Mudança de recomendação de Sanepar
Rebaixamos as ações da Sanepar de Compra para Neutro com um novo preço-alvo de R$ 24,5/unit, de R$ 30/unit anteriormente. Nossa mudança de recomendação é baseada nos seguintes anúncios da agência reguladora AGEPAR:
- A implementação de um reajuste tarifário de 5,11236% para o ano de 2020 a partir de 5 de fevereiro de 2021 (que se compara aos 9,62% calculados anteriormente), e;
- O anúncio de cálculos preliminares do 2º processo de revisão tarifária, com um resultado inicial previsto de -2,5882% nas tarifas.
As mudanças em nossas estimativas refletem a incorporação dos impactos do reajuste tarifário de 2020 e nossas expectativas para a conclusão da 2ª revisão tarifária.
Em resumo, vemos os anúncios como muito negativos para a Sanepar, e que justificam que as ações negociem a um desconto em relação às pares do setor e aos níveis históricos daqui em diante. Dentre os motivos pelos quais temos uma percepção negativa dos anúncios, destacamos:
- Reajuste tarifário de 2020: destacamos como negativa a mudança unilateral e arbitrária pela AGEPAR dos índices de inflação utilizados para atualizar a parcela gerenciável das tarifas no reajuste de 2020 (de IGP-M para IPCA);
- Diferimento tarifário: foi feita a retirada de um componente de 3,4432% do reajuste anual de 2020 relativo ao diferimento do 1º ciclo de revisão tarifária;
- Cálculos preliminares da base de ativos (RAB): os cálculos preliminares da 2º revisão tarifária, principalmente no que se refere aos números divulgados da Base de Ativos Regulatórios Bruta e Líquida (RAB), que são de extrema importância dentro de um processo de revisão tarifária tendo em vista que as tarifas possuem um componente de remuneração do investimento realizado pela companhia. Mais especificamente, detalhamos: (a) os números publicados ainda não levam em consideração os investimentos feitos pela Sanepar ao longo do primeiro ciclo tarifário (2017-2020), o que se traduz na ausência de R$ 3,06 bilhões nos números preliminares da RAB Líquida, e; (b) há uma série de potenciais revisões negativas nos números publicados da RAB em termos de descasamentos físico-contábeis (“sobras físicas”), investimentos não auditados de 2016 e a inclusão de ativos não reembolsáveis via tarifas, implicando riscos de uma revisão negativa de R$ 2,85 bilhões sobre os números preliminares da RAB Líquida divulgada;
- Cálculos incorretos do WACC: Identificamos uma incorreção nos cálculos de Custo Médio Ponderado de Capital (WACC) de 10,9351% / 7,2712% (bruto e líquido de impostos, respectivamente). O erro refere-se à inversão dos componentes dívida / capital e patrimônio líquido / capital na fórmula do WACC. Com a correção, nossos cálculos apontam que os resultados do cálculo do WACC deveriam ser de 11,1752% / 7,3757% (bruto / líquido de impostos);
- Proposta de revisão total da base blindada: A AGEPAR propôs que a Base de Ativos Blindada (que corresponde aos investimentos históricos de ciclos tarifários anteriores que teoricamente estão protegidos de revisões futuras) pode ser totalmente revisada a cada ciclo ímpar de revisão tarifária (3º, 5º, 7º …). Na nossa visão, tal proposta é muito negativa e implica em muitas incertezas para a Sanepar em futuros ciclos de revisões tarifárias, dados os riscos de que os números da base de ativos poderiam ser revisados ao bel-prazer da Agência para mitigar aumentos de tarifas de saneamento. Nesse sentido, haveria um enorme grau de incerteza para as projeções de resultados da Sanepar no futuro;
- Devolução do benefício fiscal do JCP em tarifas: A AGEPAR propôs a implementação de ajustes compensatórios negativos associados a despesas de imposto de renda e contribuição social (IR e CSLL) abaixo do previsto ao longo do 1º ciclo tarifário (2017-20). A diferença é explicada principalmente pelas distribuições de Juros sobre Capital Próprio (JCP) da Sanepar ao longo do período, as quais implicaram uma redução da base tributável de IR e CSLL. As conclusões que podem ser tiradas desse ajuste são: (i) a AGEPAR está basicamente negando à Sanepar o benefício fiscal associado às distribuições de JCP e (ii) o ajuste implica riscos de que as distribuições de JCP sirvam como forma de subsídio para as tarifas às custas de acionistas no futuro;
A nosso ver, os anúncios acima mencionados resumem o enorme grau de incertezas e a precariedade do ambiente regulatório que a Sanepar está inserida, e que tornaram praticamente inviável qualquer tese de investimentos nas ações. Por este motivo que rebaixamos as ações de Sanepar para Neutro.
