Começou nesta semana a temporada de divulgação de resultados das empresas referentes ao primeiro trimestre de 2020 (1T20). A Ambev reportará no dia 7 de Maio, antes da abertura do mercado. Esperamos um resultado fraco devido (i) aos impactos do coronavírus a partir da segunda quinzena de março; (ii) à pressão de custos, já antecipada pela empresa no final de 2019; (iii) ao ambiente de competição acirrada, principalmente por parte da Heineken. Tais fatores devem se traduzir, nas nossas estimativas, em um EBITDA de R$ 4 bilhões no 1T20, com uma margem de 33,8%, representando uma queda de 22% em relação ao EBITDA do 1T19, e uma perda de 670 pontos-base de margem.
Cerveja Brasil: volumes em queda e concorrência acirrada
No 1T20, para Cerveja Brasil, estimamos queda de volume de 8,5% na comparação anual, e um EBITDA de R$ 1,8 bilhão, 28% inferior A/A, com margem de 33,3%. Vale lembrar que, no final de fevereiro, a Ambev havia projetado uma queda de 17-20% A/A no EBITDA do segmento de Cerveja Brasil para o trimestre, mas tal projeção foi retirada pela empresa no final de março. Entendemos que a queda no EBITDA deve ser ainda maior do que o anteriormente projetado por dois motivos: (i) 55% das vendas do segmento de cerveja Brasil são realizadas para bares e restaurantes, fechados devido à quarentena do coronavírus; (ii) o 1T19 foi um trimestre excepcionalmente forte por conta de fatores exógenos como um Carnaval mais tarde e um clima mais quente e menos chuvoso, o que favorece as vendas de cerveja e dificulta a comparação com o 1T20, cujo Carnaval aconteceu em Fevereiro e o clima foi mais ameno.
Esperamos um ambiente ainda mais desafiador para a Ambev no curto prazo. No primeiro trimestre, os efeitos do coronavírus só foram sentidos efetivamente durante uma quinzena; ao longo do segundo trimestre, a potencial desaceleração da demanda deve afetar o resultado de maneira ainda mais intensa, que concomitantemente aos preços mais promocionais ao longo do ano e custos mais altos, devem manter as margens pressionadas. Adicionalmente, o ambiente competitivo segue acirrado: no 1T20, o volume total de cerveja da Heineken no Brasil caiu um dígito intermediário, ou cerca de 5%. Seu portfólio de marcas premium e mainstream, no entanto, cresceu duplos dígitos, ou seja, pelo menos 10%, com destaque para a marca Heineken, que cresceu mais de 50% no país no trimestre.
Bebidas não alcóolicas: segmento mais resiliente, com quedas de volume menores
No 1T20, para bebidas não alcóolicas (NAB), estimamos queda de volume de 2% na comparação anual, e um EBITDA de R$ 348 milhões, 4% inferior A/A, com margem de 32,5%. As quedas são menores do que as do segmento de Cerveja Brasil por dois motivos: (i) a demanda por bebidas não alcóolicas é historicamente mais resiliente em momentos de crise; (ii) o canal de bares e restaurantes é menos relevante para o segmento, representando cerca de 35% das vendas (versus 55% para cerveja Brasil). Ainda assim, esperamos uma ligeira queda em volumes e em preços, que também devem ser promocionais.
América Latina: aumento de volumes impulsionado por Argentina e Paraguai
No 1T20, para América Latina (LAS), estimamos aumento de 3% em volume na comparação anual, uma vez que o 1T19 foi bastante desafiador para o segmento, então a base de comparação é relativamente mais fraca, mesmo diante da crise do coronavírus. Adicionalmente, mais da metade do resultado do segmento vem da Argentina e do Paraguai, onde predomina o canal de supermercados e pequenas mercearias, que seguem abertas durante a quarentena, evitando maiores quedas de volume. Por outro lado, cerca de 25% do resultado do segmento vem da Bolívia, onde predomina o canal de bares e restaurantes, sendo que o país está enfrentando uma quarentena extremamente severa. Estimamos um EBITDA de R$ 844 milhões para o segmento, 34% inferior na comparação anual, e margem de 40%.
América Central: quarentenas severas na República Dominicana e no Panamá impactam resultado
No 1T20, para América Central (CAC), estimamos queda de volume de 8,5% na comparação anual, uma vez que os dois principais países do segmento estão passando por medidas de isolamento social bastante severas. Na República Dominicana, um severo toque de recolher foi imposto pelo governo federal; cerca de 40 mil pessoas já foram presas desde o início da quarentena no país por desobedecer ao “toque de recolher” às 17 horas. No Panamá, foi imposta um tipo de Lei Seca, em que a produção, assim como a venda de bebidas alcóolicas foram suspensas pelo governo; trata-se do país com o segundo cenário mais desafiador para a Ambev, atrás apenas da Bolívia. Estimamos um EBITDA de R$ 584 milhões para o segmento, em linha com o do ano anterior, e margem de 37,6%.
