Neste relatório, reiniciamos a cobertura das ações da AmBev (ABEV3), com recomendação de Compra e preço-alvo para o final de 2021 de R$ 17,15 por ação. As ações fecharam o último pregão em R$ 13,89, ou seja, ainda enxergamos um potencial de alta de 23% em relação aos níveis atuais. Por que temos recomendação de Compra para AmBev? Em resumo, acreditamos que o mercado está excessivamente pessimista em relação ao futuro da empresa.
Por que nós estamos otimistas? Por conta de uma combinação de fatores, sendo os três principais:
- Enxergamos melhora nos volumes de vendas da AmBev no curto prazo, aliados a uma potencial recuperação macroeconômica no Brasil, mesmo com o término do auxílio emergencial;
- Vemos com bons olhos as iniciativas de inovação da empresa, as quais devem auxiliar a AmBev a se manter como líder de mercado, incluindo o Zé Delivery, os CDDs digitais e as novas marcas como Michelob e Beck's;
- Acreditamos na transição que a AmBev vem realizando em seu modelo de negócio, deixando para trás um modelo antigo baseado em escala e passando a adotar um modelo novo, mais personalizado e focado no consumidor.
Onde podemos estar errados? Competição acirrada no Brasil, custos de commodities em alta, real depreciado frente ao dólar e ambiente macroeconômico desfavorável são potenciais riscos importantes para a empresa. Adicionalmente, reconhecemos que a transição do modelo antigo para o novo não é fácil, mas entendemos que a AmBev está empenhada em fazê-lo.
Isto posto, entendemos que o preço das ações (ABEV3) já foi penalizado demais pelo mercado e agora é hora de comprar AmBev, tanto pelo potencial estimado de alta de 23% quanto pelo patamar atraente de dividendos.
Quaisquer críticas, dúvidas ou sugestões são bem vindas: basta deixar um comentário no final do post. Gostaria de receber nossos relatórios de Agro, Alimentos & Bebidas por email? Clique aqui.
Introdução
A AmBev é conhecida pela eficiência operacional e pela forte gestão de custos, o que a permitiu no passado comprar pequenas e grandes empresas e torná-las lucrativas, mas entre as muitas ferramentas para atingir esse objetivo, a escala de produção era algo em que se podia confiar. Produzir grandes quantidades de cerveja requer diferentes tipos de know-how, desde a obtenção da matéria-prima, a produção e, principalmente, a venda, talvez o principal desafio para marcas menores.
Depois que a AmBev estabeleceu sua operação de distribuição em todos os países em que opera, ela se tornou uma barreira para os recém-chegados, tanto pelo tempo necessário para se estabelecer uma distribuição eficiente e granular, quanto pelo investimento financeiro necessário. Esse sempre foi o problema para as cervejarias artesanais que decidiram expandir sua presença comercial.
"As vendas online podem impulsionar muitas marcas, mas sem logística o sucesso ficará restrito às grandes cidades, que no Brasil seria o mesmo que acessar apenas um terço do market share potencial, deixando o resto para a AmBev e alguns outros concorrentes."
Research XP, Outubro de 2020
Aumentar a penetração de mercado sempre foi a melhor estratégia, tanto nos canais on-premises (bares e restaurantes) quanto off-premises (supermercados), e isso se traduziu em mais de 1 milhão de pontos de venda no Brasil, sendo cerca de 55% deles on-premises (pré-Covid-19). Essa granularidade protegeu a marca e garantiu rentabilidade, sobretudo levando em consideração o mix de produtos e de embalagens, uma vez que as garrafas retornáveis são mais lucrativas do que as latas de alumínio, principalmente no on-premises.
Com isso a AmBev se tornou líder de mercado com mais de 60% de market share, abaixo do que já foi registrado no passado, mas esse número refere-se principalmente às vendas off-premises (key accounts, cash and carry, grandes, médios e pequenos varejistas), portanto, seria representativo apenas para cerca de 45% das vendas da AmBev (pré-Covid-19).
"Assim, enquanto a escala de produção perdeu seu apelo estratégico, os canais de logística e de distribuição ainda funcionam como barreiras de entrada para participantes menores."
