Nos últimos dias, os mercados foram afetados pelas preocupações em torno do setor bancário dos Estados Unidos após o colapso do SVB. O banco foi fortemente afetado pela sua base de clientes com alta exposição ao setor de tecnologia e sua carteira sensíveis a variação das taxas de juros. Enquanto não vemos o mesmo cenário como a crise de 2008, os bancos estão sob uma regulação mais rigorosa e mais capitalizados, não significa que o sistema seja à prova de falências. Além disso, preocupações em relação à estabilidade financeira levaram os mercados a reajustar agressivamente suas expectativas de política monetária. Caso Federal Reserve adote uma postura mais flexível, poderemos ver o Copom discutindo cortes na taxa de juros também, o que é positivo para os ativos brasileiros. No entanto, o Brasil está sujeito à aversão global ao risco e discussões quanto à política econômica doméstica continuam sendo a principal pauta por aqui.
Nos últimos dias, os mercados foram afetados pelas preocupações em relação ao setor bancário dos Estados Unidos após o fechamento de dois bancos americanos, o Silicon Valley Bank e o Signature Bank, pelos reguladores — gerando comparações com a Crise do subprime de 2008. Refletindo esses temores, nesta segunda-feira (13) os bancos europeus e os bancos regionais dos Estados Unidos amanheceram em queda.
O colapso do Silicon Valley Bank (SVB)
Fundado em 1983, o Silicon Valley Bank (SVB) foi um importante motor para o sucesso da indústria de tecnologia. Apesar de ser pouco conhecido pelo público geral, o SVB era o 16º maior banco em tamanho de ativos dos Estados Unidos, com mais de US$ 200 bilhões em ativos e US$175 bilhões em depósitos. O SVB havia bastante exposição a startups apoiadas por Venture Capitals (VCs), sendo o banco preferido pelo setor de tech.
Com o boom do setor em 2020 e 2021 devido ao ambiente de baixas taxas de juros (que levou ao aumento do apetite de risco dos investidores) e à alta demanda por serviços de tecnologia, os investimentos aumentaram — assim como os depósitos no SVB, que foram de US$ 61 bilhões para US$ 189 bilhões.
Com esses depósitos, o SVB comprou títulos o governo e títulos privados de hipotecas (MBS na sigla em inglês), divididos em duas estratégias: disponíveis para venda (em inglês, Available For Sale ou AFS) e mantidos até o vencimento (Held to Maturity, ou HTM). A maioria desses investimentos foi para a estratégia HTM, com títulos de rendimento mais alto e vencimentos mais longos. O problema é que os ativos HTM não são marcados a mercado no balanço.
Os problemas vieram quando o Federal Reserve começou a aumentar as taxas de juros. A combinação de (i) aumento das taxas, (ii) redução de investimentos de risco, como o de VCs, e (iii) aumento da queima de caixa pelas startups tiveram um impacto direto nas operações do SVB.
Além disso, a base de clientes do SVB, composta principalmente por startups focadas em tecnologia, enfrentou desafios devido à escassez de liquidez à medida que os IPOs e o financiamento de VCs se tornaram escassos.
Eventualmente, a FDIC foi obrigada a tomar o controle do SVB — o problema agora era que o órgão só garante depósitos de até US$ 250.000, e mais de 90% dos depósitos do SVB estavam acima desse valor.
Resposta dos reguladores
No último final de semana, o Federal Reserve, o FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation, que tem papel semelhante ao do FGC no Brasil) e o Tesouro americano anunciaram um programa de financiamento a termo de bancos (BTFP) de US$ 25 bilhões que oferece empréstimos de até um ano para bancos e outras instituições depositárias elegíveis, com o objetivo de mitigar quaisquer problemas de liquidez que elas possam enfrentar. Além disso, os órgãos anunciaram na segunda-feira (13) que mesmo os depósitos não segurados do SVB e do Signature Bank seriam protegidos. A reação rápida dos reguladores levou os mercados a reagir relativamente bem na segunda, com queda nas taxas de Treasuries como consequência de expectativas de um Fed menos contracionista (falaremos mais sobre esse assunto a seguir).
