(1) Os dados recentes mostram retomada mais forte da economia este ano e alguma pressão de curto prazo na inflação ao consumidor.
(2) Revisamos nossas projeções de PIB de -4,8% para -4,6% em 2020 e de 3,0% para 3,4% em 2021. Para o IPCA, aumentamos de 2,6% para 3,1% em 2020, mas mantivemos em 2,6% em 2021.
(3) A hipótese básica é a manutenção da regra atual do teto de gastos. Esta, no entanto, segue a principal fonte de incerteza no cenário.
(4) Neste cenário, mantivemos a expectativa de apreciação da taxa de câmbio para R$/U$ 5,20 ao final de 2020 e R$/U$ 4,90 ao final de 2021, em linha com a melhora das contas externas.
(5) Com o cenário de manutenção do regime fiscal inflação abaixo da meta para 2021, mantemos a projeção para a Selic em 2,00% a.a. ao final de 2020 e 3,00% a.a. ao final de 2021.
Editorial: Resistindo ao risco fiscal
A economia mundial está se recuperando, impulsionada pela adoção acelerada de novas tecnologias, intenso suporte governamental e a perspectiva de uma vacina para a Covid-19. Os efeitos positivos chegam na América Latina, especialmente pela retomada da demanda mundial e alta dos preços internacionais de commodities.
Neste ambiente, em que pese a alta volatilidade, os ativos financeiros se aproximam dos níveis pré-pandemia. Isso não acontece, na mesma intensidade, no Brasil.
Se acompanhasse o desempenho de outras moedas emergentes, a taxa de câmbio deveria estar entre 4,5 e 5,0 reais por dólar. As taxas de juros longas subiram, quando muitos países estão perto de zero. O risco fiscal nos faz descolar do mundo.
A discussão de prorrogar o auxílio emergencial ou transformá-lo em um bolsa família turbinado (“Renda Cidadã”) faz sentido, desde que não aumente (ainda mais) a incerteza fiscal. O Brasil foi o país que mais aumentou os gastos públicos na última década¹. Um novo programa, para ser sustentável, deve caber no teto constitucional.
Após idas e vindas, com propostas heterodoxas que preocuparam os mercados, os últimos sinais foram mais positivos. A equipe econômica parece mais próxima de parlamentares experientes e de órgãos de controle, que compreendem a importância do teto.
Por seu lado, é importante que o Banco Central atue de forma tempestiva e independente caso o fiscal se deteriore. Neste sentido, declarações recentes do Presidente do BCB colaboraram para manter a ancoragem das expectativas.
Nosso cenário base prevê a manutenção do teto como conhecemos, sem furos ou calombos para acomodar mais gastos. Se confirmado, o PIB deve crescer 3,4% no ano que vem (revisamos de 3,0% por conta dos indicadores correntes melhores) e o real tende a se apreciar.
O risco fiscal, contudo, permanece. A pressão política continuará, tanto por programas sociais quanto por mais investimento. O teto seguirá pressionado se não houver disposição para rever gastos obrigatórios. Esta indefinição deve pesar sobre o desempenho da economia e dos ativos financeiros brasileiros nos próximos trimestres.
Economia Mundial e América Latina: melhor que o esperado²
A economia mundial vem se recuperando de forma sólida. Alguns fatores vêm colaborando com a retomada em V: i) tecnologia; ii) a implementação de estímulos fiscais e monetários sem precedentes; e iii) a natureza humana, pois a população global sentiu que era preciso “tocar a vida”, tomando precauções. No começo de abril, projetávamos que a economia dos EUA iria contrair 6,0% em 2020, o que seria seguido por uma recuperação próxima a 4,0% em 2021. Nossa projeção atualizada indica queda de apenas 3,5% esse ano e crescimento de 5,0% em 2021.
A retomada na China foi ainda mais impressionante. Projetamos que o país crescerá nesse ano, pelo menos 2,5% neste ano. Para 2021 esperamos crescimento de 8,0%. Na Zona do Euro, acreditamos que a contração do PIB será menor do que o consenso do mercado, liderado pela Alemanha. Além disso, com a provável vacina e melhores fontes de tratamento, esperamos uma volta célere no setor de turismo.