RAB: Sigla em inglês para Regulatory Asset Base, ou Base de Ativos Regulatória. Corresponde ao valor dos investimentos realizados por uma empresa de saneamento em sua área de concessão, e que embasa às tarifas cobradas dos usuários após contabilização em revisões tarifárias, que normalmente ocorrem em intervalos regulares, como a cada 4 anos.
Normalmente, o múltiplo EV/RAB é utilizado para avaliar a relação entre o valor completo da empresa e a base de ativos em sua concessão. Além do setor de saneamento, este múltiplo é utilizado no setor de distribuição de energia.
Por que nossa recomendação é Neutra e não de Venda?
Após a queda de -18,96% nas ações da Sanepar desde os anúncios no âmbito regulatório no final de dezembro de 2020, seria possível argumentar que os maiores riscos da tese de investimento já foram precificados. Na verdade, nós até identificamos potenciais chances de alta para as ações em nossa análise de diferentes cenários para possíveis resultados do 2º processo de revisão tarifária, visto que a consulta pública para o processo continuará até 17 de fevereiro de 2021, e as tarifas finais serão implementadas em maio de 2021.
O fato de diversos problemas que identificamos no processo de revisão tarifária da Sanepar poderem ainda ser endereçados pela AGEPAR é o principal motivo pelo qual não rebaixamos a recomendação das ações da companhia para Venda.
Neste relatório, apresentamos uma análise detalhada de todos os principais parâmetros da 2ª revisão tarifária da Sanepar, bem como uma análise de possíveis cenários para a conclusão do processo.
Apesar do potencial de alta teórico que calculamos, acreditamos que não podemos mais confiar na estabilidade do ambiente regulatório da Sanepar após os recentes anúncios feitos pela agência regulatória AGEPAR, principalmente no que diz respeito aos termos da 2ª revisão tarifária. No caso, acreditamos que teria sido melhor que a AGEPAR tivesse postergado o processo de revisão tarifária do que ter divulgado termos preliminares com incorreções (como no caso do WACC) e inacabados (como no caso da RAB). O motivo é que os resultados preliminares da revisão divulgados até o momento praticamente não tem significado algum, e podem levar à criação de falsas expectativas por parte de consumidores, agentes do setor público e o mercado.
Por fim, queremos deixar claro que a importância de se aprimorar os termos da 2ª revisão tarifária da Sanepar vai muito além dos interesses de acionistas e do mercado financeiro. Com base em nossas estimativas, se a Sanepar objetiva cumprir a meta de universalização do saneamento até 2033 (conforme exigido pelo Novo Marco Regulatório do Saneamento, aprovado em 2020), seriam necessários investimentos totais de R$ 21,5 bilhões (em termos reais). Assumindo os parâmetros atuais de remuneração do capital (WACC) e depreciação, isso implicaria aumentos reais de tarifas ao ano (ou seja, acima da inflação) + 2,5% até 2033.
A pergunta que deixamos para nossos leitores e para os agentes envolvidos no processo da 2ª revisão tarifária da Sanepar é se um aumento de 2,5%/ano das tarifas acima da inflação é preço muito alto a se pagar para garantir que os habitantes dos 345 municípios atendidos pela Sanepar tenham o direito a uma prestação adequada de serviços de saneamento. Os resultados finais do processo de revisão servirão como resposta a este questionamento.
Desde que iniciamos a cobertura da Sanepar em 8 de outubro de 2019 com uma recomendação de Compra, as ações caíram -14,56%. Isso se compara a -12,18% para a Sabesp, -10,74% para a Copasa e +18,91% para o índice Ibovespa. A Sanepar negocia atualmente a 0,55x EV / RAB vs. 0,62x historicamente, 0,80x para a Sabesp e 0,70x para a Copasa.
Análise completa do reajuste de 2020 e dos termos da 2ª revisão tarifária da Sanepar
Reajuste tarifário vs. Revisão tarifária: No reajuste tarifário é feita uma atualização das tarifas prevista nos contratos de concessão, com objetivo de preservar o equilíbrio econômico e financeiro das empresas. Pelos contratos, existem três modalidades de reajuste tarifário: reajuste anual, revisão periódica e revisão extraordinária.
