- A recuperação da atividade econômica continua sólida, em linha com a flexibilização das restrições de mobilidade possibilitada pelo avanço da vacinação, o retorno de programas governamentais para enfrentamento aos efeitos da pandemia e a forte demanda global.
- No entanto, os principais setores da economia brasileira devem mostrar ritmos de crescimento bastante heterogêneos nos próximos meses. Além disso, riscos importantes à atividade permanecem no radar.
- Ao longo das últimas semanas, realizamos uma série de interações com entidades setoriais e empresas, que trouxeram mensagens e percepções úteis a respeito do quadro atual e das perspectivas econômicos no curto prazo.
- Em linhas gerais, os empresários esperam demanda firme no 2º semestre, com espalhamento da retomada econômica entre os setores. Contudo, a maioria dos segmentos industriais enfrentam custos de produção ainda bastante pressionados, com destaque para os preços do aço e derivados. Há expectativa de alívio gradual nos próximos meses. Os problemas de escassez de matérias-primas diminuíram em muitas cadeias manufatureiras, mas continuam afetando de forma aguda ramos como o automotivo e o de fabricação de eletroeletrônicos (a falta de semicondutores e chips não deve ser resolvida tão cedo).
- As atividades industriais relacionadas à dinâmica dos investimentos vêm registrando resultados robustos, e isso deve persistir até 2022. Os segmentos de máquinas e equipamentos e da construção civil (especialmente os ramos imobiliários residencial e logístico) estão entre os destaques no que diz respeito ao ritmo de crescimento da produção e das vendas. As atividades têxteis, de vestuário, alimentos e extrativa mineral também aparecem no quadrante mais positivo da indústria.
- As interlocuções recentes com o lado real da economia foram importantes para a calibragem das nossas premissas e projeções desagregadas do PIB de 2021 e 2022. Esperamos crescimento mais disseminado entre os componentes do PIB este ano, com os serviços assumindo o protagonismo. No detalhamento das projeções para o setor terciário, destaque para a recuperação do comércio, dos serviços de transportes e dos serviços prestados às famílias. Projetamos que o PIB Brasileiro crescerá 5,5% este ano e 2,3% ano que vem.
- Por fim, apresentamos neste relatório um boxe especial que aborda os efeitos do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) sobre a dinâmica do mercado de trabalho. Em nossas interações com a classe empresarial, a medida foi avaliada como bastante efetiva para a proteção de ocupações formais, e com uma relação de custo-benefício favorável. Acreditamos que o fim do programa aumentaria o número de desligamentos em relação aos patamares atuais, mas não em grande magnitude. Esperamos uma desaceleração suave da geração líquida de empregos com carteira assinada até o final do ano, com perda de tração das admissões nos setores de comércio e serviços somente a partir do 4º trimestre. Com isso, prevemos criação líquida de aproximadamente 2,2 milhões de vagas formais em 2021.
Introdução: recuperação segue firme, e ainda heterogênea
A atividade doméstica teve desempenho muito acima das expectativas no 1º semestre deste ano. O PIB total cresceu 1,2% no 1º trimestre, a despeito do recrudescimento da pandemia. Ao longo do 2º trimestre, observamos uma recuperação relativamente rápida dessas atividades. A flexibilização das restrições de mobilidade possibilitada pelo avanço da vacinação, o retorno de programas governamentais para enfrentamento aos efeitos da pandemia (destaque ao auxílio emergencial e ao BEm) e a forte demanda global (com termos de troca bastante favoráveis ao Brasil) foram os principais determinantes para esta retomada, em nossa avaliação.
No entanto, os principais setores da economia devem mostrar ritmos de crescimento bastante heterogêneos nos próximos meses. Além disso, riscos importantes à atividade permanecem no radar.
Nas últimas semanas realizamos uma série de conversas com entidades setoriais e empresas, as quais indicaram continuidade da recuperação neste semestre. A primeira seção deste relatório sintetiza as principais conclusões dessas interações.
Tais conclusões foram importantes para calibrar algumas de nossas premissas e projeções desagregadas para o PIB de 2021, que são apresentadas na segunda seção deste relatório. Nossa projeção para o crescimento do PIB este ano segue em 5,5%, conforme discutido em nosso último relatório mensal (Brasil Macro Mensal: Mercados mais voláteis, mas retomada segue surpreendendo).
No detalhamento dessas projeções, destaque para a recuperação dos segmentos de comércio, transportes e serviços prestados às famílias ao longo do ano, e para a indústria de transformação, que avança apesar da alta dos custos de produção e restrições na oferta de algumas matérias-primas.
