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Entre a cruz e a espada: os dilemas econômicos e humanos em tempos de pandemia e inércia

A situação atual, em termos econômicos e humanos, não encontra muitos paralelos na história recente. Os casos mais próximos, talvez, são os de guerras e catástrofes naturais de grandes proporções. O coronavírus avassala a saúde e a economia e nos força a pensar como fazer frente a ele e aos seus efeitos. Fazer projeções de […]

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A situação atual, em termos econômicos e humanos, não encontra muitos paralelos na história recente. Os casos mais próximos, talvez, são os de guerras e catástrofes naturais de grandes proporções. O coronavírus avassala a saúde e a economia e nos força a pensar como fazer frente a ele e aos seus efeitos. Fazer projeções de cenário econômico, algo que já envolve muita incerteza em condições normais, torna-se tarefa quase impossível nesse momento. Além disso, tais projeções dependem, em grande medida, da entrega e da efetividade de políticas econômicas do governo.

Qual é o cerne da questão? A pandemia pode colapsar a saúde, eventualmente esgotar a renda de parte considerável da população brasileira e danificar o ambiente de negócios. 

Quem são os mais afetados? Pessoas em situação de vulnerabilidade (moradores de rua, etc), população de baixa e média renda e pequenos e médios negócios.

Qual é o dilema? A quarentena serve para conter o contágio e preservar vidas. No entanto, ela impõe um alto custo social, pois debilita a economia como um todo. Assim, o dilema reside no tempo ótimo da quarentena. Se liberar muito cedo, o contágio reacelera e seguirá impondo custos humanos e econômicos. Se demorar muito, as condições econômicas podem ser profundas, podendo, inclusive, dificultar o combate à doença. 

O que fazer? A resposta técnica é: impor o tempo que gerar menor custo humano e econômico. Decidir o tempo ótimo é tarefa complexa, pois não existe uma maneira simples de objetivizar o tema.  Vidas em jogo e depressão econômica andam de mãos dadas.

Na incerteza sobre o tempo ótimo, a maioria dos países vem optando pela extensão da quarentena de forma a preservar vidas humanas. Os elementos vindos de várias frentes científicas apontam que essa opção é a mais adequada nesse momento. A história e a evidência empírica do pós-pandemia responderão a questão com maior precisão. Teremos mais insumos para saber como as decisões dos países salvaram mais ou menos vidas e se foram mais ou menos deletérias para a economia.

Dado que o Brasil, principalmente através dos governos locais, também optou pela quarentena, a pergunta passa a ser: qual é o melhor conjunto de políticas públicas para sanar os problemas econômicos decorrentes dela? A resposta não é trivial, mas acredito que ela passa por quatro eixos principais de ação.

O primeiro: apoio fiscal irrestrito às áreas da saúde para que evite seu colapso e permita seu funcionamento em plena capacidade. Trata-se de uma questão humanitária inquestionável. Todo esforço, nosso e das gerações futuras, devem ser feitos para mitigar ao máximo esse dano irreversível. Os créditos extraordinários direcionados à saúde devem financiar novos leitos, máquinas e equipamentos (ventiladores, respiradores e etc), pagamento de profissionais da saúde (novos e aumento de jornada), testes e etc. A iniciativa privada deve participar nessa empreitada também, aumentando a sua efetividade.

O segundo: indivíduos mais afetados pela crise deveriam receber uma transferência imediata em suas contas ou, caso não possuam contas bancárias, que recebam através de vouchers e cestas de bens. Na impossibilidade de se definir quem são os recipientes de forma simples e precisa, o auxílio deveria ser concedido de forma irrestrita, isso é, todos os cidadãos. O cadastro do Bolsa Família, o sistema financeiro, em especial Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal por possuírem uma penetração grande no Brasil, e a Receita Federal podem ajudar o governo nessa tarefa nada trivial.

O montante a ser repassado pelo governo para os cidadãos e por quanto tempo isso será feito ficam abertos para debate. No entanto, é razoável que o crédito mensal não seja menor do que um salário mínimo para as pessoas físicas. Algumas medidas já anunciadas possuem essa natureza. O voucher de R$200 reais por mês para os trabalhadores do cadastro único, por três meses, e o saque do FGTS com recursos do PIS/Pasep são alguns exemplos. No entanto, elas exigem um volume considerável de burocracia para se ter acesso ao auxílio.  As medidas perdem efetividade ao exigir dos grupos afetados que se debrucem sobre regras e procedimentos para receberem tais benefícios. É verdade que a burocracia foi reduzida em várias frentes, mas ela ainda impele esses grupos a gastarem tempo para entendê-las, retardando o recebimento da ajuda. A situação torna-se ainda mais complexa no caso de famílias e empresas com pessoas adoecidas.

Outras medidas já anunciadas, tais como a antecipação da primeira e segunda parcela do 13º salário aos aposentados e pensionistas do INSS e do abono salarial, não miram os grupos mais afetados. Aposentados e pensionistas não terão seus fluxos financeiros interrompidos ou prejudicados pela crise. 

O mesmo argumento vale para micro e pequenos empresários. São inúmeras empresas do setor de comércio e serviços que já tiveram seus fluxos de caixas interrompidos bruscamente. Além disso, muitos são informais e não serão beneficiados pelas ações do Banco Central e do BNDES. Não terão suas dívidas aportadas e possuem acesso restrito a crédito. Muitos deles nem estão na carteira de crédito do BNDES ou de seus agentes financeiros e, por isso, não serão beneficiados da suspensão de pagamentos de juros e principal dos empréstimos. Além disso, até mesmo escritórios contábeis seguem sem entender como proceder com os diferimentos e deduções de outros impostos.

Esse grupo precisa ser auxiliado, o quanto antes, com linhas de crédito fáceis, baratas e desburocratizadas. O governo poderia atuar até mesmo como garantidor final em muitos casos. Bancos públicos podem e devem ser os protagonistas nessa frente.

O terceiro: existe a necessidade urgente de que governos e iniciativa privada formem um pacto social que pregue compreensão, solidariedade e pragmatismo econômico. Por exemplo:  na medida do possível, dívidas (juros e principal) podem ser postergadas sem custo ou eventualmente até perdoadas. Prestadores de serviços, quando possível, poderiam ter seus fluxos de renda preservados por seus empregadores. Esses são apenas alguns exemplos. O argumento não é exclusivamente moral. É uma forma do governo tentar coordenar as expectativas dos agentes, mantendo a economia minimamente ativa, ao mesmo tempo em que se dispõe a atuar como coordenador desse processo, evitando litígios e dando bons exemplos. As ações do BNDES anunciadas nesse domingo e de outros bancos do setor privado já vão nessa linha e podem dar o exemplo.

O quarto: é fundamental garantir o suprimento e o acesso geral a bens tidos como fundamentais. Isso requer que o governo lidere as conversas com entidades de classes para que isso seja atingido. Além disso, o governo deve garantir a logística de portos, estradas e aeroportos.

O atraso do reconhecimento do problema por parte de vários líderes dificultou que a sociedade realizasse um diagnóstico que permitisse uma resposta mais rápida. Estamos aprendendo tardiamente com os erros cometidos por outros países. Os problemas e as demandas se amontanham nas mesas de Brasília agora. Podemos evitar que a sociedade convirja para um equilíbrio negativo no qual ações não cooperativas serão as mais valiosas. Cabe ao governo dar exemplo e garantir que a ajuda chegue rapidamente aos mais necessitados. Isso requer aceitar que errou e mudar seu entendimento sobre a gravidade da situação.

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