Já a Revisão tarifária ordinária está prevista nos contratos de concessão, e é realizada considerando-se as alterações na estrutura de custos e de mercado da concessionária, os níveis de tarifas observados em empresas similares, no contexto nacional e internacional, e os estímulos à eficiência e à modicidade tarifária.
Destaques do reajuste tarifário de 2020
- Reajuste tarifário anterior de 9,2699% foi recalculado para 5,11236%;
- O primeiro motivo da alteração foi a substituição do índice de inflação IGP-M pelo IPCA para correção monetária dos componentes remuneração do capital e depreciação (diferença acumulada de 7,32% vs. 4,306%);
- O segundo principal motivo foi a exclusão de um componente de 3,4432% referente ao diferimento do 1º ciclo de revisão tarifária (veja mais detalhes aqui);
- As mudanças foram atribuídas ao atual ambiente adverso de vulnerabilidade social devido à pandemia do COVID-19 e à crise hidrológica no estado do Paraná;
- A implementação da tarifa ocorrerá em 5 de fevereiro de 2021;
- A compensação da exclusão da componente de diferimento de 3,4432% e do adiamento do reajuste tarifário entre maio de 2020 e fevereiro de 2021 será avaliada no 2º ciclo de revisão tarifária;
Destaques da 2ª revisão tarifária
- A fase de consulta pública iniciou em 4 de janeiro de 2020, com resultados divididos em 9 Notas técnicas;
- Os resultados preliminares da revisão tarifária são uma redução de -2,5882% sobre as tarifas a vigorar a partir de fevereiro de 2021, ou R$ 5,3031 / m³
- WACC: duas metodologias de cálculo foram apresentadas. A primeira metodologia é a mesma do 1º ciclo de revisão tarifária com dados atualizados e apresenta resultados de 11,3680% / 7,5029% (bruto / líquido de impostos). A segunda metodologia usa a mediana do título de tesouro americano de 10 anos como referência de taxa livre de risco e seus resultados são 10,9351% / 7,2712%.
- No entanto, ao analisar a planilha com mais cuidado, identificamos uma incorreção nos cálculos do WACC: os componentes dívida / capital e patrimônio líquido / capital estão invertidos. Se ajustarmos a fórmula, os resultados deveriam ser 7,3757% / 11,1752%.
- Capital de Giro de 5,57% da receita operacional;
- Custos Operacionais Eficientes: duas metodologias de cálculo foram apresentadas. A primeira metodologia ajusta os níveis de custos de 2016 (considerados níveis eficientes) pela inflação acumulada (IPCA) que implica um total de R$ 1,836 bilhão. A segunda metodologia também leva em consideração as mudanças na população coberta e implica um total de R$ 1,717 bilhão. A segunda metodologia foi finalmente escolhida, e está em média -11,9% abaixo de nossas estimativas;
- Outras receitas: Estimativa de R$ 126,5 milhões ou 3,2% da receita de saneamento;
- Provisões por inadimplência (PDD): 0,53% da receita total;
- Projeções de investimentos: A AGEPAR implementou um corte de -20% sobre as projeções de investimentos (Capex) fornecidas pela Sanepar para o atual ciclo regulatório (2021-2024) de R$ 7,0 bilhões.
- A Agência implementou esse ajuste com o objetivo de eliminar o componente de “contingências” incluído pela Sanepar em suas projeções em decorrência de diferenças históricas (negativas) entre investimentos orçados e realizados devido a descontos em processos licitatórios, atrasos e processos licitatórios abandonados. Além disso, a agência também excluiu investimentos sob a categoria “outros”, por corresponderem a a ativos diretamente relacionados à prestação de serviços de saneamento (geralmente são investimentos no segmento corporativo);
- No entanto, quando comparamos as projeções de investimentos de saneamento incorporadas nas tarifas com o plano de investimentos da Sanepar (que embasa nossas estimativas), notamos que a diferença é de -10%. Em linha com a metodologia da AGEPAR, também não incorporamos investimentos na categoria “outros” em nossas estimativas de Base de Ativos Regulatórios (RAB).
