As surpresas do 1º trimestre
A economia brasileira apresentou um bom desempenho no primeiro trimestre deste ano.
O faturamento do setor de serviços cresceu 2,8% na comparação com o 4º trimestre de 2020 (já descontados os efeitos da alta de preços e da sazonalidade). Não fosse pela forte queda dos serviços prestados às famílias em março, resultado das medidas de restrição de mobilidade ligadas à Covid-19, a expansão seria ainda mais acentuada. A propósito, esses serviços - incluem restaurantes, bares, hoteis, academias, salões de beleza, entre vários outros - mostram níveis de atividade ainda muito abaixo daqueles pré-pandemia, e portanto têm potencial para seguir em expansão cíclica conforme a economia se normalize com o avanço da vacinação.
A produção industrial andou de lado no trimestre passado, mantendo os bons níveis alcançados no final de 2020. O desempenho foi obtido mesmo com a escassez de matérias-primas (ex: chips e semicondutores) interrompendo operações importantes em alguns setores, como o automotivo. O único setor agregado que apresentou retração no trimestre foi o comércio varejista, impactado pela alta da inflação e pelas medidas restritivas de março. Ainda assim, a queda foi menor do que esperávamos, mostrando que a poupança circunstancial feita pelos brasileiros em 2020 ajudou a manter o poder de compra do consumidor. De fato, segmentos como supermercados – menos impactados pelas medidas de distanciamento – chegaram a crescer entre janeiro e março.
Neste ambiente de atividade resiliente, o mercado de trabalho continuou se recuperando: houve geração líquida (contratações menos demissões) de aproximadamente 850 mil empregos com carteira assinada nos três primeiros meses de 2021.
Como resumo deste quadro mais favorável, o PIB Brasileiro - compreende a soma de todos os bens e serviços produzidos em determinado período - provavelmente cresceu no 1º trimestre. Os dados oficiais serão publicados pelo IBGE em 01/06. Calculamos que a expansão tenha sido de quase 1% em relação ao 4º trimestre do ano passado, um desempenho oposto ao previsto por alguns analistas poucos meses atrás (de contração ao redor de 1% na mesma base de comparação!).
Quais as possíveis explicações?
Em primeiro lugar, muitas atividades produtivas parecem ter se adaptado (relativamente) bem ao cenário pandêmico. Embora isso não seja de simples mensuração, existem evidências qualitativas importantes de que as empresas encontraram boas alternativas para suprir determinadas necessidades de produção e vendas. E algo similar pode ter acontecido com as famílias. A utilização de canais virtuais para rotinas de trabalho e transações comerciais são exemplos nesta direção.
Outro fator (até mais importante) corresponde à formação de poupança circunstancial ou precaucional ao longo de 2020. As restrições de mobilidade impediram o consumo de muitos serviços que, em tempos normais, fazem parte do “cardápio” das famílias (sobretudo daquelas pertencentes às classes de renda média e alta). Gastos com viagens, restaurantes, cinemas, teatros e shows são alguns exemplos que ilustram o aumento de poupança devido às “circunstâncias”.
Além disso, como resposta a um choque sem precedentes, governos mundo afora adotaram estímulos fiscais e monetários também inéditos. No caso do Brasil, destaque para as transferências do auxílio emergencial às pessoas mais vulneráveis, que totalizaram quase R$ 300 bilhões no ano passado. Tais recursos parecem ter sido cruciais para a expansão de demanda observada ao longo do 2º semestre de 2020, o que gerou sustentação às vendas do comércio e, como consequência, à produção da indústria local. Ainda que parcela significativa dos auxílios governamentais tenha sido efetivamente gasta no período, algum dinheiro pode ter sido poupado pelas famílias por “precaução”, tendo em vista as incertezas elevadas acerca da dinâmica da pandemia no país e da perspectiva de recuperação da economia.
Ou seja, o impacto do fim de programas de estímulos fiscais na virada do ano (em bom economês, o efeito do “abismo fiscal” ou “abismo de renda”) deve ter sido suavizado pelas poupanças circunstancial e precaucional formadas pelas famílias ao longo de 2020.
Vale a pena mencionar as contribuições de outros programas implementados pelo governo no ano passado, tais como o BEm (preservação de empregos formais) e o Pronampe (crédito subsidiado para pequenas e médias empresas). Essas iniciativas foram importantes na mitigação dos impactos negativos da crise sanitária sobre o quadro de funcionários e a liquidez de várias companhias, evitando um número maior de falências.
Por fim, a dinâmica favorável dos preços internacionais de commodities também joga a favor da recuperação da atividade econômica doméstica. Como tais itens têm peso significativo na pauta de exportações do Brasil, a forte elevação dos preços (em dólares) gera uma transferência de renda relevante do resto do mundo para o país. Além dos efeitos diretos de expansão da renda dos exportadores de commodities (os setores agropecuário e de extração mineral são os principais beneficiados), a melhora dos termos de troca promove efeitos indiretos positivos sobre vários outros elos das cadeias produtivas (ex: fabricação de insumos para a produção agrícola), o que potencializa o aumento de investimentos, consumo e demanda por mão de obra.