Diálogos com o setor real: Indústria avança, mas pressão de custos preocupa
As interações junto às entidades representativas e empresas focaram, nas últimas semanas, em setores com grande peso na indústria brasileira, que se relacionam direta ou indiretamente com muitas atividades. Desta forma, julgamos que as interlocuções trouxeram mensagens e percepções muito úteis a respeito do quadro atual e das perspectivas econômicas nos próximos meses. Vale ressaltar que este documento não pretende desenvolver prognósticos específicos para setores ou empresas. Nosso objetivo central é reunir informações sobre o “pulso da atividade econômica” e prover sustentação ao cenário de desempenho do PIB daqui para frente. As próximas rodadas de interações terão como foco os segmentos de serviços, que devem liderar o crescimento do PIB neste semestre.
No período recente, observamos crescimento expressivo dos investimentos. Por exemplo, os níveis de produção de bens de capital registrados nos últimos meses foram superiores àqueles do início de 2020 (pré-pandemia) em mais de 15%. Os patamares historicamente baixos das taxas de juros contribuíram para resultados bastante sólidos dos fabricantes de máquinas e equipamentos nos últimos trimestres. O setor apresentou um perfil de crescimento disseminado entre os diferentes tipos de produtos e demandantes, mas algumas categorias chamaram a atenção, como máquinas agrícolas, máquinas rodoviárias (sobretudo as voltadas para a construção civil), máquinas para fabricação de embalagens, máquinas para o setor farmacêutico, máquinas para automação e robotização. Embora a taxas de crescimento mais moderadas, a demanda por máquinas e equipamentos deve seguir firme até o final do ano.
O setor de fabricação de bens de capital ainda enfrenta um cenário de elevação significativa dos custos de matérias-primas, sobretudo do aço e derivados, mas o aumento de demanda parece ter permitido um grau de repasse satisfatório aos preços dos bens finais recentemente. Segundo nossos interlocutores, os problemas relativos à escassez de insumos diminuíram nos últimos meses, mas os preços ainda cedem pouco (há expectativa de rebalanceamento entre oferta e demanda das principais matérias-primas até o final do ano). No que diz respeito às cotações do aço, o setor espera alguma descompressão nos próximos meses, mas os patamares vistos antes da pandemia não devem retornar, em certa medida devido a mudanças na dinâmica da oferta do produto pela China (influência de medidas ligadas à “economia verde” e objetivos de expansão das exportações próprias de máquinas e equipamentos). Por fim, em relação às perspectivas para 2022, investimentos em obras de saneamento básico (após rodadas de concessões bem-sucedidas) e na indústria de óleo & gás (maior número de projetos em fase de construção de plataformas e estruturas auxiliares) devem dar sustentação à produção doméstica de bens de capital.
Ainda no tema de aumento dos investimentos, outro setor com destaque positivo é a construção civil, sobretudo no segmento imobiliário residencial, o qual não apresenta (ao menos por ora) sinais de arrefecimento de demanda. As condições de financiamento permanecem favoráveis (taxas de juros de longo prazo em níveis relativamente baixos) e há expectativa de valorização adicional dos preços de ativos em muitos mercados. Os lançamentos e vendas de imóveis subiram de forma considerável nos dois últimos semestres, com perfil também generalizado entre faixas de renda e regiões. Dito isso, vale ressaltar as taxas de crescimento mais expressivas da categoria de imóveis de alto padrão, e do maior dinamismo na região Sudeste (cidade de São Paulo como exemplo importante) e em cidades do interior onde o agronegócio tem grande peso na economia. Neste sentido, incorporadoras e construtoras têm observado oportunidades rentáveis de empreendimentos em mercados “não tradicionais”, cuja oferta de ativos de maior valor ainda é limitada.
Além do residencial, o segmento de estruturas logísticas (galpões industriais e centros de distribuição de mercadorias) segue em trajetória de crescimento firme. A adoção de novas práticas e canais de comercialização de produtos durante a pandemia parece ter expandido a demanda de companhias de pequeno e médio porte por estruturas deste tipo. Por outro lado, o segmento imobiliário comercial (ex: escritórios corporativos) ainda não mostra sinais consistentes de retomada. As taxas de ocupação da capacidade instalada seguem deprimidas em várias regiões metropolitanas, e existem muitas incertezas sobre a magnitude e intensidade do retorno ao sistema de trabalho presencial neste semestre. Na categoria de obras de infraestrutura, os níveis de atividade também continuam contidos, como reflexo da trajetória cadente dos investimentos públicos – para 2022, entretanto, representantes do setor acreditam em maior volume de obras de entes governamentais, ainda que de pequenas e médias dimensões.