Reajustes compensatórios do primeiro ciclo tarifário. Existem 3 reajustes compensatórios relativos ao primeiro ciclo tarifário (1º RTP), sendo eles:
- Ajustes compensatórios corrigidos pelo WACC: R$ (0,051) / m³ de impacto. Tais ajustes correspondem ao impacto líquido de: (i) ajuste negativo de R$ (344) milhões referente às diferenças de despesas de Imposto de Renda esperadas no período 2017-19, e que estão principalmente relacionadas às distribuições de Juros sobre Capital Próprio (JCP) autorizadas pela Sanepar no período, e (ii) R$ 176 milhões a título de compensação pela postergação do reajuste tarifário de 2020 de maio de 2020 para fevereiro de 2021;
- Ajustes compensatórios corrigidos pela SELIC: impacto de R$ 0,0459 / m³. Esse impacto refere-se à antecipação do diferimento do impacto total da 1ª revisão tarifária. Lembramos que em 2017, os cálculos da AGEPAR apontavam para um aumento de 25,6% nas tarifas da 1ª revisão tarifária periódica, mas a agência concedeu apenas 8,53% e diferiu o reajuste remanescente em 8 anos, com parcelas corrigidas pela SELIC;
- Ajustes compensatórios corrigidos por IPCA: R$ (0,004) / m3 de impacto. Tal reajuste refere-se a R$ (12,5) milhões de “outras” receitas acima do esperado em relação às projeções para o primeiro ciclo tarifário (2017-2020).
Vemos como negativos os ajustes relativos à remuneração do benefício de Juros sobre Capital Próprio (JCP), tendo em vista que podem implicar riscos de que a distribuição de proventos na forma de JCP sirva como forma de subsídio de acionistas a consumidores da Sanepar nas tarifas.
- Base de Ativos Regulatórios (RAB): Os resultados preliminares da RAB bruta e líquida foram de R$ 23,28 bilhões e R$ 13,17 bilhões para 2020, respectivamente. No entanto, algumas considerações devem ser feitas sobre os números divulgados:
- Tais valores correspondem apenas à atualização monetária da Base de Ativos Regulatórios da Primeira Revisão Tarifária (1ª RTP), não levando em consideração os investimentos realizados pela empresa entre 2017 e 2020 (RAB incremental). Com base nas informações financeiras da Sanepar entre 2017-2020, isso implica uma ausência de R$ 3,5 bilhões em termos de RAB Bruta e R$ 3,06 bilhões em termos de RAB Líquida (sem assumir que a AGEPAR efetue eventuais glosas ou descontos sobre os investimentos realizados);
- Conforme a nota técnica nº 9 da AGEPAR, o órgão regulador identificou R$ 518 milhões em ativos não reembolsáveis na base de ativos. Isso corresponde a ativos que não foram adquiridos com recursos da empresa, mas por outros meios como recursos governamentais e doações e que, na visão da agência, foram incorretamente incluídos nos cálculos do RAB Bruta do 1º RTP;
- Conforme a nota técnica nº 9 da AEGPAR, a Agência estimou impactos relacionados às inconsistências físico-contábeis (“sobras físicas”, que correspondem a descasamentos entre dados contábeis e laudos técnicos que verificam a existência de tais ativos) de: (a) R$ 3,07 bilhões na RAB Bruta e (b) R$ 1,98 bilhão na RAB Líquida. Além disso, de acordo com a Resolução AGEPAR 01/2021 (sobre a metodologia de avaliação da Base de Ativos Regulatórios da Sanepar), a inclusão de tais valores na RAB da Sanepar somente poderá ocorrer se for possível comprovar (com documentação apropriada) que tais ativos foram adquiridos com recursos da empresa – ou seja, são reembolsáveis e podem ser incorporados nas tarifas. Além disso, embora tais inconsistências físicas estejam embutidas nos números preliminares da RAB divulgados, a correção monetária por inflação entre o período 2017-2020 não o foi. Em nossas estimativas, isso implica um efeito negativo de R$ 680,8 milhões na RAB Bruta e R$ 439,1 milhões na RAB Líquida;
- Por fim, de acordo com a nota técnica nº 9 da AGEPAR, a Agência estimou R$ 962 milhões em ativos relacionados a investimentos realizados em 2016 que não foram auditados por uma agência de certificação se observaram os princípios de elegibilidade e prudência (por exemplo, se a Sanepar buscou as melhores alternativas possíveis em termos de custos para não penalizar os clientes com a incorporação de investimentos desnecessários na base de ativos). Além disso, a correção monetária desses ativos também não foi incluída nos números preliminares da RAB. Isso implica efeitos negativos de R$ 212,8 milhões na RAB Bruta e R$ 190,7 milhões na RAB Líquida.