Canadá: aumento de volumes e preços disciplinados em um mercado mais resiliente
No 1T20, para o Canadá, estimamos aumento de 2% em volume na comparação anual, uma vez que se trata de um mercado mais resiliente, em que predomina o canal de venda em supermercados. O consumidor canadense tem poder de compra elevado e, culturalmente, já tinha o hábito de estocar alimentos e bebidas, então com o início da quarentena houve um primeiro momento de aumento da demanda, inclusive. Do lado de preços, estes também são bastante estáveis no país; a única questão é que, como os preços cobrados em supermercados são inferiores àqueles em bares e restaurantes, com o fechamento dos últimos o preço médio poderia cair, potencialmente impactando a receita do segmento. Estimamos um EBITDA de R$ 365 milhões, 11% superior na comparação anual, e margem de 24%.
“Entreter sem interromper” para reforçar a popularidade das marcas em meio à quarentena
Do lado positivo, a Ambev tem realizado diversas iniciativas para fortalecer a posição de suas marcas no mercado. Segundo o VP de marketing da companhia, Ricardo Dias, em entrevista ao Do Zero ao Topo, neste momento de crise, a prioridade da empresa, além de manter seus funcionários seguros, é garantir que o ecossistema de bares e restaurantes volte a ser saudável o mais rápido possível. A fim de fortalecer seu posicionamento de marca, a empresa tem realizado uma série de ações, como a promoção de lives com artistas famosos com patrocínio das marcas Brahma, Skol e Bohemia. Dessa forma, a empresa consegue implementar a estratégia de realizar marketing “entretendo o consumidor, ao invés de interrompê-lo”, conforme preconiza Dias.
No último dia 4 de abril, a dupla sertaneja Jorge e Mateus bateu recorde mundial de live musical mais vista no YouTube, com um público de 2,7 milhões de pessoas, sendo que o show foi promovido pela marca Brahma, que agora está lançando sua versão duplo malte. O recorde anterior também havia sido patrocinado pela Ambev: uma live do cantor sertanejo Gusttavo Lima na semana anterior teve 750 mil acessos simultâneos.
Dias ressaltou que “essa pandemia não veio para transformar o mundo, e sim para acelerar o que já estava acontecendo”. A Ambev já vinha pensando estrategicamente sobre marketing orgânico havia mais de um ano, mas a implementação das lives em si começou em Abril. Tal tática já vem rendendo bons frutos, conforme dados de popularidade das principais marcas da Ambev, medida pelo número de buscas no Google no Brasil.
Desde o início da quarentena oficial em São Paulo, em 24 de Março, até a primeira semana de Abril, o número de buscas pelas marcas Brahma, Skol e Bohemia estava abaixo do número do mesmo período no ano anterior.
A implementação da estratégia de lives foi o momento de virada: a partir de 4 de Abril, dia da live da dupla sertaneja Jorge e Mateus, o número de buscas atingiu um novo pico para o mês. O recorde de popularidade foi novamente quebrado no dia da live de Gusttavo Lima (16/04), sendo que nesse dia, o número de buscas pela marca Bohemia, da qual o cantor é embaixador, ultrapassou pela primeira vez o número de buscas da marca Brahma, campeã até então.
Fortalecimento dos canais online e iniciativas sociais
Outras iniciativas da Ambev para combater a crise do coronavírus incluem a campanha da marca Stella Artois de apoio aos restaurantes. Por meio dessa iniciativa, os consumidores podem comprar vouchers de 100 reais com 50% de desconto, pagando apenas 50 reais, para usar no momento que os restaurantes reabrirem. A Ambev paga os outros R$ 50 do voucher, e o restaurante recebe no dia seguinte da compra do voucher.
A empresa também vem investindo nos canais online, por meio da expansão de seu serviço de entregas Zé Delivery e do seu ecommerce, o Empório da Cerveja. No caso desse último, a Ambev decidiu disponibilizar o site para que algumas microcervejarias pudessem vender suas cervejas na plataforma, evitando assim que elas perdessem seu principal canal de comercialização, os bares e restaurantes. Além disso, pensando em deixar os produtos ainda mais acessíveis, a Ambev tirou a margem de lucro do Empório, mantendo apenas o necessário para bancar os custos operacionais.
Adicionalmente, a empresa está (i) produzindo 1 milhão de unidades de álcool gel, usando o etanol de suas cervejarias; (ii) produzindo 3 milhões de máscaras para profissionais da saúde a partir do PET, material utilizado nas embalagens de Guaraná Antarctica; (iii) ampliando em 100 leitos o Hospital do M’boi Mirim, em São Paulo, em parceria com a Gerdau e o Hospital Albert Einstein.
Em suma, mantemos nossa recomendação Neutra para as ações da Ambev, com preço-alvo de R$ 15 por ação. Vemos com bons olhos as iniciativas de fortalecimento de marca por parte da empresa, mas (i) o segmento de cerveja deve ter um forte impacto negativo pela crise do coronavírus; (ii) o cenário competitivo continua acirrado; (iii) e os custos ainda bastante pressionados no curto prazo.
Atualmente, as ações da empresa negociam a 19x Preço/Lucro 2020, ligeiramente acima da média de seus pares internacionais de 18x, considerando Heineken (22x), Carlsberg (22x), Kirin (15x) e Molson Coors (13x), reforçando que as ações já são negociadas em patamares justos.
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