Research XP, Outubro de 2020
Análise Setorial
Com exceção dos países onde há restrição de consumo por questões religiosas, o consumo de álcool cresce quando a economia vai bem. A principal razão para isso é que maior renda significa gastos maiores, com as pessoas comendo e bebendo mais, dentro e fora de casa.
Ao mesmo tempo, porém, aumento no poder aquisitivo se traduz também em maior espectro de produtos no consumo – primeiro aumentamos o volume, em seguida diversificamos o consumo. Esse movimento ocorre na cerveja e com outras bebidas, como vinho ou destilados, a diferença é por onde você começa, que está ligado à cultura do país.
Mais opções e um consumidor mais exigente devem se traduzir em maior diversidade à mesa
Enquanto o consumo de álcool vem crescendo no mundo todo, a cerveja perdeu espaço como principal opção. Essa tendência provavelmente foi mais forte durante os primeiros meses da pandemia, uma vez que a cerveja está ligada a encontros sociais, algo que não poderia acontecer. A mesma tendência pôde ser observada no Brasil, país de forte cultura cervejeira.
Bom para players de outros setores, como vinhos e destilados, mas desafiador para indústrias de cerveja, como a AmBev. No entanto, essa mesma curva de maturidade acontece dentro de cada segmento: em vez de beber apenas lagers, ou bocks, ou IPAs, as pessoas ajustam suas escolhas à ocasião ou ao alimento que acompanhará a bebida. Este é o principal impulso para a abertura contínua de novas cervejarias e do lançamento de novos rótulos, tendência que já dura anos e que pode enfrentar seu primeiro revés em 2020.
Essa tendência aumenta a complexidade do ambiente concorrencial, uma vez que por muito tempo o principal indicador de desempenho para qualquer empresa era sua participação de mercado, que se traduzia com bastante precisão em quanto do bolso do consumidor cada empresa conseguia conquistar. Ou seja, buscar mais espaço nas gôndolas ainda é a estratégia mais visível e rastreada no mercado, exatamente onde a AmBev perdeu espaço, com o segmento premium aumentando sua participação no consumo geral e a Heineken fazendo um excelente trabalho ao se tornar uma das cervejas mais desejadas atualmente.
Do outro lado do espectro, entretanto, existem milhares de bares, pubs, restaurantes e outros pontos de venda que exigem uma força de vendas forte, onde é necessário estabelecer estratégias de preços para cada canal em cada região e para cada produto. Nesses pontos comerciais de pequena escala perdemos a referência da participação total de mercado, mas também pela menor escala o poder de precificação e o potencial de margem passam a ser um diferencial positivo.
A estratégia digital surge como uma resposta e continua sendo uma oportunidade, uma vez que a maioria dos players ainda estão construindo marketplaces ou até mesmo aplicativos digitais para começar a oferecer seus produtos para entrega. Aqui a AmBev está à frente do jogo, com opções de B2B e B2C, e já aproveita o cenário atual para divulgar o mais rápido possível suas opções para todos os estados e também outros países, como Colômbia, Equador, Peru, México, El Salvador, República Dominicana, Panamá e Honduras.
As unidades de negócio da AmBev
Quando se fala em AmBev, a maioria certamente pensa nos desafios que a empresa enfrenta atualmente ao vender cerveja no Brasil. Entretanto, além do segmento de não-alcoólicos no Brasil, ainda se deve considerar o desempenho da operação do Canadá e de todos os países listados na unidade LAS (Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai) e na unidade CAC (República Dominicana, Saint Vincent, Antigua, Dominica, Cuba, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Barbados, Panamá).
Ter múltiplas operações aumenta a complexidade de gestão da AmBev, mas negócios em diferentes níveis de maturidade permitem que a empresa experimente novas abordagens ou use uma solução previamente testada em outro mercado, o que pode ajudá-la a superar concorrentes locais.