- Em relação à metodologia de cálculo da RAB da Sanepar na Resolução 01/2021, também destacamos como negativa a proposta da agência reguladora AGEPAR sobre a possibilidade de uma reavaliação completa da “Base Blindada” (que corresponde aos investimentos históricos realizados pela Sanepar em ciclos tarifários anteriores que teoricamente estão protegidos de revisões futuras) em cada ciclo ímpar de revisão tarifária (3º, 5º, 7º …). Em nossa opinião, esta é uma proposta muito negativa por implicar grandes incertezas para a Sanepar em ciclos futuros de revisões tarifárias, tendo em vista que a Agência poderia realizar revisões sobre a base de ativos a seu critério para, por exemplo, mitigar aumentos de tarifas;
O que podemos concluir da análise mencionada acima é que as estimativas preliminares de R$ 23,28 bilhões e R$ 13,17 bilhões de RAB Bruta e Líquida divulgadas pela AGEPAR certamente não serão os números finais a serem considerados na 2ª revisão tarifária da Sanepar, dado que: (i) a Agência deve ainda atualizar a RAB com os investimentos realizados entre 2017-20 e (ii) há uma série de ajustes negativos potenciais que a Agência pode realizar na RAB até o final do processo de revisão tarifária.
No caso, acreditamos que teria sido melhor se a AGEPAR tivesse adiado todo o processo de 2ª revisão tarifária e apresentado estimativas finalizadas da Base de Ativos Regulatória, visto que os números divulgados são inacabados e, portanto, fazem com que os resultados preliminares da revisão tarifária apresentados não tenham significado algum. Além disso, a divulgação de tais números também pode ter levado à criação de falsas expectativas por stakeholders como consumidores, agentes do governo e investidores;
Dada a ampla gama de resultados potenciais da 2ª revisão tarifária (principalmente no que diz respeito aos números finais da RAB), preparamos uma análise de diferentes cenários para avaliar os impactos potenciais para a Sanepar. As principais premissas comuns a todos os cenários são:
- Assumimos que a AGEPAR incorpora na base de ativos os investimentos realizados pela Sanepar ao longo de 2017-20 em todos os cenários, dado que é a única abordagem razoável (mesmo que a Agência possa aplicar glosas sobre os investimentos realizados);
- Assumimos a exclusão de R$ 518 milhões relativos a bens não reembolsáveis da RAB Bruta, tendo em vista que vemos uma baixa probabilidade de que tais valores figurem nos resultados finais da base de ativos;
- Assumimos que a AGEPAR ajusta os cálculos do WACC para a inversão do componente dívida / capital e patrimônio líquido /capital, que calculamos anteriormente como 7,3757% / 11,1752% líquido de impostos e bruto de impostos, respectivamente;
- Não assumimos quaisquer alterações em outros parâmetros da 2ª revisão tarifária, como custos não gerenciáveis, ajustes compensatórios, custos gerenciáveis e outras receitas;
Os quatro cenários contemplados em nossa análise são:
- Cenário 1: Cenário Pessimista: Assumimos a exclusão das sobras físicas e dos investimentos de 2016 da Base de Ativos (RAB), resultando em impactos negativos de R$ (4,56) bilhões e R$ (2,85) bilhões na RAB bruta e líquida, respectivamente. Nesse cenário, estimamos (a) RAB Bruta e Líquida de R$ 22,2 bilhões e R$ 13,4 bilhões em novembro de 2020 (data-base para avaliação da base de ativos para a revisão); (b) um ajuste da parcela B das tarifas (que cobre os custos gerenciáveis e a remuneração do capital) de -7,64% e; (c) um reajuste tarifário total de -3,61%.
- Cenário 2: Cenário Otimista: Assumimos a inclusão na Base de Ativos das sobras físicas e dos investimentos realizados em 2016, bem como e a correção monetária associada de tais componentes, resultando em acréscimos de R$ 375 milhões e R$ 630 milhões para a RAB Bruta e Líquida, respectivamente. Nesse cenário, estimamos (a) RAB Bruta e Líquida de R$ 27,2 bilhões e R$ 16,9 bilhões em novembro de 2020; (b) um aumento da parcela B das tarifas de + 1,60% e; (c) um aumento tarifário global de + 5,63%.
- Cenário 3: Cenário intermediário 1: Assumimos a inclusão na Base de Ativos das sobras físicas e dos investimentos realizados pela Sanepar em 2016, mas aplicamos um corte (“glosa”) de 20% sobre os investimentos realizados pela Sanepar entre 2017 e 2020, tendo em vista que é comum a aplicação de glosas por agências reguladoras em processos de revisões tarifárias. Isso implica impactos totais de R$ (329) milhões e R$ 18 milhões sobre a RAB Bruta e Líquida, respectivamente. Nesse cenário, estimamos (a) RAB Bruta e Líquida de R$ 26,5 bilhões e R$ 16,2 bilhões em novembro de 2020; (b) um aumento na parcela B das tarifas de + 0,04% e; (c) um aumento tarifário global de + 4,06%.