Em relação aos custos, o grau de preocupação dos agentes do setor segue elevado. A demanda por materiais de construção continua bastante aquecida (como exemplo, as vendas reais desses produtos em maio de 2021 ficaram 22% acima das vendas registradas em fevereiro de 2020, já desconsideradas as influências sazonais), e fornecedores vêm demonstrando dificuldades para atender a todos os pedidos, o que gera atrasos na entrega de obras. Os maiores gastos das famílias com reformas, reparos e consertos nas residências (mercado “formiguinha”), combinado ao maior volume de lançamentos e vendas de imóveis explicam a forte elevação dos preços de insumos da construção nos últimos trimestres. A expectativa do setor é que o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) continuará pressionado no curto prazo. Ainda que grande parte dos contratos imobiliários de ativos vendidos na planta seja corrigida pelo INCC no período de construção, as incorporadas temem o aumento de casos de distrato (ou seja, riscos de devolução de parcela significativa de recursos aos compradores), algo não observado até o momento.
Como reflexo da dinâmica positiva dos setores apresentados acima (entre outros), as siderúrgicas continuam a registrar resultados econômico-financeiros bastante sólidos. A forte expansão das encomendas mantém os estoques em níveis muito abaixo daqueles vistos no pré-pandemia, e a utilização da capacidade instalada permanece em trajetória ascendente, inclusive com o religamento de altos-fornos nos últimos meses. A demanda aquecida sanciona os altos valores cobrados pelo setor siderúrgico, e mesmo que alguma acomodação (talvez até recuo) de preços ocorra daqui para frente, isso partiria de patamares historicamente muitos elevados. Ou seja, as perspectivas para a siderurgia seguem no quadrante mais favorável da indústria de transformação doméstica.
Sob tal cenário, a atividade da mineração está em trajetória de franca expansão. A retomada da economia mundial ampara os preços das commodities metálicas (destaque para o minério de ferro) em máximas históricas, e as empresas brasileiras também se beneficiam dos níveis depreciados da taxa de câmbio (os valores das exportações de minério subiram vertiginosamente) e do aumento da demanda interna, particularmente do mercado imobiliário residencial.
Além dos setores diretamente ligados aos investimentos (fabricação de máquinas e equipamentos e construção civil) e das siderúrgicas e mineradoras, outras cadeias manufatureiras demonstram otimismo no que concerne às perspectivas de curto prazo. Entre elas, vale mencionar a indústria têxtil que, após trimestres desafiadores, parece ter entrado em rota de recuperação consistente. As expectativas do setor são favoráveis para o 2º semestre, em linha com a reabertura da economia e maior demanda por itens de vestuário. Representantes da indústria notam que as lojas físicas – sobretudo o comércio popular das ruas – representam parcela importante das encomendas de produtos têxteis, e apontam para a existência de “demanda reprimida” em relação ao consumo de roupas e acessórios. Assim, a flexibilização das restrições de mobilidade tem exercido papel fundamental para a melhoria de sentimento econômico do empresariado têxtil. A propósito, as vendas de tecidos e vestuário foram encorajadoras nas últimas datas comemorativas de relevância (“Dia das Mães” e “Dia dos Namorados”), e as condições climáticas do período recente (temperaturas abaixo da média) também têm sido favoráveis. De acordo com o setor, grandes varejistas demandantes de produtos têxteis vêm reportando resultados animadores, enquanto companhias menores e “lojas de rua” ainda emitem sinais mistos e erráticos. O choque pandêmico parece ter elevado o grau de concentração deste segmento.
Os níveis de estoques correntes da indústria têxtil estão próximos à normalidade, e a ociosidade da capacidade instalada faz com que as empresas do setor sejam capazes de responder rapidamente à retomada das vendas. Pelo lado dos custos, as principais pressões ainda não foram amortecidas, mas há expectativa de alívio importante ao longo do 2º semestre (percepção de que o pior ficou para trás neste quesito). Em particular, os custos com frete marítimo e importação de fibras sintéticas da China subiram consideravelmente nos últimos trimestres (o Brasil importa cerca de 30% dos insumos transformados em produtos têxteis). Em linha com o grau de concorrência relativamente alto do setor e a demanda moderada, houve compressão das margens no período recente (níveis contidos de repasse da alta de custos para os preços dos bens finais), o que pode ser revertido daqui para frente. Por fim, há perspectivas de aumento das contratações de mão-de-obra nos próximos meses; sobre o nível de emprego, também cabe ressaltar que proporção relevante das empresas de confecção tem utilizado o programa governamental BEm (preservação do emprego e renda). Abordamos com mais detalhes o tema de utilização e impactos do BEm sobre a manutenção do trabalho formal na economia brasileira no final desta seção.
