Lembro como se fosse ontem aquela data. Naquela época, eu trabalhava em um banco americano, e estava acompanhando de perto o que acontecia nos EUA. Naquele sábado, uma reunião de emergência foi convocada no Federal Reserve de NY, com os CEOs de todos os maiores bancos americanos. Eu estava trabalhando naquele fim de semana, com um olho nos meus relatórios de análise, e outro no noticiário. A data era 13 de setembro de 2008.
A reunião fora chamada para discutir uma solução de emergência para a Lehman Brothers, que, se não fosse vendida para algum outro banco, teria que pedir concordata na segunda-feira. O banco que eu trabalhava estava entre uns dos que poderiam ser o próximo na lista, de acordo com as notícias. Não foi um fim de semana fácil, como se pode imaginar. A Lehman Brothers acabou pedindo falência, causando uma crise sistêmica de enormes proporções.
Os acontecimentos das últimas 48 horas levaram a comparações óbvias com aquela data. Afinal, dois bancos americanos foram fechados e tomado pelos reguladores em apenas 2 dias – na sexta feira, foi o Silicon Valley Bank, e no domingo, foi a vez do Signature Bank de NY. Nessa manhã de segunda feira, bancos europeus abriram em queda, e outros bancos regionais americanos também estão sofrendo no pre-market.
As comparações com 2008 são naturais, mas as similaridades, por enquanto, param por aí. Vamos olhar porque a situação atual parece diferente do que foi naquele momento. Porém, manter uma alocação defensiva nas carteiras segue sendo adequado para o momento, dado que o sentimento de aversão a risco deve continuar.
O que aconteceu com o Silicon Valley Bank e o Signature Bank?
Vamos começar pelo Silicon Valley Bank (SVB). Como o próprio nome diz, esse era o banco preferido do mundo das startups e das empresas de tecnologia. Com mais de US$200 bilhões em depósitos, o SVB cresceu rapidamente a sua base de clientes e seus depósitos nos últimos anos, em conjunto com as captações das empresas do setor e dos fundos de Venture Capital.
Como resultado, o banco se viu obrigado a comprar grandes quantidades de títulos do governo (bonds) e títulos privados e de hipotecas (MBS) para compor a sua base regulatória de ativos líquidos. Porém, dado o baixo nível de juros nos EUA, a gestão do banco optou por comprar títulos de vencimento de longo prazo, que tinham um rendimento maior.
Grande parte desses ativos estavam contabilizados como “Held to maturity” (Mantidos até o Vencimento). Dessa forma, esses títulos são marcados pelo preço de aquisição, não pelo preço de mercado, evitando assim variações de preços constantes no balanço dos bancos a cada trimestre.
Com a forte alta de juros nos EUA, o banco observou uma forte queda no valor nesses títulos, mas que não estava aparecendo nos resultados ou no seu balanço. Recentemente, com o aumento dos questionamentos a respeito da sua saúde financeira e uma corrida por saques por muitos clientes, o banco se viu obrigado a vender parte dessa carteira para recompor seu capital, com um grande desconto ao valor que estava marcado em seu balanço. O que se viu em seguida foi um clássico exemplo de uma corrida bancária, quando os clientes correram para sacar os seus depósitos o mais rápido possível. Essa corrida foi acelerada pelo mundo digital, onde as transações são feitas via um celular ou computador, sem a necessidade de o cliente ir até a agência.
Essa corrida ao SVB forçou o FDIC (Fundo Garantidor americano) a assumir o controle do banco na sexta-feira. O problema é que o FDIC garante depósitos até US$250 mil, e mais de 90% dos depósitos no SVB eram acima desse valor. O SVB estava entre os 20 maiores bancos americanos. Porém, seus ativos representavam menos de 1% do total do sistema financeiro americano.
O temor e pânico no ecossistema de tech se instalou nos últimos dias, com as empresas em dúvida se conseguiriam pagar seus funcionários e seguir suas operações, caso não conseguissem acessar os seus depósitos.
Durante a tarde de domingo, um novo anúncio foi feito nos EUA. Dessa vez, o Signature Bank de NY também foi fechado e tomado pelos reguladores. Um banco com US$89 bilhões e depósitos e muito usado pelo ecossistema crypto, o anúncio pegou muitos de surpresa. Porém, na sexta feira as ações do Signature caíram 22%, mostrando que os investidores já estavam bem preocupados com o banco, após o ocorrido no SVB. Os reguladores não esperaram o mercado abrir na segunda feira para agir, o que foi bem recebido.
Uma nova crise financeira adiante?
