É dia de eleição nos EUA e há um bombardeio de informações sobre o tema. Esse guia é para ajudar a separar o que é relevante do que não é.
Quem vai ganhar?
O cenário mais provável é de uma vitória do candidato democrata, Joe Biden. Ele lidera as pesquisas nacionais por margem de 6,7 a 8,4 pontos percentuais, segundo os principais agregadores (RCP e 538). Nos modelos preditivos mais observados (538 e Economist) Biden ganha a eleição de 89% a 96% das simulações. Nos mercados de apostas (RCP e Predictit), Biden tem de 61% a 63% de chance implícita de vitória [dados atualizados na manhã do dia 3 de novembro].
A vantagem de Joe Biden sobre Donald Trump está apertando? Ela é suficiente para dizer que o democrata vai ganhar?
A vantagem de Biden é a maior de um candidato desde Bill Clinton na década de 1990. Veja abaixo o que indicavam os levantamentos para cada eleição faltando um dia para cada pleito, o resultado apurado nas urnas e o erro (fonte @baseballot e 538). O erro médio (desvio padrão para quem gosta de estatística) foi de 3,4 pontos percentuais. Mas isso não responde completamente à pergunta, pois a eleição não é decidida pelo voto popular, mas no colégio eleitoral (ver mais detalhes nas próximas perguntas).
Nas últimas semanas vimos a vantagem de Biden diminuir em cerca de 2 a 3 pontos nas pesquisas nacionais e Trump avançando em alguns estados (veja os números mais recentes nas próximas respostas). Vale notar, no entanto, de que parte das pesquisas que foram divulgadas recentemente nos estados são de institutos com viés ou com histórico ruim e que, por questões metodológicas de cada agregador de pesquisa, têm mais efeito nas médias do RCP do que nas do 538.
As pesquisas erraram em 2016?
Sim, mas não pela margem e da forma que o senso comum costuma apontar. As pesquisas nacionais apenas erraram dentro da margem de erro, por pouco menos de 2 p.p. Os erros foram muito debatidos e estudados desde então.
Primeiramente, foi uma eleição em que houve grande número de indecisos, que decidiram seu voto em cima da hora. Além disso, pesquisas estaduais, que apontavam cenário positivo para Clinton também no colégio eleitoral, tiveram erros maiores, pois tiveram problemas para capturar novos grupos de eleitores e, também, em prever a participação popular na eleição. Por fim, a pequena quantidade de pesquisas em estados considerados ‘seguros’ para os democratas também pode ter contribuído.
As pesquisas vão acertar em 2020?
A pergunta é difícil de responder. Primeiro, existe um erro inerente à realização de pesquisas amostrais, geralmente entre 2 e 3.5 pontos percentuais, a depender da amostra e da população. Qualquer desvio dentro dessa margem para cima ou para baixo, sequer pode ser chamado de ‘erro’ no conceito mais duro da palavra. Com a corrida apertada nos estados importantes, um ‘erro’ normal pode significar a vitória de uma candidatura ou da outra.
Sobre 2020: pelo lado positivo (i) esperamos que as empresas de pesquisa tenham atualizado seus modelos para melhor refletir as preferências e comparecimento por grupos demográficos subestimados na eleição passada; (ii) a quantidade de indecisos nessa eleição é menor do que foi em 2016; e (iii) estão sendo realizadas mais pesquisas estaduais que no ciclo anterior. Pelo lado negativo, podem ocorrer novos problemas, que por definição, não sabemos a priori, ou seriam corrigidos.
Discordamos, portanto, dos analistas que olham os dados de 2020 e somam o erro das pesquisas de 2016 para tentar extrair um resultado diferente. Não há evidência de que o mesmo erro se repetirá.
Quais são os estados importantes nessa eleição?
Primeiro, para quem quiser mais detalhes sobre como funciona o colégio eleitoral, clique aqui antes de seguir: https://bit.ly/3kRveaF. E agora à resposta: os estados mais importantes são: Pennsylvania, Florida, Geórgia, Carolina do Norte, Arizona, Michigan e Wisconsin. Biden hoje tem vantagem em todos. Vale até acompanhar Ohio, Iowa e Texas, onde Trump tem leve vantagem. São os chamados swing states ou battleground states.