No grupo de atividades manufatureiras com perspectivas favoráveis no curto prazo, a indústria do mobiliário também merece atenção. A demanda total por produtos do setor continua firme, mas com participação crescente do componente externo e acomodação das vendas para o mercado doméstico. A recuperação da economia global será um vetor importante ao crescimento da indústria nos próximos meses, com destaque para a expansão das encomendas da Europa. Praticamente todas as categorias moveleiras registraram aumento de produção e vendas nos dois últimos semestres, refletindo fatores como as condições expansionistas de crédito e a elevação da massa de renda ampliada disponível às famílias brasileiras (volume massivo de pagamentos de auxílio emergencial em 2020). No período mais recente, entretanto, as categorias de mobiliário de médio/alto padrão vêm mantendo taxas de crescimento expressivas, enquanto outros agrupamentos (de menor valor e grau de especialização) passam a dar sinais de desaceleração no ritmo de expansão, dinâmica que deve persistir nos próximos meses. Os custos de insumos também permanecem como principal fonte de preocupação no caso da indústria de móveis (muito representativa na região Sul do país), mas a situação reportada por agentes do setor está bem menos crítica do que a observada entre o final de 2020 e início de 2021. Atrasos no fornecimento de madeira e derivados são pontuais atualmente (chegaram a ser generalizados naquele período), e o setor projeta recuo gradual dos preços de aço a partir de meados do 2º semestre. A propósito, muitas empresas do ramo moveleiro passaram a utilizar menor quantidade de aço em suas novas linhas de produtos, adaptando processos operacionais e o mix de produção ao cenário de restrições na oferta e custos elevados da matéria-prima.
Assim como no caso dos móveis, os níveis de produção e vendas de eletrodomésticos subiram fortemente entre o 3º trimestre de 2020 e o 1º trimestre de 2021. As condições de financiamento atrativas, os estímulos fiscais implementados no ano passado e o comportamento das famílias visando à melhoria do ambiente de convívio doméstico e trabalho remoto induzido pelas restrições de mobilidade (renovação de produtos da casa) foram os principais determinantes dessa dinâmica construtiva. Com isso, as aquisições de bens como geladeiras, fogões, lavadoras de roupas e aparelhos de ar-condicionado (“linha branca”) foram destaques positivos naquele período, caracterizando um quadro de antecipação de consumo de bens duráveis para várias famílias. Os produtos da chamada “linha marrom” (aparelhos eletrônicos de uso doméstico, para informação e entretenimento, como televisores e equipamentos de áudio e vídeo) também registraram expansão, embora a taxas mais moderadas. Por sua vez, as vendas de eletrônicos portáteis tiveram desempenho modesto, inclusive com retração a partir do início deste ano. Neste caso, nota-se que restrições na oferta de insumos (ex: semicondutores e chips) vêm atrapalhando os fluxos de produção.
De fato, os fabricantes de produtos eletroeletrônicos encararam diversos problemas nas cadeias de suprimentos ao longo do 2º semestre do ano passado, envolvendo o fornecimento de aço, itens plásticos, papelão, entre outros. Gargalos na oferta de insumos persistem em 2021, mas em menor magnitude segundo representantes do setor. A maioria das empresas conseguiu repassar parte relevante da alta de custos para os preços dos bens finais, tendo em vista o aquecimento da demanda interna, mas isso poderá ser mais difícil adiante. Há expectativa de desaceleração no ritmo de vendas de produtos eletrodomésticos e eletrônicos nos próximos meses, devido (i) à antecipação de consumo observada nos últimos trimestres, (ii) ao deslocamento de maior proporção dos gastos das famílias do mercado de bens (sobretudo duráveis) para o setor de serviços, haja vista o afrouxamento de restrições sobre atividades consideradas não-essenciais, e (iii) ao aperto gradual das condições monetárias. Os estoques correntes da indústria são avaliados como próximos à normalidade (níveis adequados), após o processo de recomposição realizado no último semestre. Por fim, os desligamentos de mão-de-obra no setor desde o início da pandemia não foram significativos, dada a recuperação rápida da demanda no 2º semestre de 2020 e o grau de qualificação relativamente alto de seus trabalhadores, que estimula uma baixa rotatividade dos empregos.