Entre 2015 e 2020, a receita proveniente de todas as 3 unidades de negócios fora do Brasil (Canadá, LAS, CAC) aumentou de R$ 20,4 bilhões para R$ 24,5 bilhões, com isso a participação na receita foi de 43,7% para 47,1%. No primeiro semestre de 2020, conforme divulgado pela empresa, a participação da operação brasileira na receita da AmBev foi de 51,1%, portanto quase metade da receita já é proveniente de outros países.
Pressão nos custos segue relevante em 2021
Vale destacar que a maioria dos produtos usados para produzir cerveja tem preço em dólar ou pode ser afetado indiretamente pelo câmbio. Por isso, é importante verificar o tamanho da operação do Canadá separadamente, já que ela funciona como um hedge natural aos custos dolarizados. De 2015 a 2020 (previsão para 2S20), a receita do Canadá aumentou de R$ 5,8 bilhões para R$ 8,3 bilhões, com isso a participação na receita aumentou de 12,4% para 16,0%. Usando apenas os dados informados pela empresa no 1S20, a operação do Canadá representou 16,7% da receita e 15,2% do EBITDA.
A pressão nos custos advinda da exposição ao dólar é algo que sempre foi um problema para a AmBev. Apesar do hedge feito para todas as matérias-primas, sempre com horizonte de 12 meses e com flexibilidade de 2 meses a mais ou a menos, conforme informado pela empresa, a perspectiva de margens menores para 2021 explica porque a performance da empresa tem sido pior que a do mercado esse ano.
É importante destacar que essa perspectiva não é definitiva, uma vez que a mudança do mix de produtos e o aumento dos preços poderiam compensar, pelo menos parcialmente, esse aumento de custos. Notícias sobre a reabertura de bares e restaurantes devem ajudar a AmBev a reequilibrar suas vendas entre on e off-premises, pressionando por mais volume com garrafas reutilizáveis (mais rentáveis), enquanto também testa o mercado com novos produtos.
A situação econômica, entretanto, deve dificultar as estratégias de precificação. O auxílio governamental ajudou a manter o consumo durante a pior fase do Covid-19, mas conforme o auxílio seja removido poderemos ver o ritmo de recuperação desacelerar. Isso pode não acontecer neste ano, uma vez que a sazonalidade deve ajudar a sustentar o consumo durante o 4T20, quando a população está mais capitalizada, e ao longo do verão, mas é um desafio para 2021.
Tendência semelhante é esperada em países da unidade de negócios LAS, especialmente para a Argentina, que responde por 75% dessa divisão, e onde a economia não estava apresentando um bom desempenho antes da Covid-19 e, portanto, as perspectivas continuam desafiadoras. O mesmo pode ser dito para o Chile e Bolívia, onde insatisfação pública com o governo e forte restrição imposta à circulação das pessoas, respectivamente, impactaram a performance.
As restrições devido à pandemia de Covid-19 foram heterogêneas, embora presentes em todos os países analisados, mas entre os mais afetados estava a República Dominicana, onde toques de recolher afetaram fortemente a economia, e o Panamá, onde além das restrições à circulação de pessoas ainda houve proibição ao consumo de álcool.
O Canadá, por outro lado, pode ter sido a unidade de negócios menos impactada da AmBev, um dos principais motivos sendo a menor participação do canal on-premise nas vendas, normal para mercados mais maduros, além da renda familiar mais alta.
Análise Concorrencial
A maior parte dos indicadores de desempenho está focada no segmento de cerveja mainstream, onde a AmBev tem as marcas mais estabelecidas do mercado (Skol, Brahma, Quilmes, Corona, etc.). No entanto, os maiores desafios estão do outro lado do espectro, no segmento premium e nas artesanais.
No segmento premium a Heineken assumiu a liderança e ainda conseguiu conquistar uma participação relevante de mercado após a compra da BrasilKirin. Sua marca principal tornou-se referência no uso do “malte puro” como estratégia positiva de diferenciação, mesmo que isso não necessariamente correlacione com qualidade, mas essa estratégia teve tanto sucesso que acabou se tornando um desafio para a AmBev, principalmente após anos de críticas ao uso de outras matérias-primas no lugar do malte, sendo o milho o mais criticado.
