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A guerra e suas consequências para a economia global

por Newton Rosa* O mundo todo acompanha boquiaberto o conflito na Ucrânia, que já dura mais de um mês e vem ocupando posição de destaque nos noticiários. Engana-se, no entanto, quem pensa que uma invasão no longínquo Leste Europeu, e a mais de 11 mil quilômetros de distância do Brasil, não tem impacto na vida […]

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por Newton Rosa*

O mundo todo acompanha boquiaberto o conflito na Ucrânia, que já dura mais de um mês e vem ocupando posição de destaque nos noticiários. Engana-se, no entanto, quem pensa que uma invasão no longínquo Leste Europeu, e a mais de 11 mil quilômetros de distância do Brasil, não tem impacto na vida de milhões de cidadãos aqui e de bilhões de pessoas ao redor do mundo. A verdade é que a guerra vem tornando a vida de todos nós mais cara por meio da alta dos alimentos e dos combustíveis, entre outros pontos.

Desde o início da disputa, em 24 de fevereiro, os economistas vem tentando calcular como reagiriam os mercados mundiais e qual seria a reação dos ativos em relação à guerra. É necessário lembrar que existia, e ainda existe, muita incerteza sobre a duração e a intensidade desta invasão. Pensamos, então, em estabelecer três cenários, e em cada um deles traçamos o comportamento do mercado financeiro e da economia global.

Pré-conflito

Primeiro, temos que elencar algumas premissas pré-guerra. Antes da contenda, por volta de dezembro de 2021 e janeiro de 2022, quando tropas russas começaram a se concentrar em regiões próximas à Ucrânia, o mundo todo pensava: “vai ser um passeio”. Afinal, a proporção entre o exército russo e o ucraniano era grande e pensávamos que seria um conflito rápido, culminando em vitória avassaladora da Rússia.

E mais: Zelensky era um comediante antes de entrar na vida política, sendo alçado ao cargo máximo de seu país, após golpe de estado que derrubou o presidente pró-Rússia. Pensávamos que, rapidamente, ele seria destituído e um novo governo assinaria acordo com o país soviético.

Isso não se confirmou. E do ponto de vista de estratégia militar russa, também houve equívocos. Logo que se invade uma nação, é necessário tomar suas posições estratégicas em poucos dias. Caso contrário, não há avanço. A Rússia “patinou” e não conseguiu o progresso militar almejado, com os estrategistas perdendo o controle da situação. Recorreram, então, a bombardeios à distância.

Zelensky, por outro lado, surpreendeu o mundo. Ao seguir em Kiev defendendo a Ucrânia, ele elevou a moral da população e das tropas de seu país. Conquistou também a solidariedade da comunidade internacional, teve apoio militar, financeiro e de mantimentos por parte de diversos países. Com essa postura, ele conseguiu manter a Ucrânia unida no sentido de resistir ao invasor.

O fator OTAN

A causa do conflito tem sido imensamente debatida por especialistas em relações internacionais e geopolítica. Mas há um certo consenso de que a OTAN, o Tratado do Atlântico Norte, é a raiz da questão. A aproximação entre Ucrânia e a aliança militar das potências do Ocidente há alguns anos tem gerado dor de cabeça à Rússia, a ponto da situação se tornar tão incontornável que culminou na invasão iniciada em 24 de fevereiro.

Mas estamos aqui para falar de economia. E a Rússia não é uma economia forte. Pelo contrário. Quando os russos invadem, existe por parte deles um interesse enorme em uma das maiores reservas inexploradas de gás natural do mundo. Moscou não reúne condições de tomar Kiev, absorver e administrar todo o país vizinho. A invasão, na verdade, teria como real intenção a anexação das regiões russófilas da Ucrânia (como Donbass e Luhansk) e o controle das reservas inexploradas de gás natural.

A Rússia responde por 12% da produção mundial de petróleo e por 17% da produção de gás natural. Junto com a vizinha Ucrânia, é responsável por um terço da produção mundial de trigo e um quarto da produção global de milho. Ao lado de Belarus, a Rússia responde por 23% da oferta mundial de fertilizantes. Mas quando você coloca sanções sobre esta imensa nação, você gera escassez e aumento de preços, o que, em efeito cadeia, afeta todo o planeta.

Cenário 1: probabilidade de 60%

Com base neste cenário de guerra apresentado acima, começamos a traçar uma hipótese, a mais realista delas, com probabilidade de 60% de se configurar na prática: o fim da guerra através de negociação diplomática entre as partes.