A fabricação de produtos alimentícios e bebidas segue em tendência de crescimento, ainda que a um ritmo mais moderado no período recente. Tais atividades são bastante diversificadas, mas, em termos gerais, os estímulos implementados pelo governo, com destaque aos pagamentos de auxílio emergencial (quase R$ 300 bilhões transferidos para as famílias mais vulneráveis em 2020), deram sustentação importante para a produção e vendas desta indústria. O fato de supermercados e estabelecimentos correlatos terem sido menos impactados pelas restrições sanitárias (por serem classificados como atividades essenciais) também contribuiu para o cenário de demanda firme. A elevação acentuada dos preços internacionais de commodities exerce forte pressão sobre as indústrias alimentícias, que repassam parcela significativa da alta de custos aos bens finais. As relações comerciais entre tais indústrias e as redes atacadistas e varejistas têm sido marcadas por intensas negociações, e a persistência do aumento de preços das matérias-primas comprime as margens dessas atividades, especialmente nos últimos elos da cadeia em que os principais consumidores pertencem aos estratos inferiores de renda. Isto posto, o retorno dos pagamentos de auxílio emergencial nos últimos meses, ainda que em menor volume (medida que será vigente pelo menos até outubro, antes da implementação de um novo programa governamental de transferências de renda como substituto mais abrangente do “Bolsa Família”), e a melhoria gradual das condições do mercado de trabalho devem manter produção e vendas de alimentos e bebidas em rota de expansão moderada.
Na base da indústria de transformação, o setor de produtos químicos consiste em importante “termômetro” da atividade manufatureira do país. Após crescimento relativamente forte no final de 2020, a indústria química exibiu desaceleração no ritmo de produção nos últimos meses. E o segundo semestre não deve mostrar mudanças relevantes neste quadro. Os estoques dos principais segmentos foram normalizados recentemente, e os níveis atuais de utilização da capacidade instalada estão um pouco abaixo da média histórica. Os níveis depreciados (e a alta volatilidade) da taxa de câmbio estimulam alguns produtores nacionais, mas geram dificuldades financeiras a vários outros. Em termos líquidos, os efeitos são negativos para a indústria química, especialmente porque as atividades de primeira (ex: diesel, nafta, coque, propeno, benzeno) e segunda geração (ex: polipropileno, estireno, resina PET) são quase totalmente dolarizadas. A elevação dos preços internacionais de petróleo impõe pressão adicional de custos. Ainda que grande parte das vendas de produtos químicos dependa da dinâmica de outras cadeias industriais, vale ressaltar que a retomada dos serviços prestados às famílias – que deve ganhar ímpeto neste semestre – também gera estímulos importantes, com destaque às maiores encomendas de bens de higiene pessoal e limpeza utilizados nas atividades turísticas, de hospedagem e alimentação fora do domicílio. Por fim, o setor químico demonstra muita preocupação com o possível fim do REIQ (Regime Especial da Indústria Química), conforme sinalizado no texto da segunda fase da proposta de reforma tributária do governo (focada em tributação da renda).
A indústria de produtos plásticos também compõe a categoria de bens intermediários e situa-se na base de muitas atividades manufatureiras. Este setor é muito heterogêneo em termos de perfil e porte de empresas, mas, de maneira geral, observamos um ritmo de crescimento relativamente forte dos níveis de produção e vendas entre o 3º trimestre de 2020 e o início de 2021, seguido por desaceleração suave no período mais recente. As atividades ligadas a commodities, ao consumo de alimentos e bebidas e ao segmento imobiliário residencial seguem como principais demandantes da indústria do plástico, enquanto outras cadeias manufatureiras mostram perda de tração na margem. Segundo o setor, o grau de repasse da elevação de custos de produção aos compradores variou bastante entre os segmentos e companhias de bens plásticos. Há percepção de espaço mais limitado para repasse aos preços dos bens finais daqui para frente, o que deve ser compensado pela descompressão gradual dos custos dos principais insumos ao longo do 2º semestre.
