Na última sexta-feira, fizemos uma conferência com nossa rede de assessores para falar com um pouco mais de detalhes sobre o que atrapalha os retornos dos fundos de Crédito Privado nesse mês de março, que já ficou marcado pela crise mais rápida da história.
Segue abaixo um resumo de tudo o que foi discutido, quebrando a conversa em duas grandes seções:
I) Fundos de Crédito “High Grade”
II) Fundos de Crédito “High Yield”
I) Fundos de Renda Fixa com exposição a Crédito “High Grade” (baixo a médio risco)
Muitos investidores se questionam por que seus fundos de Renda Fixa tidos como conservadores estão com retornos abaixo do CDI ou mesmo com retornos negativos no mês.
De uma amostra com mais de 200 fundos dessa categoria, o retorno médio até o dia 19/03/2020 era de -0,27% no mês e de 0,41% no ano (pouco mais de 40% do CDI).
Segregando entre os fundos com liquidez em até 7 dias (geralmente os mais conservadores) e aqueles com prazos de resgate maiores, o retorno médio do primeiro grupo é de -0,13% no mês contra -0,47% do segundo grupo.
A razão das perdas é um fator técnico (“Marcação a Mercado) caracterizado principalmente pela diminuição da liquidez no mercado secundário de crédito como um todo. Por conta da forte correção nos preços de quase todas as classes de ativos, muitos investidores se desfazem de suas posições em fundos de crédito ou para reduzir o risco da carteira ou para aproveitar oportunidades em mercados mais arriscados (como o de Ações ou o de Fundos Imobiliários).
Como resultado, os gestores dos fundos de crédito precisam vender debêntures, letras financeiras e outros títulos privados no mercado secundário para pagar os resgates. Como a pressão vendedora como um todo tem sido maior do que a pressão compradora, os preços desses títulos acabam caindo – num movimento parecido com o que vemos no mercado acionário e até mesmo nos títulos públicos atrelados à inflação (Tesouro IPCA ou NTN-B).
Fora isso, em meio a um cenário de provável recessão econômica e incertezas, aumenta a preocupação dos investidores em relação a possíveis calotes de empresas emissoras dos títulos que compõe a carteira dos fundos, o que leva a um terceiro motivo para resgates de investidores.
Deve-se temer, no entanto? É bom resgatar agora?
No curto prazo, o risco de crédito das empresas ainda não preocupa os gestores dos fundos em geral. Primeiramente, pelo fato de haver grande exposição a títulos bancários (com bancos em boa situação creditícia no momento). Segundo, pelas características do nosso mercado de debêntures:
- a maior parte dos emissores presentes nas carteiras desses fundos são empresas tidas como defensivas, que não dependem tanto do crescimento econômico para gerar caixa e que sofrerão de maneira baixa ou moderada com uma recessão. Empresas de utilidades públicas, como energia elétrica e saneamento, podem até ter alguma redução nos resultados por conta da crise, mas, em sua maioria, dificilmente terão problemas para cumprir com suas obrigações.
- mesmo em setores que sofrerão mais com quedas significativas de receita nos próximos meses, como os de varejo e de locadoras de veículos, por exemplo, as empresas emissoras presentes nos fundos geralmente são as maiores ou líderes de seus setores e estão com boa ótima saúde financeira.
Por fim, o carrego dos fundos (retorno esperado) aumentou substancialmente com essa crise. Pegando como exemplo uma amostra com as debêntures mais negociadas do mercado, que perfazem grande parte da alocação dos fundos, o retorno médio saiu de CDI+1,28% há pouco tempo atrás para CDI+1,79% recentemente (quase 150% do CDI). Esse o patamar mais alto visto em toda a série histórica do índice, indicando que as debêntures, em geral, negociam com preços bastante atrativos.
Gestores ainda não vêem o risco de crédito como um problema, mas estão cautelosos
Todos os gestores de fundos crédito privado e suas equipes de análise fizeram revisões em seus modelos e, por enquanto, não vêem piora significativa na qualidade dos papéis que possuem.
Mesmo assim, estão focados em manter o caixa dos fundos em nível mais alto para cobrir eventuais resgates.
Oportunidades e riscos
Com as quedas nos preços dos papéis em geral, tanto debêntures quanto letras financeiras estão com taxas implícitas de retorno (“carregos”) em patamares cada vez mais atrativos. Isso significa que, se por um lado houve queda atípica nas cotas dos fundos no curto prazo, também é alta a probabilidade de que vejamos cotas anormalmente mais altas nesses fundos ao longo dos próximos meses.
Se você está alocado nesses fundos e não vai precisar dos recursos pelos próximos 6 ou 12 meses, a recomendação é para segurar seus investimentos, pois sair agora pode ser um momento ruim. Pode piorar? Com certeza, mas olhando os próximos 6 a 12 meses, é altamente provável que a liquidez desse mercado volte à normalidade e, com isso, os preços dos ativos voltem a se recuperar.