Os trimestres seguintes: aumento da mobilidade, mais benefícios governamentais e avanços na vacinação
Os indicadores de atividade referentes ao 2º trimestre também vêm sugerindo um quadro menos negativo do que as expectativas iniciais. Por exemplo, os indicadores de confiança de consumidores e empresários dos ramos de serviços e comércio voltaram a subir nas divulgações de abril, revertendo parcialmente os números negativos de março (bastante afetados pelo aperto das medidas de isolamento social). E a melhora do sentimento econômico não deve ser interrompida, dado o aumento da mobilidade a partir de meados do mês passado. O processo de reabertura da economia, inclusive de setores de recreação e lazer (temos observado cada vez mais pessoas em restaurantes, shoppings, parques, etc.), tende a sustentar a demanda no 2º trimestre.
E isso deve ser ajudado por outras rodadas de benefícios do governo. Entre elas, destacamos a volta de pagamentos do auxílio emergencial, ainda que em volume inferior ao ano passado (ao redor de R$ 43 bilhões entre abril e julho), e a antecipação do pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS (acréscimo de cerca de R$ 50 bilhões entre maio e julho). Os programas BEm e Pronampe também serão retomados.
Ainda há muita incerteza sobre os resultados da economia brasileira no 2º trimestre, mas, com base nos sinais recentes, não podemos descartar crescimento adicional. Por enquanto, projetamos ligeiro recuo na comparação com o 1º trimestre, mas o viés pende para o lado positivo. Ou seja, a primeira metade de 2021, que antes representava um risco de recessão técnica (isto é, dois trimestres consecutivos de contração do PIB), está se revelando um período de resiliência e recuperação.
E quais as perspectivas para o segundo semestre do ano?
A continuidade da retomada econômica dependerá de avanços no programa nacional de vacinação contra a Covid-19. Esperamos que, apesar de solavancos, como falta de insumos para fabricação das vacinas e atrasos na entrega de lotes, haverá aceleração importante na aplicação de doses nos próximos meses. Desta forma, a chamada “normalização” da economia não sofreria retrocessos, e os segmentos de serviços (principalmente aqueles prestados às famílias) reforçariam a trajetória de crescimento da atividade.
Com base isso, acreditamos que o PIB crescerá mais de 4% em 2021. Nossa projeção atual é 4,1%, mas vemos chances razoáveis de um crescimento ainda mais forte.
Permanecem, contudo, riscos a serem monitorados. A dinâmica da pandemia segue como o principal deles. Uma eventual reversão da melhora das estatísticas da Covid-19 no Brasil ainda pode ensejar novas medidas restritivas. Afinal, a pandemia não acabou e a vacinação ainda deve demorar alguns trimestres para atingir seu efeito completo sobre a população. Nos últimos dias, por exemplo, voltamos a observar elevação do total de novos casos diários da doença. Outros riscos para a continuidade da recuperação econômica são os problemas de fornecimento de matérias-primas em algumas cadeias industriais, a inflação elevada, e a fragilidade das nossas contas públicas.
2022: Pé no Acelerador ou Marcha Reduzida?
E para o ano que vem? O PIB manterá o ritmo ou devemos esperar alguma desaceleração?
Em nossa opinião, haverá expansão moderada do PIB em 2022: prevemos alta de 2% (nossa projeção anterior era 1,8%).
Aqui cabem algumas ponderações. Em primeiro lugar, é sempre bom lembrarmos que a melhora da atividade no final de 2020 deixou uma “herança” favorável para o resultado do PIB de 2021. Também emprestando um termo comum no economês, o carrego estatístico (ou carryover, para quem prefere a denominação em língua estrangeira) corresponde a cerca de 3,5%. Dito de outra forma, caso o PIB Brasileiro tivesse variação nula nos quatro trimestres deste ano (sempre em comparação aos três meses imediatamente anteriores), o crescimento registrado em 2021 como um todo seria ao redor de 3,5%.
Por isso, taxas de crescimento do PIB de 4% ou mais não significam uma retomada exuberante da economia em 2021, embora representem um cenário mais positivo em relação ao que estava sendo projetado no começo do ano.
Se nossas expectativas para a curva trimestral do PIB de 2021 estiverem corretas, o carrego estatístico deixado para 2022 será próximo a 1% (ou seja, uma herança novamente positiva, mas de magnitude bem menor em relação ao último ano).
Além do mais, alguns determinantes da economia devem desacelerar a velocidade da retomada no ano que vem. Talvez o principal deles seja o aperto da política monetária. O Banco Central iniciou recentemente um ciclo de elevação da taxa básica de juros (a Selic já subiu de 2,00% para 3,50%), que terá continuidade nos próximos meses. Em nossas contas, a taxa de referência chegará a 5,50% ao final de 2021. Em outras palavras, o grau de estímulo a investimentos e consumo será reduzido. Outros fatores importantes são os níveis elevados de desemprego (prevemos taxa de desocupação ao redor de 11,5% no final de 2022, ou seja, recuo significativo em relação aos atuais 14%, mas ainda um patamar alto) e o aumento da percepção de riscos fiscais e políticos que geralmente ocorre em anos eleitorais.
Portanto, a economia brasileira seguirá andando para frente, mas em velocidade moderada. O acionamento da “quinta marcha” depende de fatores mais estruturais, com destaque ao andamento da agenda de reformas (fiscais e de produtividade). Mas isso pode ficar para um outro texto.
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