A quais estados dar atenção no dia da eleição? E quando vamos saber quem ganhou?
As regras para contagem dos votos diferem de estado para estado, às vezes até de distrito para distrito. Enquanto alguns começam a contar votos enviados por correio antes da eleição, outros, começam a contagem no dia da eleição. Portanto, cada ente leva um tempo diferente para anunciar resultados, o que amplia a dúvida sobre quando será anunciado o vencedor da eleição.
Mas vamos à resposta com alguns cenários: Entre os estados que contam seus votos rapidamente, destacamos Flórida, Arizona e Carolina do Norte, que devem apresentar seus votos horas após o fechamento das urnas (a menos que os votos sejam tão acirrados que a contagem tenha que ser estendida). Esses, portanto, são os mais importantes na primeira noite de apuração. Se Biden vencer a Flórida, que tem maior peso no colégio eleitoral dentre os acima, sua vitória estaria bem encaminhada, pois Trump precisa do estado em grande parte das simulações para ganhar no colégio eleitoral. Se Biden ganhar Arizona e/ou Carolina do Norte, também estaria bem próximo de selar a vitória, mas deixa mais caminhos para Trump. O comportamento, no entanto, costuma ser correlacionado. A ver na noite da eleição.
Ou seja, se Biden vencer os três, o resultado está praticamente fechado na madrugada no dia 4. Se perder os 3 estados, temos que aguardar a contagem de estados do meio-oeste. Iowa, Minnesota, Wisconsin e Ohio podem soltar resultados na madrugada, mas a maioria continuará apurando votos recebidos pelos correios nos dias seguintes. Ou seja, importam as margens para ver se haverá definição. Nesse cenário mais embolado, o estado mais importante em grande parte das simulações se tornaria a Pennsylvania, mas podemos incluir os menos lentos, Wisconsin, Minnesota e Michigan. Nesse cenário, o resultado pode demorar alguns dias e Trump passar a ter uma chance real de vitória.
Um cenário alternativo é um que as diferenças entre os candidatos em diversos estados sejam tão pequenas que recontagens e disputas judiciais sobre a contagem de votos possam arrastar a decisão da eleição por semanas, talvez meses.
O que mostram as pesquisas nesses estados importantes?
Dos estados mencionados, Biden apresenta vantagem expressiva em Michigan (+7,9%) e Wisconsin (+8,4%), segundo o Five Thirty Eight – esses são os mais prováveis a votar pelo partido democrata. Biden também apresenta vantagem relevante na Pennsylvania (+4,7%) – estado que pode definir a disputa.
Já nos outros estados, as pesquisas mostram uma disputa mais acirrada, Arizona (+2,6%), Carolina do Norte (+1.8%), Geórgia (+1.2%) e Florida (+2,5%). Vale destacar que se Trump não vencer em ao menos 1 desses estados, suas chances de vitória ficam bastante comprometidas.
Outro estado que surpreendentemente parece estar em jogo é o Texas. As pesquisas apontam a uma vantagem do Republicano de apenas 1.1% (dentro da margem de erro das pesquisas). O estado tem peso significativo no colégio eleitoral, portanto, se Trump perdê-lo, a Casa Branca ficará nas mãos dos democratas. No entanto, apesar da acirrada disputa ilustrada pelas pesquisas, a longa tradição republicana no Texas tende a favorecer Trump.
Vale repetir a nota de que parte das pesquisas que foram divulgadas recentemente nos estados são de institutos com viés ou com histórico ruim e que, por questões metodológicas de cada agregador de pesquisa, tem mais efeito nas médias do RCP do que nas do 538.
Quantos eleitores já votaram antecipadamente de forma presencial ou pelo correio? E qual o efeito disso para a corrida?