O receio em relação a uma nova crise financeira é natural. Afinal, todas as vezes que o Federal Reserve sobe juros, algo acontece no mundo em algum setor (ou país) que estava alavancado ou com preços muito altos no mercado. Foi assim na crise do México em 1994, com o fundo LTCM em 1998, com a bolha de tecnologia em 1999-2000 e a crise do sub-prime e do setor de real estate em 2007-08.
Porém, os bancos americanos e globais têm hoje uma regulação muito mais restritiva, que foi aprovada após a crise de 2008. Isso tornou o sistema financeiro hoje mais seguro do que era na época. Os níveis de capital regulatório são maiores, e os níveis de alavancagem do sistema são menores, e as regulações ao redor de empréstimos também são mais duras. Isso tudo ajudou a tornar o sistema muito mais seguro, mas ainda não à prova de falências, como vimos no caso desses dois bancos regionais americanos.
Além disso, o rápido anúncio do Federal Reserve e do governo americano, garantindo todos os depósitos dos clientes dos dois bancos em intervenção, ajudou a estancar a crise de confiança que se gerou com os bancos regionais americanos. A possibilidade de uma nova corrida bancária nos bancos pequenos e médios nos EUA foi reduzida após esse rápido anúncio das autoridades americanas. Os EUA possuem mais de 4,200 bancos assegurados pelo FDIC, uma fragmentação muito maior do que vemos no setor bancário brasileiro.
Em suma, não vemos uma crise sistêmica nos moldes e profundidade que vimos em 2008, dadas as grandes diferenças que existem hoje e que foram implementadas desde então. Além disso, os reguladores e bancos centrais têm atuado muito mais rapidamente para conter o contágio, como vimos nesses últimos dias, e também em 2020. Dito isso, a volatilidade e aversão a risco devem seguir dando a tona dos mercados nas próximas semanas.
O que esperar para os mercados: aversão a risco deve seguir
Apesar de uma crise mais profunda ter sido evitada pela rápida ação dos reguladores americanos durante o fim de semana, o cenário ainda pede cautela e uma posição mais defensiva nas carteiras. Como escrevemos nos relatórios recentes, não vemos a Bolsa americana com um valor muito atrativo no momento.
A Bolsa americana ainda negocia próximo a 18x Lucro, acima das médias históricas entre 15-16x. Além disso, a renda fixa americana hoje oferece as taxas de juros mais altas desde 2007, o que a torna uma boa opção aos investidores no momento. Em suma, o investidor está sendo pago na renda fixa para esperar uma melhor oportunidade de aumentar exposição na bolsa americana.
No longo prazo, porém, poucas classes de ativos no mundo tiveram uma performance melhor que a bolsa americana. Portanto, enquanto a visão tática é mais cautelosa no momento, a visão estrutural em relação a alocação em renda variável global permanece intacta.
Como impacta o Brasil?
Para o mercado brasileiro, temos que lembrar que também estamos em um cenário incerto. A dúvida em relação à política Macroeconômica futura permanece, em especial como se dará a política fiscal e a política monetária. Essa incerteza traz dúvidas em relação ao crescimento, taxas de juros, inflação, endividamento do governo e outros indicadores chave para a economia.
Dito isso, caso a crise nos bancos regionais americanos force o FED a ter uma postura mais frouxa em relação à taxa de juros, como está sendo precificado no mercado, o mercado passou a precificar na curva de juros um espaço para o Copom também cortar juros já no segundo semestre desse ano. Um início de ciclo de afrouxamento dos juros no Brasil pode ajudar os ativos brasileiros, como a Bolsa, e os títulos pré-fixados.
Mas é importante lembrar que o Brasil é um mercado emergente, e tem uma sensibilidade/volatilidade maior que outros mercados em um evento de aversão a risco global. Dessa forma, não estamos isolados do resto do mundo, e os acontecimentos lá fora seguirão tendo impacto nos preços de ativos por aqui.
Como se posicionar no cenário atual
Uma posição defensiva segue sendo a adequada para investidores de diferentes perfis. Isso significa ter uma carteira diversificada em diferentes classes de ativos, e manter ativos de qualidade na carteira de investimentos. Nossa equipe de alocação tem mantido essa postura nas carteiras recomendadas por perfil, que você pode checar aqui.
No mercado de ações, isso significa se manter investido em ações de boas empresas, que geram caixa, pagam dividendos, e são de setores que consigam navegar em tempos mais turbulentos. Nossos três temas de investimento na Bolsa seguem inalterados: 1) Commodities, 2) Empresas com crescimento secular e 3) Empresas de qualidade que estão negociando a preços razoáveis. Veja as nossas últimas visões e carteiras para a Bolsa brasileira no último Raio XP.
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