As vendas de marcas premium seguem ganhando participação de mercado, tendência que resistiu inclusive a períodos de economia mais fraca. Os motivos já mencionamos antes, mas a forma como as empresas estão respondendo a essas tendências podem ser divididas em três maneiras: (1) construindo marcas premium, (2) comprando player menores ou (3) buscando parcerias.
Possíveis estratégias diante do crescimento do segmento premium
Embora aumentar o portfólio possa ser a escolha mais segura, também é o mais lento. Além disso, empresas construídas pensando em escala e eficiência operacional vão enfrentar resistências internas por times não alinhados aos novos desafios.
Por outro lado, comprar um concorrente, mesmo pequeno, pode ser difícil de integrar à operação original, o que implica muitas vezes em manter operações separadas com sinergia apenas na ponta comercial. Cerveja artesanal é um projeto diferente, com pequenos lotes de marcas sazonais no lugar de grandes volumes fixos ao longo do ano.
Colaborar, apesar de parecer positivo para os dois lados, deve ser a estratégia mais difícil, seja por usar canais de vendas próprios para impulsionar marcas de terceiros, o que pode fortalecer a concorrência, ou pela discussão se é mais rentável alugar a capacidade de produção para uma marca que não a própria.
De qualquer forma, o segmento premium deve continuar crescendo, mas não o suficiente para ameaçar o mainstream como o maior segmento em termos de volume. Em nossa opinião, o mercado ainda não está saturado e ainda há espaço para mais empresas, ou para mais marcas, por meio dessas estratégias de compra, construção ou colaboração, mas os primeiros sinais de saturação já começam a aparecer.
A título de comparação, as quatro principais marcas da AmBev no Brasil representavam 90% das vendas, mas agora esse número caiu para 77% e deve continuar caindo. Nos EUA, França e Reino Unido, as principais marcas representam apenas 30% das vendas totais. Olhando para a produção de cerveja de 2019, de mais de 80 milhões de hl, isso significaria que cerca de 62 milhões de hl ainda dependem de marcas tradicionais bem estabelecidas.
"Caso a mesma tendência aconteça aqui, e sem considerar mudanças na produção, isso levaria esse número para apenas 24 milhões de hl, então a AmBev precisaria trocar a produção de mais 38 milhões de hl para outras linhas de produtos e outras marcas para não perder participação de mercado atual."
Research XP, Outubro de 2020
Entretanto, ainda há um espaço intermediário (core-premium), onde os preços não são tão altos quanto as opções premium, mas o tamanho do mercado é muito maior e empresas consolidadas como a AmBev, com forte presença geográfica, devem ser capazes de lançar novos produtos ou até reposicionar algumas marcas.
Cerveja é um produto com elasticidade no consumo, portanto maior renda significa maior consumo, sendo o contrário também verdadeiro, com cervejas mais caras perdendo demanda e até se tornando um produto de nicho, às vezes só para apreciadores.
Estimativas para o 3º trimestre de 2020 (3T20)
O IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, informa mensalmente o volume total de bebidas alcoólicas produzidas no Brasil, onde a cerveja responde por cerca de 90% desse índice. Como a AmBev é líder no segmento, as vendas de cerveja reportadas a cada trimestre têm forte correlação com os dados oficiais.
Utilizando os dados de 2007 a 2020 (último número reportado em agosto), é possível perceber como o 2T20 foi um outlier. A queda no índice do IBGE sugere que as indústrias não estavam operando a plena capacidade, conforme esperado devido aos efeitos desconhecidos que a Covid19 teria sobre a economia e também sobre o consumo on e off-premises. No entanto, o número reportado pela AmBev no 2T20 veio acima das expectativas do mercado e com queda de apenas 1,6% nas vendas de cerveja.
Estimamos crescimento de 26% A/A para volume de Cerveja Brasil no 3T20
Os dados oficiais mostram a produção, enquanto a AmBev reporta vendas, então podemos esperar alguma defasagem entre os dois números, mas existem outros fatores que também podem impactar as vendas da AmBev, como aumentar ou diminuir os estoques de cerveja. Se a produção total foi menor, mas as vendas ficaram quase estáveis, isso provavelmente significa que a AmBev reduziu seus estoques.