A recuperação econômica mais rápida e robusta não levará à aceleração da inflação, uma vez que o hiato do produto global seguirá aberto ao longo dos próximos anos. Os Bancos Centrais devem manter a postura expansionista. O dólar americano deve se enfraquecer – nossos modelos indicam que o dólar está ao menos 20% mais valorizado em relação ao seu valor de equilíbrio de longo prazo. A normalização da economia global é consistente ainda com alta no custo de insumos básicos.
A América Latina tornou-se um dos epicentros da pandemia. A região experimentou uma das contrações econômicas mais acentuadas do globo, e vem retomando mais lentamente. Altas taxas de informalidade, desigualdade de renda e infraestrutura sanitária inadequada explicam, em parte, o desempenho pior. Para frente, esperamos que a pandemia produza efeitos duradouros sobre as empresas e mercados de trabalho, elevando os índices de pobreza e dificultando a recuperação econômica.
No entanto, acreditamos que a média dos analistas de mercado está excessivamente pessimista com as economias investment grade da região. As condições financeiras melhoraram muito durante a pandemia, graças aos impulsos monetários e fiscais. Este fator, junto com nossa visão mais otimista para EUA, Europa e China e a perspectiva de dólar fraco, deve sustentar a economia latino-americana no ano que vem. A região se beneficia especialmente de melhores volumes e preços de exportação de commodities.
No México, esperamos queda de 9,0% do PIB em 2020, uma das contrações mais profundas do mundo. Em compensação, o peso mais fraco e a forte recuperação nos EUA podem trazer surpresas positivas no próximo ano. Por isso, projetamos crescimento do PIB acima das expectativas para 2021³, em 4,0%.
No Chile e na Colômbia, esperamos queda em 2020 de 5% e 6,5%, respectivamente. E retomada de 4,5% e 5,0% em 2021. A política fiscal deve permanecer mais favorável no Chile do que na Colômbia (uma vez que o país tem conseguido passar de forma mais amena pela crise), enquanto as taxas de juros seguirão inalteradas em seus mínimos históricos de 0,5% e 1,75%, respectivamente, neste e no próximo ano.
Brasil: curto prazo melhor, risco fiscal permanece
Política Fiscal: a maior fonte de preocupação
O cenário fiscal segue a maior fonte de preocupação ao quadro de recuperação.
Em 2020, os resultados já não surpreendem. O déficit primário segue aumentando, reflexo das (necessárias) medidas de suporte à economia durante a pandemia. Em contrapartida, a retomada da economia traz notícias favoráveis do lado da arrecadação. Setembro indicou recuperação tanto à nível federal quanto subnacional, marcada pela volta de tributos diferidos em abril e pela recuperação por parte dos estados, reduzindo a pressão por uma nova rodada de repasses.
O maior risco é 2021. A possibilidade um novo programa de transferência de renda – com custo adicional ao Bolsa Família em torno de R$ 30 bilhões por ano – trouxe dúvida sobre a sustentabilidade da regra do teto, refletindo nas condições de financiamento do Tesouro Nacional
O repasse da marcação a mercado das reservas internacionais (em reais) do BCB ao TN – que melhorou a posição do caixa em agosto – e o recente anúncio de ação conjunta no mercado de dívida curta trouxeram algum alívio Nossa proxy do colchão de liquidez, calculada com base no saldo da conta única, indica recuperação em agosto – para R$ 771 bilhões, frente um total de R$ 920 bilhões em títulos da DMPi a vencer nos próximos 12 meses. Mas o problema deve persistir enquanto houver dúvidas sobre o teto de gastos e a sustentabilidade da dívida pública.
Nosso cenário base prevê a manutenção do atual regime do teto de gastos para 2021, destacando a dinâmica benigna de juros nominais historicamente baixos sobre a dívida. A recente aproximação da equipe econômica com o Legislativo e o TCU é positiva. Neste cenário, ou o novo programa não acontece, ou é acomodado reduzindo outras despesas.
Projetamos o déficit primário em 12,9% do PIB em 2020 e 3,9% em 2021. A dívida bruta do governo geral, como proporção do PIB, deve atingir 94,5% em 2020, 96,3% em 2021.
