “firmness” às renováveis, devemos ver sinais econômicos mais alinhados que se refletirão em LCOEs muito mais altos no longo prazo, enquanto provavelmente veremos adições limitadas de capacidade no médio/curto prazo devido à economia desafiadora.
Além disso, novos ativos renováveis não poderão se beneficiar de spreads de energia incentivada (o que também vemos como positivo e já incorporamos em nossa construção de LCOE). Por fim, as regras de autoprodução estão ficando mais rígidas, com participação mínima exigida de 30%, e encargos reduzidos só serão aplicados ao consumo no local (por exemplo, consumo em local diferente do site de produção terá encargos adicionais em relação ao modelo atual), reduzindo o spread estrutural de ~R$90-100/MWh de menores encargos regulatórios para autoprodutores.
Próximos passos para a MP1304
Uma audiência está marcada para a manhã de 29 de outubro para que os membros da comissão discutam o conteúdo. Acreditamos que será um importante termômetro para medir quais serão os debates mais relevantes entre os formuladores de políticas. Após a conclusão da comissão, o conteúdo discutido segue para o Congresso e, posteriormente, para o Senado. Por fim, o projeto vai para o Presidente para eventuais vetos.