Utilizando os mesmos dados e considerando que a produção de cerveja vem crescendo desde junho, conforme mencionado anteriormente, a projeção para o 3T20 é bastante otimista. O IBGE reportará o índice de setembro apenas no início de outubro, portanto foi necessário estimar o índice de setembro primeiro, mas usando a mesma regressão linear e ajustando para essa mudança de estoque, estamos projetando as vendas de cerveja da AmBev no Brasil para o 3T20 em quase 22 milhões de hectolitros (+26% A/A). Um forte aumento, embora ainda inferior a todos os resultados do 4º trimestre.
Esse forte aumento nas vendas abre espaço para aumentos de preços, sendo que a AmBev e Heineken começaram a fazê-lo em setembro. Por outro lado, uma vez que a maior parte da estratégia deste ano foi focada em mudar o canal de vendas de on para off-premises, o que exigiu flexibilidade de preços para conseguir mais espaço no varejo, e os restaurantes estão apenas começando a voltar, melhorar os preços via mudança de mix deve ser mais lucrativo do que testar aumentos de preços.
Análise Financeira da AmBev
Cerveja no Brasil
Cerveja no Brasil é, de longe, o segmento mais lembrado quando fala-se em AmBev. Historicamente, ele representa cerca de 50% do resultado (EBITDA) da empresa. Estimamos a receita de Cerveja no Brasil multiplicando o volume total vendido (em hectolitros) pelo preço praticado (em reais por hectolitro). Olhando para a frente, assumimos 3% de crescimento de receita anual para o segmento. Tal número pode ser quebrado em um crescimento de 0,5% nos volumes, aliado a um crescimento de 2,3% nos preços (pouco abaixo da inflação no período).
Preferimos ser conservadores nas nossas estimativas para o cenário de cerveja no Brasil devido ao cenário competitivo no país. Seja por conta de resultados passados que deixaram a desejar, por conta da falta de informações públicas sobre a indústria, ou por conta do brilhante sucesso da Heineken nos últimos anos, fato é que competição é um tema chave para entender cerveja no Brasil para a Ambev. Nesse sentido, entendemos o ceticismo daqueles que duvidam da capacidade da empresa de se sustentar como líder de mercado e, simultaneamente, manter margens de lucro atrativas.
Por outro lado, gostaríamos de destacar o fato de que a empresa não está parada assistindo o acirramento da competição. Pelo contrário, ela não só vem se defendendo como vem intensificando seus ataques, na nossa visão. Do lado da defesa, por exemplo, a AmBev lançou marcas regionais para proteger seu segmento econômico, a exemplo da Nossa e da Magnífica. Do lado do ataque, a empresa vem investindo no segmento core-premium, por meio de marcas como a Brahma Duplo Malte e da Bohemia Puro Malte, atingindo em cheio um mercado de rápido crescimento no país.
Isto posto, nem tudo são flores, e estimamos que 2021 será um ano desafiador para a AmBev em termos de custos. Vale lembrar que a empresa tem uma política financeira de hedge que garante que ela pratique, em linhas gerais, os custos do ano anterior no ano corrente. Como em 2020 observamos alta de commodities como alumínio e malte, além de forte depreciação do real frente ao dólar, entendemos que os custos da cervejaria devem ser significativamente impactados em 2021, e estimamos um crescimento de custo por hectolitro de 8,7% versus 2020.
Consequentemente, na nossa visão, a margem bruta do segmento de Cerveja no Brasil deve atingir seu ponto mais baixo em 2021, com 51%. A partir daí, ela volta a crescer gradativamente até 60% em 2030, mas se mantém abaixo dos níveis recordes de 2015-2017 de 65%. O raciocínio é parecido para a margem EBITDA: ano complicado em 2021, melhora gradativa pela próxima década, mas jamais retornando aos patamares recorde observados anteriormente. Entendemos que essa melhora gradativa se dá sobretudo por conta de ganhos de receita, principalmente do lado de preços.