Neste cenário, a Ucrânia aceita a neutralidade em relação à OTAN, abrindo mão da demanda de pertencer à aliança militar, confere autonomia às regiões separatistas de Donbass e Luhansk e a Rússia mantém a Crimeia anexada.

Como consequência direta na economia global, o preço do petróleo, hoje, em cerca de 120 dólares o barril, volta a um patamar pré-conflito, as commodities retornam a um nível pré-guerra no segundo semestre e parte das sanções à Rússia são suspensas.

Cenário 2: probabilidade de 30%

O segundo cenário estabelecido tem probabilidade de 30% de se concretizar. É aquele no qual a Ucrânia segue na guerra até ser derrotada militarmente e se render, em que a economia sofre um efeito devastador em cadeia. O petróleo vai a 150 dólares o barril, o gás natural também sobe a preços recordes, a menor oferta de gás impõe racionamento à demanda, há restrições na oferta de insumos importantes no mundo todo e uma queda da confiança de empresários e consumidores. A inflação, então, se eleva muito. Tudo isso, combinado, se traduz em menores gastos e menores investimentos, o que afeta seriamente a economia – a europeia em maior grau e a norte-americana em menor nível.

Os cenários 1 e 2 são os mais prováveis, totalizando 90% de chance de concretização. Mas, é aí que vem a terceira hipótese mais perigosa a seguir.

Cenário 3: probabilidade de 10%

O último cenário de projeção desta guerra entre Rússia e Ucrânia é também o mais perigoso e apocalíptico. Nele, o conflito ganha escala global, atraindo outros países para a disputa a partir da entrada da OTAN na Ucrânia. A eclosão de uma quase Terceira Guerra Mundial, como é de se imaginar, traz consequências inimagináveis para o mundo que hoje conhecemos. Teríamos a interrupção total do fornecimento de petróleo e gás natural, a subida dos preços das commodities a patamares históricos, a inflação a níveis gigantescos, a queda dos preços dos ativos nas bolsas de valores e mudanças radicais nas condições econômicas, que levariam a respostas drásticas de política econômica em um nível global.

Acho, particularmente, muito difícil que a guerra chegue a essas proporções, uma vez que isso significaria uma iminente guerra nuclear em seguida. Mas e se acontecer? 

O salto que o trigo deu em 31 de janeiro, às vésperas da invasão, cerca de 43%, e o índice geral das commodities saltando 15% já são indícios. Imagine tudo isso recebendo um novo choque de oferta, com os preços lá em cima e o efeito recessivo sobre a economia global? Um cenário de verdadeiro caos.

Os bancos centrais, que estavam prontos para subir suas taxas básicas de juros, agora se veem diante de outro quadro. Nos EUA, menos afetados pela guerra, o Fed, seu banco central, vai combater a alta dos preços pois acredita que a atividade americana vai resistir à alta dos juros e fazer o que for necessário para trazer a inflação, hoje em 8% ao ano, o mais próximo possível de sua meta, que é de 2%, sem grande preocupação com atividade econômica.

Já a Europa vê a guerra em seu quintal. O banco central europeu provavelmente será muito mais cuidadoso e vai aguardar os desdobramentos da guerra e seus efeitos sobre a economia para tomar decisões políticas impactantes. As curvas futuras de juros estão todas apontando para o alto, antecipando movimentos dos bancos centrais da UE.

Mas e o Brasil?

Hoje temos uma situação de economia estagnada por aqui, com juros em patamares restritivos, inflação elevada, desemprego em alta e renda do trabalho em queda. Do ponto de vista de inflação, há inúmeros fatores pressionando pela alta dos preços. Além do conflito no Leste Europeu, uma quebra de safra no Sul, devido à seca, mantém o viés de alta para alimentação; cotações do petróleo acima de 110 dólares/barril geram pressões adicionais; preços industriais e de serviços rodam acima da meta inflacionária; e também a inércia inflacionária reflete em aluguel e serviços intensivos em mão de obra.

Com tudo isso, o Banco Central brasileiro deve continuar praticando política monetária fortemente contracionista, com juros reais como há muito não víamos, de modo a trazer a inflação de volta para a meta. O consumo deve perder muito do seu poder, principalmente para a população que vê seu poder de compra corroído. A grande preocupação do governo, hoje, é impedir a desancoragem de expectativas da inflação para os próximos dois anos.

Neste cenário, o único ponto que pode atenuar a situação econômica em nosso país é que as exportações brasileiras sejam favorecidas com a alta das commodities, uma vez que somos grandes exportadores.

*Newton Rosa é economista-chefe do Grupo SulAmérica

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