O mundo nunca viveu uma crise tão rápida quanto essa. Os índices de Bolsa nunca haviam caído 30-40% em um período de apenas 2 semanas, como agora. Desde a volta do Carnaval até a quinta feira (12-Março), o Ibovespa caiu 36%, o EWZ (índice da bolsa brasileira em dólares) caiu 44% e o índice S&P500 americano acumulou queda de 27%.
Apesar da Bolsa brasileira ter subido +13,9% na sexta feira, o Ibovespa ainda fechou em queda de 15% na semana, a pior semana desde 2008. As bolsas na Europa fecharam a semana com quase 20% de queda e o S&P500 em queda de 8,8%.
Em 1929, o índice Dow Jones nos EUA demorou 35 dias para entrar em um bear-market (mercado de baixa), que é definido com uma queda superior a 20%. Em 2008, o mercado demorou mais de 4 meses para cair mais de 20%, de Maio até o final de Setembro. Dessa vez, foram apenas 16 dias.
Após uma das piores semanas já vistas em mercados de Renda Variável na história, as perguntas que surgem são muitas: 1) Devo vender minhas posições agora? 2) Por que o mercado caiu tão rápido? 3) É hora de aumentar a exposição em ações? 4) Está havendo um grande exagero e excesso de pânico, ou o mundo entrará em uma forte recessão?
Na nossa opinião, já vemos que o sentimento em relação à Bolsa se deteriorou de forma muito rápida. Enquanto após o Carnaval a maioria dos investidores olhavam a correção de 10% como um excelente ponto de entrada, o tom mudou após a Bolsa corrigir mais 20% desde então. A mensagem que escutamos agora de gestores e participantes do mercado é de cautela e com um viés de que a Bolsa poderia cair mais, uma mudança drástica de sentimento.
Historicamente, mudanças bruscas nos sentimentos de mercado tendem a ser um bom indicador contrário. Momentos de pânico generalizado tendem a ser ótimos pontos de entrada nos ativos. O Baron de Rothschild teria dito a famosa frase: “Compre quando houver sangue nas ruas”, se referindo aos momentos de pânico no mercado.
Cautela no curto prazo é recomendada
Porém, seguimos recomendando cautela no curto prazo, apesar das fortes quedas ocorridas e do sentimento já ter deteriorado bastante, e as bolsas já terem ensaiado fortes recuperações na sexta feira 13. Por quê?
Em primeiro lugar, ainda nem começamos a ver os impactos da crise do Coronavírus sob os dados econômicos e das empresas em nenhum país, nem mesmo na China. A Europa agora enfrenta uma grave crise de restrições de movimentação e circulação de pessoas, fechamento de escolas, lojas, estabelecimentos públicos e de viagens. Na Itália, que por enquanto concentra o maior número de casos, a crise econômica já é gravíssima.
A Comissão Européia já estima que o PIB Europeu irá cair 1% em 2020, vs. uma projeção anterior de +1,4% de crescimento. Ou seja, um impacto total de 2,5% do PIB Europeu, ou US$450 bilhões de impacto.
Além disso, a pandemia avança de forma muito rápida pelos EUA, que fechou as fronteiras aéreas com a Europa, cancelou a maioria dos jogos esportivos e várias cidades declararam estado de emergência.
No Brasil, o COVID também começa a se alastrar rapidamente pelas principais cidades, com mais de 100 casos confirmados e mais de 1.500 suspeitos. Várias escolas e empresas já anunciaram suspensão temporária das suas atividades
Essas restrições terão um grande impacto econômico. Isso porque veremos choques de oferta na medida em que as cadeias de suprimento são impactadas, e choques de demanda por conta de todas as restrições impostas.
A Bolsa ainda pode cair mais
As Bolsas hoje operaram em forte alta, depois de uma semana muito turbulenta. Após fortes quedas, é normal que haja um grande aumento da volatilidade, na medida que o mercado absorve as notícias e tenta encontrar um novo equilíbrio. Além disso, os mercados se animaram com as respostas contundentes dos EUA e Europa para conter a crise econômica.
Apesar das quedas bruscas nas últimas semanas, em nossa visão, caso o medo que o mundo venha entrar em uma forte recessão se confirmar, acreditamos que a Bolsa brasileira poderia vir a sofrer ainda mais.