Bebidas não alcoólicas no Brasil (NAB)
Ainda no Brasil, a AmBev também conta com o segmento de bebidas não-alcoólicas, que historicamente representa cerca de 8% do resultado da empresa. Assim como fizemos para Cerveja no Brasil, optamos por ser conservadores nas nossas estimativas para bebidas não-alcoólicas, devido sobretudo a riscos estruturais que incluem:
- potencial aprovação de um imposto em refrigerantes, ainda que pouco provável no curto prazo;
- aceleração da tendência de bebidas saudáveis (saudabilidade) e redução do consumo de refrigerantes;
- possível aumento das vendas de “pacotes econômicos” em caso de ambiente macroeconômico desfavorável.
Do lado positivo, entendemos que a AmBev deve encarar a tendência da saudabilidade como uma oportunidade. Seu portfolio de sucos e bebidas esportivas, por exemplo, deve receber cada vez mais atenção – com o benefício adicional de gerar boas margens para a empresa.
Como traduzimos isso em números? Estimamos um crescimento de volumes de 3% ao ano, aliado a um crescimento de preços em linha com a inflação. Novamente, 2021 deve ser um ano difícil para a empresa em termos de custos, o que explica porque nossa margem EBITDA é tão baixa nesse ano. A partir daí, ela se recupera gradativamente, mas se mantém abaixo dos níveis recordes de 2017-19 de 37%, dada nossa visão menos otimista para o segmento.
América Latina do Sul (LAS)
A Argentina é o segundo país mais importante para a AmBev depois do Brasil e representa cerca de 75% do resultado do segmento América Latina do Sul (LAS). Um ponto interessante é que, no país, apenas 10% da cerveja é vendida em bares e restaurantes, ao contrário do Brasil, em que esse número chega a praticamente 50%. Além de cerveja, a AmBev também vende refrigerantes no país, chegando em quase 300 mil pontos de venda espalhados pelo território nacional. Vale lembrar que os outros 25% do resultado do segmento incluem países como Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai. No entanto, dado o cenário de instabilidade econômica e política na Argentina, buscamos ser extremamente criteriosos nas nossas estimativas para o segmento, conforme descrevemos na tabela abaixo.
América Central e Caribe (CAC)
O segmento de América Central e Caribe (CAC) historicamente representa cerca de 9% do resultado consolidado da AmBev. Panamá e República Dominicana, por sua vez, correspondem a cerca de 75% do resultado do CAC e são mercados em rápido crescimento. No Panamá, a AmBev é a líder de mercado desde 2016, quando ela recebeu da ABI (a empresa-mãe da AmBev) as operações da SAB no país. Já na República Dominicana, a empresa se tornou líder de mercado depois de adquirir a Cervecería Nacional Dominicana (CND). Apesar de já ser líder nesses dois mercados, como eles vem crescendo nos últimos anos, entendemos que o segmento oferece grande potencial para a AmBev; confira na tabela abaixo os principais números.
Canadá (Labatt)
O segmento do Canadá historicamente representa cerca de 10% do resultado consolidado da AmBev. A empresa é líder de mercado no país, apesar de enfrentar significativa competição, tanto de grandes companhias - sobretudo da Molson Coors - quanto de pequenas cervejarias. Quase 90% das vendas são feitas em supermercados, sejam eles privados ou detidos pelo Estado, e suas principais marcas incluem a Budweiser e a Michelob Ultra. Vale destacar que o mercado de bebidas prontas para beber vem crescendo rapidamente no país, impulsionada pela categoria dos seltzers, inclusive de marcas da AmBev como Palm Bay e Mike Hard Seltzers.
Se por um lado o Canadá é tido como um mercado desenvolvido, por outro lado, nós entendemos que o país ainda oferece avenidas de crescimento interessantes para a AmBev, principalmente por meio de inovações como os seltzers. Adicionalmente, entendemos como uma vantagem competitiva o fato de que as lições aprendidas no Canadá em relação a novas categorias podem ser transplantadas para outras geografias nas quais a AmBev atua. Por exemplo, marcas como Michelob e Mike já podem ser encontradas no Brasil em fases de teste. Confira os principais números do segmento abaixo.