A indústria automotiva segue enfrentando muitas restrições no lado da oferta de insumos, o que vem prejudicando sobremaneira os níveis de produção. A escassez de semicondutores e chips a nível global (esses componentes são cruciais para os sistemas eletrônicos embarcados dos veículos) não deve ser resolvida no curto prazo, segundo representantes da indústria e demais especialistas sobre o tema. O aumento da capacidade instalada de produção dessas matérias-primas – atualmente, os principais fabricantes estão localizados na Ásia – não ocorre de forma célere, e há expectativa de reequilíbrio entre oferta e procura apenas em meados de 2022. O cenário de gargalos na cadeia de suprimentos, custos em alta e retomada da demanda tem gerado longas filas de espera nas lojas concessionárias, com elevação significativa dos preços de veículos novos. Consequentemente, os veículos usados também apresentam preços pressionados. Sobre este tópico, vale destacar que as limitações no mercado primário (baixa oferta das montadoras) impedem o giro normal de revenda das atividades de locação de automóveis. Isso porque, sob o cenário de menor disponibilidade de veículos novos, as locadoras precisam reduzir a oferta de usados no mercado de revenda para manutenção de suas frotas, potencializando a dinâmica de elevação de preços.
A demanda por veículos apresenta sinais de perda de ímpeto no período recente. Apesar das taxas de juros ainda relativamente baixas e dos avanços do mercado de trabalho formal, as longas filas de espera para aquisição de veículos parecem ter culminado em certa fadiga nas intenções de consumo. Embora este aparente arrefecimento da demanda deva evitar uma pressão adicional nos preços de veículos, as restrições no lado da oferta mantêm as expectativas de pouco alívio nos próximos meses. Os níveis de produção tendem a permanecer erráticos na base mensal (com movimentos de suspensão e reativação de turnos nas montadoras), e os estoques são projetados muito abaixo dos patamares considerados normais pelo menos até o final deste ano – dados recentes mostram estoques equivalentes a menos de 15 dias de vendas, levando em conta montadoras e concessionárias, significativamente aquém dos registros acima de 30 dias vistos no pré-pandemia. Em relação aos principais tipos de veículos, a fabricação e as vendas de caminhões tiveram destaque entre o 2º semestre de 2020 e o início de 2021, impulsionadas, entre outros fatores, pela dinâmica favorável do setor agrícola. Esta categoria também parece perder fôlego no período recente, mas ainda destoa positivamente das demais. Por fim, as exportações de veículos estão em trajetória de recuperação, todavia também exibiram perda de velocidade nos últimos meses – uma expansão mais robusta das vendas externas depende da consolidação da retomada econômica da América Latina.
Impactos do Benefício Emergencial (BEm) sobre a dinâmica do mercado de trabalho
Em todas as interações realizadas recentemente com representantes da economia real, questionamos a respeito do impacto do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) sobre a população ocupada dos respectivos setores, além das expectativas de contratações ou desligamentos no curto prazo.
Em síntese, o programa BEm foi instituído em 2020 pela Medida Provisória 936, convertida na Lei 14.020 (06/07/20), e reeditado em 2021 pela Medida Provisória 1.045 (27/04/21). Como iniciativa para enfrentamento aos efeitos econômicos da pandemia, o BEm é pago pelo governo federal em caso de acordos entre trabalhadores e empregadores nas situações de (i) redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou (ii) suspensão temporária do contrato empregatício.
O benefício prevê que os trabalhadores têm direito à estabilidade de emprego pelo mesmo tempo de duração do acordo de suspensão do vínculo ou diminuição de jornada. Segundo projeções da Dataprev (empresa de tecnologia pública vinculada ao Ministério da Economia – ME), quase 1,45 milhão de trabalhadores terão estabilidade garantida até agosto, considerando apenas os acordos celebrados sob vigência da primeira edição do BEm. Ainda de acordo com dados do ME, cerca de 20,1 milhões de acordos foram firmados em 2020 (considerando os acordos iniciais e as prorrogações), protegendo 9,85 milhões de trabalhadores com carteira assinada.
Em relação à segunda edição do BEm, instituída no final de abril de 2021, o painel de acompanhamento do ME mostra que 3,07 milhões de acordos já foram celebrados (informações até 27 de julho). A expectativa do governo é que cerca de 4 milhões de contratos empregatícios sejam protegidos pela segunda rodada do programa, cujo custo fiscal é estimado em cerca de R$ 10 bilhões (menos de um terço do custo com a primeira rodada, de aproximadamente R$ 33,5 bilhões).