Com base nas quedas históricas passadas geradas por recessões globais, acreditamos que a Bolsa brasileira poderia cair pelo menos mais 10-15%, chegando a 62.000-65.000 pontos, caso padrões similares à crises passadas ocorra novamente.
Em 2001, durante o estouro da bolha internet, a Bolsa brasileira caiu 44%, e em 2008 - crise financeira global - o índice caiu em torno de 60%.
Mas e se a crise atual alcançar patamares similares aos de 2008?
Dado que a correção atual tem se mostrado ainda mais brusca do que a de 2008, por ser mais rápida, achamos prudente comparar os níveis atuais da Bolsa em relação aos níveis que as ações brasileiras chegaram em 2008, algo que vários investidores nos perguntaram essa semana. Não achamos que a crise atual será tão séria quanto a de 2008, mas alguns riscos são importante de serem monitorados - mais sobre isso abaixo.
Ao compararmos o movimento de preços atual apenas com a crise de 2008, concluímos que o Ibovespa poderia cair para perto de 48.000 pontos, caso viesse a cair em magnitude similar de 60% do pico ao vale, após ter alcançado quase 120.000 pontos ao final de Janeiro.
Também olhamos para 2 indicadores de avaliação (múltiplos) principais para comparar com os níveis de estresse extremos de 2008:
1) Preço/Lucro projetado de 12 meses à frente, e
2) Preço/Valor Patrimonial (ou Price/Book Value - é usado para comparar o preço de mercado atual de uma empresa com seu valor patrimonial - capital social, lucros acumulados, fluxo de caixa, entre outros), como nos gráficos abaixo.
Em 2008, o Ibovespa chegou a negociar em um Preço/Lucro de 12 meses nos níveis de 5,7x, o que se compara 9,02x do último fechamento. Esse nível de P/L seria condizente com o índice em 46.400 pontos (-36% em relação ao preço atual).
Em relação ao Preço/Valor Patrimonial (P/BV), o Índice chegou a negociar a 1,04x, e isso se compara com 1,48x atualmente. Esse nível de múltiplo P/BV seria condizente com o índice chegar em 50.800 pontos (-30% em relação ao preço atual).
A crise do COVID-19 pode ser grande para a economia?
Apesar da baixa letalidade do COVID-19, as medidas drásticas que os governos estão tomando no mundo para conter a pandemia trarão grandes impactos para a economia e para as empresas. Como falamos, as restrições trarão um choque de demanda e de oferta ao mesmo tempo, para vários setores importantes para a economia. Além disso, o colapso do preço do Petróleo foi um fator novo que vimos a partir do anúncio da Arábia Saudita no último final de semana.
A grande preocupação que temos em relação ao surto de Coronavirus atual e do choque de preços de petróleo é se essa crise se tornar uma grave crise de crédito, nos moldes do que ocorreu na crise de 2008.
Isso porque com a recessão advinda das fortes restrições durante o controle do surto, muitas empresas poderão ter dificuldade em manter o pagamento das suas dívidas em dia. Por isso vários Bancos Centrais e Governos no mundo já anunciaram pacotes de resgate e auxílio aos setores mais afetados.
Os setores mais afetados são o de Óleo e Gás e o de Turismo e Transporte. Apenas esse último representa mais de US$9,3 trilhões de valor (Statista), sendo quase 11% do PIB global. Já o setor de Óleo e Gás tem um tamanho de US$3,3 trilhões de valor (IBIS World), sendo quase 4% do PIB global. Ou seja, temos quase 15% do PIB global com riscos elevados após essa crise do COVID-19 e do colapso do preço do petróleo.
O custo de proteção aos créditos High-Yield (de risco maior) disparou essa semana nos EUA, como vemos no gráfico, chegando a quase 700 pontos base (7,0%), um nível bem alto que evidencia o aumento do risco de crédito no mundo.
É importante monitorar se a crise atual será controlada pelos governos e bancos centrais, para evitar uma onda de empresas não conseguirem pagar suas dívidas e sobreviver.
Já é hora de aumentar a exposição a ações?