Risco sistemático vs. risco intrínseco: estamos revivendo 2008?
Esse colapso é o início de uma grande crise? Acreditamos que não. Desde 2008, os bancos estão sob uma regulação mais rigorosa e mais capitalizados. O grande problema com o SVB foi a desalinhamento de prazos de títulos e a má gestão de risco. Portanto, há uma grande diferença entre os efeitos do SVB no mercado e o que aconteceu em 2008. Durante a Crise do Subprime, os bancos estavam todos fortemente expostos uns aos outros, e expostos a títulos de hipotecas muito ilíquidos que haviam criado.
Como visto no gráfico ao lado, o volume de depósitos no SVB cresceu rapidamente, de forma que utilizá-lo na concessão de crédito de forma mais criteriosa parecia impraticável. Como resultado, o banco passou a alocar capital em títulos do governo para obter um melhor retorno. Por outro lado, esse não parece ser o cenário para os grandes bancos: vemos o Citi (C), o Bank of America (BAC) e o Wells Fargo (WFC), que são mais ativos no mercado de crédito, em uma posição mais confortável. Até mesmo o JP Morgan (JPM) e Morgan Stanley (MS), que dependem um pouco mais das atividades de investment banking, têm taxas mais altas de empréstimos em relação aos depósitos (em inglês, LTR).
Portanto, o risco de um descompasso entre ativos e passivos nos balanços dos principais bancos parece controlado. Uma grande preocupação poderia ser um aumento repentino nas taxas de inadimplência. Porém, como a economia dos Estados Unidos parece sólida e a taxa de desemprego continua baixa, não parece ser o caso.
Além disso, o SVB adotou uma abordagem mais arriscada ao alocar uma grande parte de sua pequena carteira de títulos em seu balanço na estratégia HTM. Ao analisar os outros grandes bancos, aqueles que têm uma porcentagem menor de títulos em HTM também parecem ter uma quantidade adequada de títulos em AFS para cobrir as necessidades de liquidez de curto prazo. Como resultado, não esperamos que um evento de marcação a mercado repentina seja um fator que prejudique os lucros desses grandes bancos no futuro.
Como os mercados reagiram
Os impactos do colapso do SVB levaram a um aumento do sentimento de aversão ao risco nos mercados. Do ponto de vista macroeconômico, o Federal Reserve pode enfrentar um panorama ainda mais incerto no futuro.
Alguns dias antes do surto no sistema bancário, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que o FOMC teria que apertar ainda mais a política monetária e sinalizou que estaria preparado para reacelerar o ritmo de alta dos juros devido à inflação persistente e mercado de trabalho apertado. No entanto, acreditamos que as recentes preocupações com a estabilidade do sistema financeiro vão tomar o centro das atenções na próxima reunião, praticamente eliminando qualquer possibilidade de um aumento de 50 bps, mesmo que os dados de inflação referentes a fevereiro, a ser publicada na terça-feira (14), venham significativamente acima do esperado. No cenário menos provável, em que novas evidências sugeririam que a ameaça ao sistema financeiro pode ser mais generalizada, o Fed pode até optar por estrategicamente pausar o ciclo de alta de juros até que as incertezas se amenizem. Ainda assim, nosso cenário-base permanece de que não haverá uma deterioração significativa do sistema financeiro e que o Fed manterá o ritmo de aperto em 25 bps em sua reunião de março.
Daqui para frente, as perspectivas são ainda mais incertas. Desde o colapso do SVB, a precificação do mercado da taxa básica de juros dos EUA mudou agressivamente, e agora sugere uma taxa terminal mais baixa e o início do ciclo de flexibilização já em julho deste ano.
