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- Fed anuncia histórica revisão da estrutura política monetária.
- Revisamos o IPCA 2020 de 1,4% para 1,7% e 2,7% para 2,6% em 2021, com a forte alta nos preços dos alimentos.
- Preços dos ativos no Brasil sofreram no mês com dúvidas sobre a manutenção do teto de gastos.
Introdução
Agosto foi marcado pelo forte rali nas bolsas americanas, puxadas pelas ações do setor de tecnologia, com a NASDAQ subindo cerca de 11,0%. As Treasuries com vencimentos mais longos (10 e 30 anos) tiveram alta nas taxas e o dólar apresentou mais um mês de depreciação em relação às principais moedas, assunto bem discutido na carta de julho. Ademais, destaque para a forte alta nos preços das commodities ao longo do mês, com altas perto de 10% nos diversos segmentos (alimentos, industriais e metais). Os mercados emergentes ficaram para trás e tiveram desempenho misto.
O principal motivo para o que pode ser o início de um movimento de “reflação” nos mercados (alta nos preços das commodities e inclinação da ponta longa da taxa de juros) está na mudança do arcabouço da política monetária do Fed. Apesar de amplamente esperada pelos mercados, é um fato histórico e que daqui alguns anos será utilizado como ponto de referência. Durante o seu discurso no simpósio de economia do Fed Kansas City, Powell anunciou que, a partir de agora, o Fed irá adotar uma meta de inflação média flexível, além de abandonar a relação automática da taxa de desemprego e inflação – uma baixa taxa de desemprego não será interpretada como um risco para a inflação. Esta é uma mudança extremamente relevante pois, sugere que a taxa de juros nos EUA permanecerá perto de zero (‘Zero Lower Bound’) por um longo período.
A grande dúvida para os próximos meses é se esta mudança do arcabouço da instituição será suficiente para gerar inflação, principalmente em um cenário onde poucos instrumentos de política monetária restaram (Quantitative Easing e juros negativos?). Este é um dos motivos para os diretores do Fed reafirmarem em eventos recentes a necessidade do auxílio da política fiscal para a retomada do crescimento da economia. Ao longo dos últimos 20 anos o Fed falhou em seu objetivo de entregar uma inflação ao redor de 2,0%, como é possível observar pela diferença entre o núcleo de inflação e a meta de 2,0%:
Nossa avaliação é de que estamos em um período de transição na economia e os mercados terão nos próximos 3 a 6 meses uma difícil navegação. O primeiro pilar foi a alteração do arcabouço do Fed e será importante para o que irá acontecer nos preços dos ativos. O segundo fator deve ser o provável anúncio dos primeiros resultados dos testes das vacinas que estão na terceira fase do processo para aprovação, com possibilidade de liberação para utilização de emergência nos EUA. Acreditamos que será o início de uma nova fase, com uma retomada gradual da atividade (ainda que com muita volatilidade) e de redução na incerteza. Adicionalmente teremos as eleições americanas em novembro e a continuidade da discussão sobre um novo pacote de estímulos fiscais nos EUA.
As eleições americanas estão se aproximando e Trump conseguiu ganhar terreno nas últimas pesquisas, sinalizando que a disputa será bem apertada. O resultado terá implicações para os preços de ativos nos EUA, mas é improvável que, no curto prazo, Republicanos e Democratas reduzam os estímulos fiscais. No entanto, o elevado déficit fiscal americano e o “QE” do Fed compõem a outra parte do “quebra-cabeça”, potencializando a desvalorização do dólar que, como discutido na carta anterior, terá impacto positivo nos preços de commodities (ouro dentre elas), em países desenvolvidos ex-EUA e em alguns países emergentes. Quais emergentes poderão se beneficiar deste cenário? Os países que controlaram melhor a disseminação do vírus ocasionando em um efeito negativo menor sobre a economia e que devem sair com uma situação fiscal melhor.