Valuation da AmBev
Em suma, nós acreditamos que é hora dos investidores concederem o benefício da dúvida à AmBev. Se você é um investidor de longo prazo, entendemos que vale a pena dar uma chance a essa mudança de modelo de negócios da AmBev. Se você é um investidor de curto prazo, nosso preço-alvo indica que a ação já está desvalorizada demais. Por outro lado, é sempre importante lembrar dos riscos de investir em ações e da importância de manter uma carteira diversificada.
No caso das ações da AmBev, enxergamos alguns riscos, dentre eles a competição acirrada no Brasil, custos de commodities em alta, real depreciado frente ao dólar e ambiente macroeconômico desfavorável. Ainda assim, nos baseando em um custo de capital (Ke) de 10,4% e um crescimento na perpetuidade (g) de 3%, chegamos em um preço-alvo de R$ 17,15 para o final de 2021, ou seja, enxergamos um potencial de alta de 23% frente aos patamares atuais e por isso temos recomendação de Compra para ABEV3.
Como as nossas estimativas se comparam com o consenso?
Em geral, nossos números estão alinhados - ou até mesmo ligeiramente mais pessimistas - do que os dados do consenso para 2020-2023. Por outro lado, nosso preço alvo de R$ 17,15 por ação fica apenas 11% acima do preço alvo do consenso de R$ 15,44, conforme compilado pela Bloomberg. Por que a maior parte dos analistas não tem Compra em AmBev então? Entendemos que muitos investidores foram desapontados pela performance da empresa nos últimos anos. De certa forma, nosso olhar “novo” para o setor nos permite certo distanciamento dessa “indisposição” do mercado com a empresa.
Olhando pra frente, de fato a AmBev deve enfrentar um cenário cada vez mais desafiador e, caso ela falhe em se reinventar, suas margens podem ser erodidas rapidamente. Por outro lado, vale lembrar que no trimestre passado, a maior parte dos analistas esperava que os volumes de Cerveja Brasil recuassem 15-20% na comparação anual. Para a surpresa de muitos, inclusive para a nossa, os volumes caíram apenas cerca de 2%. Ou seja, na nossa visão, as expectativas atuais em relação à AmBev são tão baixas que ainda há espaço para surpresas positivas e, portanto, para a valorização das ações.
Pontos-chave para entender o valuation da AmBev
Dividendos: estimamos que a empresa siga pagando cerca de 80% do seu lucro líquido anual sob a forma de dividendos (payout, em inglês), em linha com os níveis históricos. Em termos de dividendos por ação, estimamos que a empresa pague em média R$ 0,60 por ano entre 2021-2023. Em outras palavras, assumindo o preço de fechamento do último pregão, enxergamos um dividend-yield médio 4,3% para os próximos três anos, patamar atrativo na nossa visão. Aqui vale lembrar que, recentemente, foram divulgadas notícias sobre aumento nos impostos sobre dividendos e juros sobre capital próprio (JCP); no entanto, consideramos que é muito cedo para estimar o potencial impacto de tais medidas para a AmBev.
Capital de Giro: entendemos que 2021 será um ano de ajustes para a AmBev em termos de capital de giro, com ligeira queda nos dias de recebíveis, estoques e fornecedores. Ainda assim, olhando para frente, esperamos que a empresa mantenha sua renomada capacidade de otimização de capital de giro, com normalização dos recebíveis em 31 dias, fornecedores em 254 dias e estoques em 104 dias, basicamente em linha com os dados de 2019.
CAPEX: nossas estimativas refletem sobretudo gastos de manutenção. Não enxergamos gastos de expansão significativos no futuro próximo, uma vez que a AmBev ainda conta com uma capacidade industrial ociosa de cerca de 40%. Por outro lado, a modernização de tal parque industrial, assim como a adição de complexidade nas linhas industriais à medida que novas marcas são adicionadas ao portfolio, são dois riscos relevantes que poderiam nos levar a revisar para cima nosso CAPEX.