É sempre muito difícil prever qual será o ponto de equilíbrio no qual os mercados param de cair e começam a se recuperar. Em 2008, após o índice S&P 500 ter caído 42% até Outubro, o índice se recuperou 24% até o final do ano, antes de embarcar em uma nova queda de quase 30% em 2009 e enfim encontrar o vale.
Com isso em mente, para os investidores que estão querendo aproveitar as oportunidades de preços de ações em patamares muito mais baixos do que víamos a 1 mês atrás, a nossa recomendação é fazer compras ao longo do tempo, ao invés de fazer grandes investimentos de uma só vez. Isso porque ter um preço médio alivia os efeitos da elevada volatilidade.
Por isso, reiteramos que cautela é muito importante neste momento, além de (1) ter uma carteira adequada a seu perfil de risco; (2) ter visão de longo prazo e investimentos em empresas com bons fundamentos e (3) se manter sempre muito bem informado, com os riscos mapeados.
As crises passam, e no longo prazo ser sócio de empresas que têm bons fundamentos, em setores promissores e que são geridas por um forte grupo de gestores é sempre a estratégia vencedora.
Basta olhar qualquer índice de ações no mundo em um período longo de 20, 30 ou 50 anos. Não existe investimento melhor do que a criação de riqueza gerada pelas empresas no longo prazo.
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O que está por trás de uma estimativa de Preço Alvo?
Nosso time de análise na XP está nesse momento reavaliando todos os nossos cenários e Preços Alvos das ações e do índice Ibovespa, dado o cenário de rápida deterioração e escalada da crise global.
Em meio ao cenário de rápida deterioração e escalada da crise global, as ações corrigiram significativamente, como mencionamos, e com isso, os preços-alvo podem ficar distorcidos.
Portanto, uma análise detalhada de potenciais impactos à economia e consequentemente às empresas, tanto setorial quanto nas especificidades de cada caso é muito importante, apesar de haver muita incerteza ainda.
Durante esses momentos, é muito importante entender o fundamento das empresas, ou seja, sua capacidade de entregar resultados no longo prazo. Mas para isso, avaliar a capacidade de cada empresa de passar por esse curto prazo, com análise de sua posição de caixa e endividamento, por exemplo, é crucial.
Vale lembrar que nas nossas análises, fazemos uma projeção dos resultados futuros das empresas (receitas, lucros, fluxo de caixa, dívidas etc), descontando em alguns casos esses fluxos futuros por uma taxa (prêmio de risco), ou usamos um múltiplo de avaliação para chegar ao Preço-Alvo.
Por isso, nosso time de analistas deve avaliar quais serão os impactos nos resultados das companhias da Bolsa, e qual o novo nível de prêmio de risco (taxa de desconto) no cenário atual. Esse racional é válido para o Preço Alvo tanto das empresas quanto para a Bolsa.
Por exemplo, o risco país do Brasil, que é um dos fatores que impactam a taxa de desconto, subiu de 1% para quase 3% atualmente. Essa diferença, apesar de parecer pequena, têm um grande impacto no preço-alvo de uma ação.
Essa variação de 200 pontos-base (2%) na taxa de desconto tem um impacto médio de cerca 20% nos preços-alvo das empresas de nossa cobertura.
Quanto tempo durará a crise atual?
Da mesma forma que essa crise veio de forma muito abrupta e rápida, ela também pode se dissipar rapidamente, e em alguns meses o mundo poderá voltar a normalidade. Assim esperamos.
O que nos traz otimismo em relação ao futuro é o controle efetivo que países como a China e a Coréia do Sul conseguiram fazer em relação a propagação de novos casos, e a China já começa a voltar ao normal, após 2-3 meses de intenso impacto. Essa normalização das atividades na China pode ser muito importante para setores de Agronegócios (soja, proteínas) e Mineração no Brasil.
Além disso, os governos e Bancos Centrais estão sendo muito pró-ativos em anunciar medidas emergenciais. Essa é uma grande diferença em relação a 2008, dado que a discussão se os governos poderiam ajudar os bancos privados a sobreviver (moral hazard) acabou exacerbando a crise e levando a maior crise mundial desde 1929. Esperamos que dessa vez seja diferente, e que o mundo tenha aprendido com os erros do passado.
Volatilidade também traz oportunidades. Seguimos atentos e vigilantes.
Se você ainda não tem conta na XP Investimentos, abra a sua!