Os riscos, contudo, se mantém. Um “pouso suave” do auxílio emergencial, que leve a extensão do estado de calamidade para o primeiro trimestre de 2021, é possível. Estimamos que medida pioraria o déficit primário de 2021 em cerca de R$ 40 bilhões. Outro risco é a manutenção de desonerações para 17 setores, cujo veto presidencial segue pendente no Congresso, adicionando outros R$ 6,3 bilhões a um orçamento apertado para 2021³.
Por fim, ainda que o teto seja preservado na virada do ano, a pressão por mais gastos sociais e investimento para além do permitido pode recrudescer ao longo ano que vem.
Atividade: aceleração corrente e composição melhoram projeção de 2021
Após a queda histórica do PIB no segundo trimestre de -9,7%, indicadores referentes ao terceiro trimestre apontaram retomada significativa. Os índices de confiança, vendas no varejo, produção industrial e mercado de trabalho formal ficaram acima das expectativas. O Brasil deverá fechar o PIB de 2020 menos negativo que o previsto inicialmente, conteúdo, o mercado de trabalho deve demorar para se recuperar (projetamos taxa de desemprego de 15,5% em 2020 e 14,5% em 2021).
Revisamos o PIB do 3T, especialmente por conta do desempenho do comércio (+17,5% T/T) e da indústria de transformação (+21,3% T/T). Projetamos agora 7,8% frente ao trimestre anterior (6,8% antes). Com essa tração maior no segundo semestre, o ano de 2020 deverá terminar com queda de 4,6% (-4,8% antes).
A composição setorial benigna de 2020 também nos levou a aumentar em 0,4 ponto percentual o PIB de 2021 (de +3,0% para +3,4%). O setor industrial, impulsionado pela retomada do comércio varejista e pela depreciação cambial, deverá ser a principal força motriz na passagem do ano. A manutenção do regime fiscal, os juros baixos, a recomposição do consumo das famílias mais ricas (interrompido na pandemia) e a melhora das condições financeiras devem compensar, em parte, o fim das políticas de suporte governamental. Esperamos que a economia siga se recuperando em 2021, ainda que em ritmo menos intenso do que a arrancada do terceiro trimestre deste ano.
Elaboramos um exercício comparativo histórico de saída da recessão para dois dos três grandes setores pela ótica da oferta. Considerando o 2T20 como o vale econômico e utilizando a projeção da XP para o 3T20, observamos como foi o padrão de saída para o setor da indústria e para o setor de serviços nas crises de 2003 e 2008. Escolhemos estes dois períodos por serem as duas últimas recessões datadas pelo CODACE(4).
Deixamos a agropecuária fora do exercício pois esta passou praticamente incólume da atual crise. De fato, a CONAB divulgou semana passada a sua primeira estimativa para a safra de 2021 apontando novo recorde (+4,2% em relação a 2020).
Seguindo o padrão das crises anteriores, o setor industrial deveria crescer em média +10,6% no ano de 2021. Já o setor de serviços, mais inercial, deveria ter um incremento de +5,1%.
A comparação histórica mostra que, ainda que nossa projeção mostre uma retomada para 2021, ela será menos intensa do que outras saídas de recessão. Acreditamos que a incerteza fiscal pode estar por trás de retomada mais lenta do que a experiência anterior.
Setor externo: real estaria mais apreciado, não fosse o risco doméstico
O saldo em conta corrente do Balanço de Pagamentos atingiu 2.4% do PIB em agosto (média móvel 3 meses, anualizada e dessazonalizada). Um forte ajuste ante o déficit de cerca de 3% do PIB de poucos meses atrás. Tal reversão é fruto principalmente dos efeitos da pandemia, em especial da queda nas importações, na remessa de lucros e na conta viagem, entre outras linhas.
A forte depreciação do câmbio sugere que a tendência pode se intensificar. Há uma defasagem longa, mas consistente, para que a oscilação do câmbio cause uma reorientação de consumidores e firmas que altere o resultado das contas externas. Para um país que necessita de atração de poupança externa, não faz sentido superávits expressivos na conta corrente. Por esse ângulo, a taxa de câmbio em 5,5 reais por dólar parece excessivamente depreciada. Para que o câmbio real efetivo do Brasil volte à média histórica, por exemplo, o BRL teria que ir um pouco abaixo de 4,0 reais por dólar, gerando o déficit em conta corrente compatível com o ingresso de poupança externa.