Se você está de fora, alocar um pedaço da sua carteira em gestores profissionais e experientes pode ser um bom diversificador, em conjunto com alocações em fundos Multimercados ou fundos de Ações.
O maior risco a ser monitorado é o tempo que levará para a atividade voltar à normalidade. Caso as empresas fiquem paradas por muito mais tempo, podemos ter uma piora do risco de crédito e aumento da aversão a risco com esse mercado, que será acompanhado de grandes oportunidades de investimento – assim como vemos na bolsa.
As medidas de estímulo ao mercado de crédito recém-anunciadas pelo Banco Central são uma arma poderosa que devem fazer com que os riscos desse mercado sejam reduzidos, no entanto. O BC se mostrou bastante atento a esse mercado e disse que está monitorando de perto para implementar novas medidas de estímulo, caso sejam necessárias.
II) Fundos de Renda Fixa com exposição a Crédito “High Yield” (risco moderado a alto)
Os fundos de crédito high yield, também chamados de fundos de crédito estruturado, investem principalmente em ativos com perfil de risco de crédito moderado a arrojado. Entre os fundos presentes na Plataforma da XP, uma de suas características, além de incorrerem em maior risco de crédito, se comparado aos fundos de crédito high grade, é o fato de que os ativos em que investem são menos negociados por outros fundos – a liquidez no mercado secundário, na maioria das vezes, é baixa.
Por esse motivo, em geral, os ativos ficam nas carteiras dos fundos até o vencimento. Nesse caso, o resultado é que o preço dessas debêntures ou FIDCs, por exemplo, não sofre por movimentos tão intensos de venda, como tem acontecido no universo das debêntures e de emissões bancárias. Com isso, diferentemente dos fundos de crédito high grade, a maioria dos fundos high yield não tem apresentado grandes oscilações em meio à crise. Obviamente, existe risco e o impacto negativo para os fundos se dá pelo aumento do risco de crédito de suas operações no médio prazo. Nesse ambiente, os gestores têm revisado diariamente o risco dos ativos dos portfólios, a fim de antecipar o possível aumento de inadimplência das empresas para poderem já “sentar à mesa” com empresários e discutir novos termos de pagamento, se for o caso. Por outro lado, existem alguns fatores que ajudam a preparar as estratégias para tais riscos.
Parte desses fundos – como é o caso de Solis Capital Antares, Valora Guardian, Empírica Lótus, Vinci Crédito Estruturado – investem majoritariamente ou em tamanhos importantes em FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), os quais apresentam um mecanismo de proteção chamado de subordinação.
A subordinação é um percentual do patrimônio do fundo investido que assumirá a primeira parcela do risco de inadimplência, caso essa ocorra, gerando um “colchão” para o retorno dos fundos de crédito, que investem nas chamadas cotas seniores ou mezanino dos FIDCs. Segundo os gestores, em meio à crise, o grau de subordinação dos FIDCs em geral está acima da média histórica, o que traz mais proteção caso o nível de inadimplência das empresas venha a aumentar.
Ainda em relação aos FIDCs, como aqueles que focam em operações de desconto de recebíveis de empresas, os gestores têm alegado que os fundos têm priorizado operações em setores menos expostos à crise, ou então reduzido a concessão de crédito a empresas, aumentando o nível de caixa (aplicado em títulos públicos pós-fixados, geralmente). Como as operações possuem prazo médio de 30 a 60 dias, em um curto período o FIDC recebe de volta o recurso emprestado e pode optar por não realizar novas operações, ou mesmo devolver parte do patrimônio aos seus cotistas.
Por fim, para os fundos de crédito high yield que investem em bonds (títulos de crédito negociados fora do Brasil), como o Augme 180, vimos maior impacto negativo na performance, dada a natureza de maior oscilação desse tipo de ativo no mercado internacional.
Conforme mostramos na tabela abaixo, em geral, os fundos de crédito High Yield sofrem menos, no curto prazo, do que os fundos de crédito High Grade, pelo fato de seus ativos não terem tantas negociações no mercado secundário e, por essa razão, não sofrerem com a marcação a mercado.
Vale a pena manter investimentos nesses fundos ou entrar agora?
Como há diversos títulos de empresas maiores e mais defensivas negociando a taxas estressadas, por conta da força vendedora dos fundos High Grade, temos notado vários fundos High Yield deixando de investir em títulos de empresas mais arriscadas para entrar em operações com empresas de risco mais moderado, num movimento não óbvio de diminuição de risco das carteiras desses fundos sem abrir mão dos retornos mais altos que se propõem a entregar.
Por essa razão, continuamos vendo esses fundos como uma boa opção de diversificação para as carteiras de investimento dos investidores. É essencial, no entanto, ter um horizonte de investimentos mais amplo, idealmente de pelo menos 24 meses.
Se você ainda não tem conta na XP Investimentos, abra a sua!