Em nossas interlocuções com a classe empresarial, o BEm foi avaliado como uma medida bastante efetiva de manutenção do emprego, e com uma relação de custo-benefício favorável. Conforme evidenciado nas figuras a seguir, o BEm teve papel determinante para evitar que o total de demissões de trabalhadores com carteira assinada durante a pandemia (dados do CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) ficasse acima dos patamares vistos até fevereiro de 2020. Por exemplo, a média de desligamentos mensais no 2º semestre de 2019 era de 1,262 milhão, não muito diferente da média de 1,289 milhão registrada entre janeiro e maio de 2021 (a média entre abril e dezembro de 2020, período de vigência da primeira rodada do BEm, ficou em 1,117 milhão).
Eis que surge uma questão bastante pertinente relacionando o BEm e a dinâmica do mercado de trabalho: o fim do programa no final de agosto (considerando que não haverá renovação) pode implicar aumento expressivo dos desligamentos e, consequentemente, deterioração dos saldos de ocupação com carteira assinada?
Segundo nossos interlocutores da indústria, o término do programa não levará a aumento (ao menos não substancial) das demissões. Entre os fatores explicativos mencionados, destaque para a expectativa de recuperação firme da atividade doméstica e de resolução (ou gestão equilibrada) da pandemia até o início de 2022. Além da adesão ao BEm, o empresariado destacou que o grau de qualificação/especialização e o nível de custo mais elevados das ocupações da indústria de transformação em comparação à média da economia também contribuíram para a manutenção do nível de emprego na maioria das atividades do setor. A indústria respondeu por 21% dos acordos celebrados sob o programa BEm no ano passado (cerca de 4,2 milhões). Em resumo, o benefício parece ter sido efetivo ao impedir um aumento expressivo de demissões no período de maior vulnerabilidade da indústria doméstica, havendo menor necessidade no cenário econômico atual.
A dinâmica dos postos de trabalho nos setores de comércio e serviços desperta mais dúvidas (esses setores responderam, respectivamente, por 24,4% e 51,7% dos acordos firmados sob o BEm em 2020, o equivalente a 4,9 e 10,4 milhões). Nesses casos, acreditamos que o fim do programa governamental aumentaria o número de desligamentos em relação aos patamares atuais, mas não em grande magnitude. A nosso ver, o resultado mais provável seria uma desaceleração suave da geração líquida de empregos em tais segmentos. Vale destacar que as contratações de mão de obra tiveram altas expressivas nos últimos meses, tendo em vista as perspectivas de retomada do setor terciário em meio ao processo de reabertura gradual da economia.
Segundo nossas estimativas, houve geração líquida mensal, em média, de 215 mil empregos formais no 1º semestre. Projetamos que, ao longo do 2º semestre, o saldo mensal médio seja próximo a 150 mil ocupações (valores com ajuste sazonal). A desaceleração no ritmo de admissões nos setores de comércio e serviços no 4º trimestre é a principal razão por trás desta expectativa (em segundo plano, os efeitos paulatinos do fim do programa BEm). Com isso, prevemos criação líquida de aproximadamente 2,2 milhões de vagas com carteira assinada este ano.
Raio X do PIB em 2021: Crescimento mais disseminado entre os setores, com serviços assumindo o protagonismo
Conforme já mencionado no início do relatório, estimamos ligeiro crescimento de 0,2% para o PIB total no 2º trimestre deste ano em comparação ao trimestre imediatamente anterior, após ajuste sazonal (ver tabela abaixo). Como ainda aguardamos a divulgação de indicadores de atividade referentes a junho, as expectativas apresentadas abaixo podem sofrer alterações nas próximas semanas. Os resultados do PIB do 2º trimestre serão publicados pelo IBGE em 01/09.
Pela ótica da Oferta, o PIB da Agropecuária deve mostrar contração expressiva na margem, compensando parcialmente o aumento registrado no 1º trimestre do ano. A quebra nas safras do café (em maior medida) e do milho são os principais elementos por trás desta projeção. Os resultados do setor primário devem ser fracos também no 2º semestre.
Em relação ao PIB da Indústria, também estimamos queda no 2º trimestre. Entre os subsetores, entretanto, apenas a Indústria de Transformação (IT) deve ter contraído no período (e de forma significativa). As restrições na oferta de insumos – tema bastante explorado neste relatório – pesaram sobre a atividade manufatureira nos últimos meses, especialmente na cadeia automotiva. Ainda que a normalização plena das cadeias de suprimentos não deva ocorrer em breve, esperamos recuperação gradual da IT ao longo deste semestre. Por sua vez, a indústria Extrativa Mineral permaneceu em rota de forte crescimento no trimestre passado, com resultados sólidos nas cadeias do petróleo e do minério de ferro, e tal dinâmica não será revertida no curto prazo. O PIB da Construção Civil também deve ter expandido entre abril e junho, em linha com o aumento adicional da produção de insumos típicos da construção e da melhoria, ainda que modesta, da massa de renda real do setor. Os ramos imobiliários residencial e logístico darão sustentação ao setor na segunda metade do ano.