No entanto, com incertezas persistentes tanto do lado da inflação quanto do sistema financeiro, acreditamos que os mercados permanecerão muito sensíveis às novas informações nos próximos dias. Caso os choques se mostrem idiossincráticos e as preocupações com o sistema financeiro amenizem, o Fed deve conseguir retomar seu ciclo de aperto monetário até que haja evidências claras de que a inflação está convergindo para a meta de forma sustentável. Por outro lado, caso o choque no sistema financeiro se revele um problema sistemático com impactos de longo prazo, o Fed não teria escolha senão flexibilizar as condições financeiras e aumentar a liquidez do mercado para amenizar o impacto sobre a economia agregada. Nosso cenário-base é que a primeira opção se materializará.
É importante ressaltar que o setor financeiro funciona como uma espinha dorsal para as economias, portanto, vemos a recente ação dos reguladores para conter os impactos e o risco sistêmico como necessária e positiva no momento.
Ainda assim, enfatizamos que parece ser cedo para fazer comparações com 2008. O ambiente regulatório daquela época era bastante diferente. Hoje, temos níveis de capital regulatório maiores, níveis de alavancagem mais baixos e regras mais duras sobre empréstimos. Além disso, o tamanho e a influência do Silicon Valley Bank no setor bancário são menos significativos do que o Lehman Brothers e o Bear Stearns na época. Embora isso torne o ambiente mais seguro hoje, não significa que o sistema seja à prova de falências, como estamos vendo com os últimos recentes.
Com isso, as ações de bancos regionais americanos têm sido as mais punidas. O colapso do SVB poderá deteriorar a confiança das pessoas nos bancos menores e regionais, e consequentemente motivar uma transferência de dinheiro desses bancos menores para os grandes.
Impactos no Brasil
Para o mercado brasileiro, temos que lembrar que também estamos em um cenário incerto. A dúvida em relação à política macroeconômica futura permanece, em especial como se dará a política fiscal e a política monetária. Essa incerteza traz dúvidas em relação ao crescimento, taxas de juros, inflação, endividamento do governo e outros indicadores-chave para a economia.
Dito isso, diante da possibilidade de que a crise nos bancos regionais americanos force o Fed a ter uma postura mais frouxa em relação à taxa de juros, como está sendo precificado, o mercado passou a precificar, na curva de juros, um espaço para o Copom também cortar juros já no segundo semestre desse ano. Um início de ciclo de afrouxamento dos juros no Brasil pode ajudar os ativos brasileiros, como a Bolsa, e os títulos pré-fixados.
Mas é importante lembrar que o Brasil é um mercado emergente, e tem uma sensibilidade/volatilidade maior que mercados desenvolvidos em um evento de aversão a risco global. Dessa forma, não estamos isolados do resto do mundo, e os acontecimentos lá fora seguirão tendo impacto nos preços de ativos por aqui.
Nesse cenário, é importante adotar uma posição mais defensiva, com ações de boas empresas, que geram caixa, pagam dividendos, e são de setores que consigam navegar em tempos mais turbulentos. Nossos três temas de investimento na Bolsa seguem inalterados: 1) Commodities, 2) Empresas com crescimento secular e 3) Empresas de qualidade que estão negociando a preços razoáveis. Acesse as nossas últimas visões e carteiras para a Bolsa brasileira no último Raio XP.
Possíveis impactos para os bancos brasileiros
O ciclo de aperto monetário do Fed foi um dos grandes responsáveis pela crise e eventual falência do SVB e do Signature Bank. No entanto, como dissemos, algumas especificidades da operação do SVB pioraram o resultado desse aperto, como: i) baixa taxa de empréstimos em relação aos depósitos; ii) base de clientes concentrada; e iii) regulação flexível (embora fosse o 16º maior banco dos EUA em ativos, o SVB nunca foi submetido ao requisito de liquidez de curto prazo do Federal Reserve).
Com base no que vimos no mercado dos EUA, analisamos a situação dos bancos brasileiros para tentar mapear possíveis impactos decorrentes do caso do SVB. Assim, realizamos uma análise dos seguintes indicadores: i) razão de empréstimo por depósitos; ii) margem com marcação a mercado; iii) Títulos mantidos até o vencimento e participação das LFTs; e iv) Indicador de Liquidez de Curto Prazo (em inglês, LCR).