- Cenário 4: Cenário intermediário 2: Assumimos a exclusão da Base de Ativos das sobras físicas, mas realizamos a incorporação dos investimentos realizados em 2016 e a aplicamos uma glosa de 20% sobre os investimentos realizados pela Sanepar entre 2017 e 2020. Isso implica impactos negativos de R$ (3,38) bilhões e R $ (1,79) bilhões para a RAB Bruta e Líquida. Nesse cenário, estimamos (a) RAB Bruta e Líquida de R$ 23,4 bilhões e R$ 14,4 bilhões em novembro de 2020; (b) um reajuste da parcela B das tarifas de -4,97% e; (c) um reajuste tarifário global de + 0,05%.
Assumimos o Cenário 4 em nossa atualização das estimativas para a Sanepar, visto que (i) por um lado, vemos riscos potenciais de que a Sanepar possa não ser capaz de fornecer os documentos necessários para endereçar o questionamento referente às sobras físicas e (ii) por outro lado, nós não esperamos grandes complexidades na validação dos investimentos realizados em 2016. Também fornecemos os impactos para o nosso preço-alvo em 12 meses de Sanepar em todos os cenários apresentados.
Embora se possa argumentar que o risco-retorno da 2ª revisão tarifária seria balanceado, e até mesmo positivo tendo em vista a existência de cenários em que há potencial de ganho para as ações, recomendamos a investidores muita cautela com relação à Sanepar no âmbito regulatório. O motivo é que ainda há muitas incertezas para os resultados finais da 2ª revisão tarifária da companhia, e até o momento os anúncios realizados pela agência AGEPAR sinalizam um arcabouço regulatório muito precário para justificar investimento nas ações.
Parcela B: parcela das tarifas de água e esgoto destinada a cobrir os custos gerenciáveis (isso é, aqueles que a companhia tem poder de gestão, como pessoal, materiais e serviços), a parcela de remuneração do capital investido (WACC bruto multiplicado por RAB líquida) e a depreciação regulatória.
Parcela A: parcela das tarifas de água e esgoto que cobre custos não gerenciáveis que são repassados a consumidores, como despesas de energia elétrica.
A escolha de Sofia para a Sanepar: aumentos reais de tarifas ou universalização do saneamento?
A importância de revisões tarifárias justas vai muito além dos interesses do mercado financeiro
Para sermos justos, incertezas em revisões tarifárias não são prerrogativas apenas da Sanepar: o mercado teve experiências semelhantes nas revisões tarifárias da Sabesp e da Copasa na última década. Todas as empresas listadas compartilham uma coisa: um modelo tarifário de retorno sobre o ativo, em que os investimentos na expansão da base de ativos para a prestação de serviços (ou seja, a RAB) são remunerados nas tarifas nos processos de revisões tarifárias.
O principal desafio da Sanepar em seu modelo de tarifa de retorno sobre o ativo é que, se a empresa objetiva cumprir a meta de universalização dos serviços de saneamento em sua área de cobertura até 2033, conforme exige o Novo Marco Regulatório dos Serviços de Saneamento (99% de abastecimento de água e 90% de coleta e tratamento de esgoto vs. os números atuais da Sanepar de 100% e 74,7%, respectivamente), o investimento total necessário de acordo com nossas estimativas seria de R$ 21,5 bilhões (preços de 2020).
Assumindo os parâmetros atuais de remuneração do capital (WACC) e depreciação, tais investimentos implicariam aumentos tarifários anuais em termos reais (ou seja, acima da inflação) de +2,5% até 2033. Observamos também que esta análise não contempla outras formas legítimas de compensar aumentos tarifários aos consumidores, tais como maior eficiências em termos de custos gerenciáveis (PMSO), economias de escala (fator X) e até mesmos eventuais glosas sobre investimentos realizados pela companhia.
A questão que deixamos para concluir este relatório é se aumentos tarifários acima da inflação de + 2,5% ao ano até 2033 são um preço muito alto a se pagar para garantir a universalização dos serviços de saneamento na área de cobertura da Sanepar (345 de 399 municípios no Estado do Paraná). O resultado final da 2ª revisão tarifária da companhia deverá servir como resposta a este questionamento.
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