Cenário doméstico
No Brasil tivemos um típico mês de “risk-off”, com o Ibovespa recuando 3,4%, a curva de juros nominais subindo e inclinando e o real depreciando cerca de 5,0% contra o dólar. Essa piora relativa dos ativos domésticos em relação aos pares emergentes teve três motivos principais: i) dúvidas relacionadas aos programas assistenciais (auxílio emergencial, Renda Brasil etc.); ii) debate sobre a sustentabilidade e manutenção do teto de gastos; iii) permanência do Ministro Paulo Guedes no Governo.
O Brasil teve dificuldades para conter a disseminação do vírus e foi um dos emergentes que fez mais estímulos fiscais, mesmo partindo de uma situação preocupante no período pré-pandemia.
A prorrogação do auxílio emergencial de R$ 600 reais, que se encerrava em agosto foi amplamente discutida entre os políticos e na imprensa ao longo do mês. O custo extremamente elevado (cerca de R$ 50,0 bilhões/mês) do programa e as dúvidas quanto à sua eficiência (muitas fraudes, por exemplo) gerou preocupação no mercado. No início de setembro o governo optou por enviar uma proposta de prorrogação de metade do valor, até o final de 2020, que ainda terá que ser aprovada no Congresso.
As dúvidas relacionadas à manutenção do teto de gastos apareceram de diversas formas ao longo do mês, principalmente nas tentativas de ampliação de gastos por meio da utilização de créditos extraordinários aprovados para 2020, que seriam destinados a alocações “não emergenciais” como obras em infraestrutura.
Diversas das “consultas” foram rejeitadas pelo TCU e em determinado momento os principais líderes do governo, do Congresso e o próprio Presidente fizeram pronunciamento conjunto em defesa do teto.
Já o programa Renda Brasil foi deixado de fora da proposta do orçamento de 2021 (PLOA). Com apenas R$112 bilhões para despesas discricionárias (incluindo a capitalização de uma nova estatal e emendas parlamentares), a peça orçamentária refletiu o quase inexistente espaço fiscal diante das restrições do teto, mas trouxe transparência e pragmatismo quanto à trajetória da arrecadação e crescimento de despesas obrigatórias. Diante do tempo ganho com a extensão do auxílio emergencial e expectativas para criação de espaço no orçamento, a proposta para o Renda Brasil deverá ser detalhada ao longo dos próximos meses.
Nesse contexto, reconhecemos que a situação fiscal é extremamente delicada. Porém, seguimos otimistas quanto ao não rompimento do teto de gastos em 2021. O governo deve apresentar em setembro a PEC do Pacto Federativo, que pretende viabilizar o acionamento de gatilhos previstos no texto do teto de gastos, como o congelamento de concursos, benefícios e novos gastos obrigatórios. Além disso, a desvinculação, desobrigação e desindexação de recursos ajudarão a criar algum espaço para acomodar no orçamento o novo programa de transferência de renda, além de flexibilizar a divisão dos recursos. Um outro sinal positivo dado pelo governo foi o envio da Reforma Administrativa, que altera a estrutura do funcionalismo público e estava sendo cobrada pelo Presidente da Câmara, Rodrigo Maia – embora o impacto fiscal de curto prazo seja virtualmente nulo, ao não incluir servidores atuais.
O mercado de juros segue precificando uma considerável deterioração da situação fiscal do país nos próximos anos, com uma Selic de quase 7,0% até o final de 2022. Continuamos com a visão de que os vértices intermediários estão com prêmio considerável, mas esperamos que o processo de redução seja lento, dada a dificuldade de articulação política para a aprovação das reformas tributária, administrativa e a federativa.
Por fim, não tivemos mudanças nos discursos dos diretores do Banco Central desde a última reunião, onde foi introduzido o “forward guidance”. A taxa Selic deve ficar estável em 2,00% até, pelo menos, o segundo semestre de 2021 e as palavras do presidente do BC, Roberto Campos, resumem bem a atual situação: “Neste momento, o Banco Central é o passageiro, o piloto é o fiscal. O fiscal é o nosso leme hoje em dia”.