Fundamentos de curto prazo também indicam o real depreciado aos níveis atuais. A taxa cambial se descolou no movimento das commodities e de outras moedas emergentes. A correlação histórica com essas variáveis indicaria o câmbio mais perto de 4,5 reais por dólar.
A incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas tem pesado sobre a performance do real. Em nosso cenário base o teto é mantido para 2021. Desta forma, projetamos que a taxa de câmbio recue para 5,2 reais por dólar no final desse ano e para 4,9 no final de 2021. Mas como o risco fiscal não sairá do horizonte, a apreciação cambial será menos intensa do que justificável pelo ambiente global e pelo Balanço de Pagamentos.
Inflação: pressão no curto prazo não deve se prolongar para 2021
A reabertura gradual da economia, o repasse da inflação de alimentos no atacado para bares e restaurantes e a recomposição de margens no setor aéreo pressionou a inflação ao consumidor. Esse fator, somado à alta do preço da carne e ao anúncio de que o IBGE deverá coletar as mensalidades escolares já no mês de dezembro, nos fez revisar a projeção de IPCA para esse ano de 2,6% para 3,1%.
Para o ano que vem, no entanto, entendemos que o cenário inflacionário segue benigno.
Entre as principais justificativas, destacamos: i) o novo recorde projetado pela Conab para as produções agrícolas na safra 2020/21; ii) o elevado grau de ociosidade na economia que deve se estender para além do próximo ano, especialmente no mercado de trabalho (ver gráfico); iii) a quase totalidade dos choques nos IPAs deve ser absorvida pelo IPCA ainda neste ano; iv) com os ajustes nos preços das mensalidades escolares já em dezembro desse ano, é provável que a inflação projetada para o setor de educação no que vem seja menor e v) a provável apreciação da taxa de câmbio em 2021, em nosso cenário base de manutenção do teto de gastos.Desta forma, mantemos a projeção da inflação do IPCA em 2,6% em 2021.
Política Monetária: teto mantido, forward-guidance mantido
O Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom) manteve a taxa básica SELIC em 2,00% ao ano em sua reunião de setembro. Em sua comunicação oficial, o Copom vem afirmando que “a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado”, mas com pouco espaço para cortes adicionais da SELIC por questões prudenciais. O Comitê também indica que a SELIC deve permanecer no patamar atual enquanto as expectativas de inflação não se aproximarem das metas, a menos que haja mudança no regime fiscal. (forward guidance).
Entendemos que a sinalização do Copom e nosso cenário base de manutenção do teto de gastos para 2021 são consistentes com a projeção de que a taxa SELIC permanecerá em 2,00% até o segundo semestre de 2021 e subirá, gradualmente, até 3,00% no final do ano. A ampla ociosidade da economia torna pouco urgente o processo de normalização da taxa de juros rumo à taxa neutra (estimada por nós e pelo 〖”Copom” 〗^5 ao redor de 3% ao ano, em termos 〖”reais” 〗^6).
Caso a perspectiva das contas públicas se deteriore significativamente, o Copom pode optar por a elevar a SELIC mais cedo do que o contemplado em nosso cenário. A sinalização firme do Banco Central de que atuará de forma tempestiva e independente neste caso é crucial. Declarações recentes do Presidente do BCB neste sentido colaboraram para manter a ancoragem das expectativas.
Simulamos a reação da política monetária em cenário de alguma deterioração fiscal que gere uma depreciação de, digamos, 10% na taxa de câmbio frente ao nosso cenário base. Neste caso, nossa estimativa de regra de Taylor aponta para uma Selic em 3,50% a.a. no final de 2021, com o COPOM iniciando o ciclo de alta já no primeiro semestre do ano.
Notas de rodapé
1. Folha de São Paulo, 11 de outubro de 2020.
2. Da equipe de Estratégia Global da XP Inc.
3. Custo da extensão de R$10 bilhões, frente R$3,7 bilhões orçados no PLOA 2021.
4. Comitê de Datação de Ciclos Econômicos – FGV.
5. Relatório Trimestral de Inflação, Setembro 2020.
6. Relatório Trimestral de Inflação, Setembro 2020.
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