Endividamento: na nossa visão, a AmBev deve continuar sendo “caixa líquida” olhando para frente – ou seja, deve continuar tendo mais caixa do que dívida. Apesar de entendermos que a empresa ainda tem muito espaço para aumentar seu endividamento, temos dificuldade em vê-la assumindo tal risco, que iria contra sua disciplina financeira conservadora. Por fim, em termos de retorno do capital investido (ROIC), estimamos 23% em média para os próximos três anos.
Uma palavra sobre múltiplos
Vemos a AmBev negociando atualmente a 22x preço/lucro 2021, em linha com sua própria média histórica e 14% acima da média histórica para pares globais selecionados (ABI, Heineken e Carlsberg). Vale ressaltar que o nosso lucro líquido esperado para 2021 está 9% abaixo do consenso. Além disso, o preço da ação subiu quase 11% desde o início de outubro.
Dentre outros fatores, isso nos leva a acreditar que, apesar de a ação estar atualmente sendo negociada em linha com os níveis históricos, nossa recomendação de compra permanece. Isso porque nossa análise de fluxo de caixa descontado aponta para um potencial de alta de 23%. Adicionalmente, enxergamos um dividend yield atrativo de 3,5% para 2021. Tais argumentos são especialmente valiosos, na nossa visão, considerando o cenário macroeconômico desafiador.
Principais riscos para a nossa tese
Competição mais acirrada: se a Ambev perder participação de mercado sequencialmente para os concorrentes, principalmente nos segmentos premium e core, sua receita pode ser severamente afetada. As receitas poderiam ser reduzidas devido tanto a volumes menores quanto a uma redução potencial no poder de precificação. Continuamos atentos à dinâmica competitiva entre a AmBev e seus competidores, notadamente a Heineken e o Grupo Petrópolis, mas acreditamos que a empresa está bem posicionada para enfrentar esse desafio.
Pressões de custos e volatilidade da moeda: conforme discutido anteriormente, a AmBev deve enfrentar ventos contrários em termos de custos no próximo ano, como um reflexo do cenário de 2020. Tais efeitos negativos são consequência da desvalorização do real em relação ao dólar, bem como dos aumentos de preços de várias commodities, principalmente alumínio e malte, ao longo deste ano. Nesse sentido, caso a estratégia de hedge da empresa seja insuficiente ou caso as pressões de custo e a volatilidade da moeda sejam ainda maiores do que o previsto, as margens podem vir a ser corroídas.
Cenário macro em deterioração no Brasil: caso o Brasil enfrente uma recessão nos próximos anos, o poder de compra dos consumidores poder ser impactado negativamente, potencialmente levando a uma redução no faturamento da AmBev. Conforme discutido anteriormente, o PIB per capita e o consumo de álcool estão razoavelmente correlacionados. Como consequencia, mesmo um “solavanco” relativamente pequeno, como a remoção do auxílio emergencial no Brasil, poderia impactar as receitas da AmBev.
Imprevistos em termos de estratégia: uma das principais premissas desta tese de Compra em AmBev é a transição da empresa, deixando para trás seu antigo modelo de negócios baseado em escala para assumir um novo modelo centrado no cliente e orientado pela tecnologia. Caso a administração não consiga realizar tal transição ou caso ela não seja bem aceita pelo mercado, o modelo de negócios da empresa pode rapidamente se tornar desatualizado, impactando negativamente sua capacidade de gerar lucros.
Análise ESG da AmBev: uma das melhores empresas da cobertura da XP
Líder no mercado latino-americano de cervejas e subsidiária da AB InBev, a Ambev está comprometida com práticas sustentáveis, adotando diversas metas agressivas de sustentabilidade e liderando programas desenvolvidos por sua controladora, utilizando a inovação como ferramenta para avançar na agenda ESG. Para conferir os principais temas relacionados aos fatores ambientais, sociais e de governança que consideramos os mais importantes para a AmBev, clique no link abaixo.
Confira o relatório completo da analista ESG da XP, Marcella Ungaretti, sobre a AmBev clicando aqui
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