1) Razão de empréstimo por depósitos
O principal negócio de um banco deve ser emprestar dinheiro. Sob esse ângulo, quanto mais alta a razão de empréstimos em relação a depósitos, menor o risco de a marcação a mercado de títulos afetar os lucros dos bancos.
Nossa visão: Em geral, os bancos brasileiros apresentam números saudáveis. Os números do Nubank parecem mais fracos em relação ao restante da cobertura, mas é necessário fazer alguns ajustes nos valores de depósitos, como: US$ 4 bilhões são em dinheiro, enquanto US$ 3 bilhões são depósitos compulsórios e reservas mantidas no Banco Central. Vale ressaltar que NUBR33 alcançou 53 milhões de clientes, o que significa que, em média, cada um detém menos de R$ 250 mil na instituição — ou seja, os depósitos seriam cobertos pelo FGC, em grande parte. Por fim, em dezembro de 2022, o Nu consolidou mudanças no valor justo acumulado em OCI em US$ 22 milhões, ou 0,5% de sua posição consolidada de patrimônio líquido.
2) Margem Financeira com o Mercado
Embora nem todos os bancos apresentem essa informação de forma clara, essa linha do resultado mostra o quanto as atividades de tesouraria são relevantes para o lucro dos bancos.
Nossa visão: Embora as cifras dos bancos listados não sejam totalmente comparáveis, é possível ver que a Margem Financeira com o Mercado (tesouraria) é relevante, mas não gera mais lucros do que as operações de crédito. Além disso, vemos que os números de 2022 já foram impactados pelo aumento das taxas de juros no Brasil. Espera-se que haja mais impactos em 2023, mas não tão relevantes quanto no ano anterior, uma vez que não há expectativa de mais aumentos da Selic.
3) Títulos mantidos até o vencimento e LFTs
A proporção de ativos mantidos até o vencimento em relação ao portfólio total nos ajuda a entender os possíveis efeitos negativos sobre os lucros futuros devido à marcação a mercado de ativos financeiros.
Nossa visão: outro aspecto que acabou prejudicando o SVB foi a proporção maior de títulos mantidos até o vencimento. Entre os bancos brasileiros, a maior proporção é do Itaú (22%), mas o número não está muito distante dos concorrentes (cerca de 12%). Além disso, é importante destacar uma diferença significativa entre os mercados de títulos brasileiro e americano: por aqui, existem títulos do governo de longo prazo pós-fixados, indexados à taxa Selic — as LFTs. Nos EUA, títulos similares têm prazos mais curtos. Como resultado, os bancos brasileiros podem investir em títulos que sofrem menos durante os ciclos de aperto monetário.
4) Indicador de Liquidez de Curto Prazo (em inglês, LCR)
Por fim, investigamos se a quantidade de ativos líquidos de alta qualidade é suficiente para financiar saídas de caixa por 30 dias. Em outras palavras, medimos a capacidade da empresa de cumprir suas obrigações financeiras de curto prazo através desse indicador.
Nossa visão: O Indicador de Liquidez de Curto Prazo é um requisito apenas para os grandes bancos (S1). O limite mínimo é de 100% e, como podemos ver, todos os bancos superam facilmente a meta. Como resultado, mesmo em um cenário de estresse, pressionado para saques de depósitos, entendemos que os bancos incumbentes estão em boa posição para atender à possíveis aumentos na demanda por liquidez.
Nossa perspectiva geral para o setor financeiro
Embora os últimos eventos nos Estados Unidos devam aumentar a percepção de risco dos bancos em todo o mundo, vemos os bancos brasileiros bem posicionados para possíveis pressões negativas, em grande parte: i) por manterem indicadores de balanço saudáveis; ii) pela expectativa de manutenção da Selic em 13,75% (com grande parte dos efeitos do aperto no ciclo monetário já refletindo nos números de Margem Financeira com o Mercado); e iii) considerando os valuations descontados, que devem amortecer futuras desvalorizações;
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