Na inflação, o IPCA de agosto veio levemente abaixo do esperado (0,24%), mas com os núcleos rodando perto de zero e alimentação no domicílio acelerando. Desde julho, diversos preços de commodities agrícolas tiveram forte aceleração (arroz, soja, milho, boi etc.), sendo motivo para diversas reportagens e questionamentos sobre a alta nos preços de alimentos. Não existe um motivo único para a recente elevação, mas uma conjunção de fatores de oferta e demanda para cada categoria, como auxílio emergencial, safra ruim, clima, câmbio e exportações para China. Com a incorporação desses choques, revisamos o IPCA de 2020 de 1,4% para 1,7%, e de 2,7% para 2,6% em 2021. Importante ressaltar que praticamente toda a revisão foi concentrada em alimentação no domicílio, não alteramos a nossa expectativa de que os núcleos devem seguir bem-comportados e com suave aceleração ao longo de 2021.
Na primeira semana de setembro, o IBGE divulgou a queda de -9,7% na economia brasileira no segundo trimestre. O resultado, abaixo das nossas expectativas (-8,0%), não foi qualitativamente suficiente para impor revisão ao PIB de 2020 (-4,8%) e 2021 (+3,0%). O grande diferencial adveio do consumo do governo (-2,0% na expectativa XP vs -8,7% efetivo, em YoY) que sofreu modificação metodológica no trimestre para compatibilização internacional. Os outros segmentos da economia, e principalmente aqueles mais impactados pela pandemia, vieram em linha com nossas projeções ilustrando que o pior momento ficou para trás. Destaque de resultado menos negativos para a Construção Civil (segmento de maior efeito multiplicador na economia) e para Outros Serviços (intensivo em mão de obra) com queda de -5,7% e -19,8% respectivamente. Para o PIB do terceiro trimestre, projetamos uma alta de +6,8% enquanto desacelera para uma alta de +3,6% no último trimestre do ano. O resultado da PIM-PF de julho (+8,0%), já indica que a recuperação está em curso para o período. A maior fonte de incerteza mora na transição de 2020 e 2021 quando os auxílios emergenciais se esgotarem e o mercado de trabalho deverá começar a apresentar uma volta da força de trabalho em busca de emprego (principalmente no setor de serviços, o mais afetado pela pandemia).
Conclusão
Como citado ao longo da carta, o cenário de incerteza agora se vira para o horizonte de 2021. Fatores estruturais da economia brasileira prevalecerão no momento que a questão sanitária se reduzir. O andamento da agenda de reformas pode/deve ser trigger necessário para que a confiança dos agentes econômico retorne. Aliado a uma recomposição de renda significativa, a política monetária em terreno bastante estimulativo será essencial para que a demanda agregada no médio prazo não perca fôlego. Entretanto os riscos fiscais e inflacionários sempre serão motivos de preocupação sobre em qual ritmo será a retomada da economia brasileira.
De fato, os estímulos fiscais e monetários foram bastante expressivos quando comparado internacionalmente e principalmente contra os nossos pares emergentes. Os efeitos dessas injeções perdurarão ainda pelos próximos trimestres, mas quando relativizados com a queda de produto no primeiro semestre e o tamanho do dispêndio no combate à pandemia, observamos estarmos próximos da média mundial (gráfico acima). Com uma recessão na atividade econômica de -11,9% no período e de estímulos na casa do 11,8% do PIB, o Brasil teve uma efetividade dos estímulos similar ao dos EUA, mas bastante aquém ao da Coréia do Sul e da China.
Ainda é cedo para compreender a efetividade dos estímulos fiscais e monetárias sobre cada economia, até porque a questão pandêmica ainda não foi solucionada. Entretanto fica cada vez mais evidente (em um mundo/país ainda mais endividado) que perseverar na agenda de reformas seja a única saída para que o nível de produtividade da economia brasileira consiga esboçar algum crescimento maior e sustentável no médio e longo prazo.
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