Mais de 99 milhões de pessoas já votaram de forma antecipada, segundo a Universidade de Flórida (https://bit.ly/35VFzfD), o que representa 72% do número total de eleitores que votaram em 2016. Por conseguinte, é esperado que a participação nessa eleição deve alcançar níveis históricos. Em estados como Havaí (110%), Texas (108%), Washington (105%) e Montana (102%), só o voto antecipado mais que superou o total de votos de 2016. Em estados como Flórida, Georgia, Carolina do Norte, Novo México, Arizona, Nevada, Colorado e Oregon, o voto antecipado chegou a mais de 90% do total de 2016.
Esse pode ser ao mesmo tempo uma fonte de erro (se a metodologia não se adaptar à realidade) ou uma fortaleza para as pesquisas, uma vez que grande parte do eleitorado já votou. Os levantamentos mostram que os eleitores que votam antes tendem a apoiar mais o candidato democrata que o republicano. Por isso, vemos diversas ações na justiça de republicanos ou grupos ligados ao partido tentando limitar as regras para possibilitar tal tipo de voto ou que sejam contabilizados. Trump precisa que seus eleitores apareçam em grande número para votar fisicamente no dia da eleição para contrabalancear o turnout aparentemente elevado dos democratas.
O que pode dar errado na contagem de votos?
Paciência, pois essa resposta é longa. Apesar de ser uma prática realizada em toda a eleição, o número de eleitores que votaram por correio aumentou no contexto da pandemia: de 33 milhões em 2016 para 64 milhões em 2020 (até a manhã do dia 3 de novembro).
Em votações primárias realizadas durante a pandemia, foram registrados atrasos na contagem de votos e maior número de incidentes em comparação com anos anteriores. Além disso, 550 mil cédulas foram desconsideradas por erros. No estado de Wisconsin, por exemplo, 23 mil votos foram recusados nas primárias. Número significativo considerando que, em 2016, Trump venceu no estado por uma diferença de 22.748 votos.
Com o aumento no número de votos por correio, alguns estados registraram atrasos. Diante do fato que os estados têm data-limite para que os votos enviados cheguem (caso contrário são eliminados), atrasos nos correios geram preocupação entre democratas. Alguns dos estados que registraram atrasos são Carolina do Norte (data-limite 12 de novembro), Michigan (data-limite: 3 de novembro), Pennsylvania (data-limite: 6 de novembro) e Wisconsin (data-limite: 3 de novembro).
O presidente Trump tem promovido a ideia de que a eleição de 2020 está sujeita à fraude em razão dos votos pelo correio, apesar de não apresentar evidência que sustente essa afirmação. Indicou também que pode chegar a processar estados e requerer a recontagem dos votos se acreditar que houve manipulação. Do outro lado, o partido democrata argumenta que o presidente está construindo uma narrativa para burlar o sistema, uma vez que mais democratas que republicanos votam dessa maneira.
Na hipótese de uma eleição contestada, a incerteza sobre o resultado da disputa seria estendida até que haja uma decisão judicial, como ocorreu na eleição de 2000 entre George Bush e Al Gore.
Para demandar recontagem, o presidente americano teria de processar os estados individualmente e pedir a recontagem. Provavelmente, devem ser escolhidos estados em que os resultados forem mais acirrados. Os advogados dos partidos então apontariam equívocos nas cédulas de outros partidos para que estas sejam excluídas pelos judiciários locais. E, na hipótese de que republicanos tenham sucesso em conseguir a eliminação de uma ampla quantia de votos por correio, poderiam obter alguma vantagem sobre os democratas.
Vale ressaltar que as chances de a apuração ser contestada num cenário de disputa acirrada são muito mais altas do que nos locais onde um dos candidatos vence por ampla maioria.
O que mais devo olhar na noite da eleição?
A reação de mercado vai depender também do resultado para o Congresso, mas como não há expectativa de que republicanos retomem maioria na Câmara, a dúvida é se os democratas vão conseguir tomar o controle do Senado. São 3 cenários possíveis: Trump eleito + Senado republicano, Biden eleito + Senado republicano ou Biden eleito + Senado Democrata. Cenários de vitória apertada de Biden para a presidência devem resultar em derrota na corrida pela maioria do Senado ou em maioria apertada.
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