O PIB de Serviços deve apresentar crescimento disseminado entre seus componentes no 2º trimestre. O afrouxamento das restrições de mobilidade, o retorno dos pagamentos de auxílio emergencial e a retomada da confiança do consumidor levaram o PIB do Comércio e o PIB de Outros Serviços (com peso relevante dos serviços prestados às famílias) a crescerem de forma expressiva na margem. O subsetor de Serviços de Informação e Comunicação permaneceu em trajetória ascendente, com participação importante das atividades de tecnologia de informação. Outro destaque positivo no 2º trimestre parece ter sido o componente de Serviços de Administração, Saúde e Educação Públicas; os maiores valores de produção dos serviços ambulatoriais e hospitalares do setor público de saúde, em linha com dados divulgados pelo DataSUS (Ministério da Saúde), sugerem crescimento do PIB deste subsetor, apesar de continuar em níveis muito inferiores aos registrados no pré-crise sanitária.
Acreditamos que o processo de reabertura da economia, respaldado pelos avanços na campanha de imunização contra a Covid-19, manterá o setor de serviços em rota de recuperação no 2º semestre. Em particular, os serviços prestados às famílias devem exibir aceleração no ritmo de crescimento ao longo dos próximos meses. A existência de demanda reprimida no consumo de serviços (ex: gastos com alimentação fora do domicílio, hospedagem, viagens turísticas, eventos, etc.) e a expectativa de melhoria do mercado de trabalho sustentam este prognóstico. As vendas reais do comércio tendem a continuar em território positivo, porém com taxas de crescimento mais suaves. A normalização gradual da prestação de serviços públicos (notadamente nas áreas de saúde e educação) também exercerá contribuição importante para a recuperação do PIB de Serviços daqui para frente.
Pela ótica da Demanda, estimamos recuperação firme do Consumo das Famílias no 2º trimestre, na esteira da flexibilização das restrições de distanciamento social que impactaram as atividades classificadas como não-essenciais no início do ano. Além disso, destaque para a contribuição líquida bastante positiva do Setor Externo na margem, em que pese o efeito da base de comparação elevada no caso das Importações (nota-se o efeito da contabilização das plataformas de petróleo ainda associadas às mudanças no regime aduaneiro Repetro). As Exportações seguem crescendo a taxas significativas, impulsionadas pela retomada sólida da demanda global. Por sua vez, a expectativa de retração da Formação Bruta de Capital Fixo no 2º trimestre precisa ser avaliada com muita cautela, já que os trimestres anteriores mostraram crescimento muito acentuado dos investimentos (de forma análoga às Importações, houve impacto das mudanças no Repetro). No 4º trimestre de 2020, por exemplo, os Investimentos subiram cerca de 20% na margem.
Ao longo do 2º semestre, esperamos continuidade do crescimento do Consumo das Famílias, puxado sobretudo por serviços. Os fluxos de Investimentos devem ficar em patamares elevados, com bom desempenho tanto da construção civil quanto do consumo aparente de bens de capital. Segundo nossas estimativas, Exportações e Importações permanecerão em trajetória ascendente, com destaque às vendas externas. Por fim, prevemos recuperação paulatina do Consumo do Governo, mas este componente deve retornar aos patamares pré-pandemia apenas no final de 2022.
Com base no exposto acima, projetamos que o PIB total crescerá 1,0% no 3º trimestre e 0,8% no 4º trimestre, já descontados os efeitos sazonais. Essas taxas de variação são compatíveis com nosso cenário de expansão de 5,5% para o PIB de 2021.
Entretanto, o grau de incerteza do quadro econômico segue elevado. A disseminação da variante Delta do coronavírus, gargalos em cadeias de suprimentos, a persistência da pressão inflacionária (com vários choques de oferta) e turbulências no lado fiscal e político são os principais riscos no ambiente atual.
Apesar disso, reforçamos que as perspectivas para a atividade econômica brasileira no 2º semestre são promissoras, com a consolidação da retomada de um grande conjunto de setores.
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