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Argentina: o que explica a instabilidade econômica e qual a solução para o país?

Em meio à glória da Copa do Mundo, um país em sérias dificuldades. Veja o que está acontecendo na Argentina e as origens da mais recente crise no país

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Em 2022, pela primeira vez no Oriente Médio e durante o inverno europeu, assistimos à 22ª edição do Campeonato Mundial de Futebol da FIFA, no Catar. Nos gramados milionários da Copa, às margens do Golfo Pérsico, o mundo assistiu a Lionel Messi, Dí Maria, Scaloni e companhia conquistarem a terceira taça do mundo para a Argentina, 36 anos depois da conquista de Maradona, Valdano e Bilardo no quente verão mexicano. Embora cinco milhões de argentinos tenham ido às ruas comemorar a conquista esportiva, a alegria foi só um momento de pausa em um período de crise e preocupação para a população.

Segundo dados divulgados pelo INDEC (Instituto nacional e Estadística y Censos), o IBGE argentino, a inflação do país foi de 6,6% em fevereiro de 2023, acumulando um crescimento de preços de 102,5% nos últimos 12 meses. É a primeira vez que a inflação chega a três dígitos desde 1991, quando a economia argentina passava por uma crise de hiperinflação sem precedentes.

A situação atual é fruto de uma combinação de fatos históricos, com foco na dívida externa, e problemas pontuais, que traz efeitos em vários campos da economia argentina. Aqui, trazemos uma análise sobre o panorama argentino e uma retomada dos fatos que amarram o andamento econômico do país.

O que está acontecendo com a economia argentina?

No comunicado divulgado junto com os dados de inflação de fevereiro, o secretário de Política Econômica da Argentina, Gabriel Rubinstein, atribuiu o dado ao aumento do preço da carne, alavancado pela estiagem que assola os pampas argentinos. “Os dados de inflação de fevereiro são, sem dúvida, muito ruins. Em especial, em fevereiro o impacto da carne foi muito forte, que subiu 19,5% devido à intensa estiagem que estamos passando”, disse o secretário.

Mas existem muitos outros elementos que contribuem para esse cenário. Começando pela queda do Peso argentino, que desde 2015 perdeu 95,9% de valor em relação ao dólar. Em alguns setores da economia, como o mercado imobiliário, a moeda considerada já é o dólar. O peso argentino no mercado paralelo vale quase a metade comparado com o câmbio oficial. A criação deste cambio reflete a falta de confiança na moeda doméstica após traumas recorrentes.

O derretimento da moeda é impulsionado por outros problemas, como a alta dívida externa. Em 2018, o governo argentino pegou US$ 57 bilhões em empréstimos do FMI (Fundo Monetário Internacional), no maior empréstimo já concedido pelo órgão. No entanto, as garantias para o empréstimo consistiam no aumento das reservas internacionais da Argentina — mas o que se viu até o momento é o inverso. No momento do empréstimo, as reservas argentinas estavam na casa dos US$ 65 bi. No fechamento de 2022, o número estava na casa dos US$ 45 bi, ficando abaixo da casa dos US$ 40 bi durante 2020 e 2021.

Atualmente, nosso vizinho é o principal devedor do FMI e sua dívida fiscal corresponde a 80,5% do seu PIB, o oitavo maior índice entre os integrantes do G20.

Segundo dados do Ministério da Economia, até o terceiro trimestre de 2022, a dívida pública bruta da Argentina é de US$ 382 bilhões, com crescimento constante desde 2019. O cenário é preocupante principalmente ao observarmos outras grandes crises do país, como a de 2001, quando o governo argentino deu um calote de US$ 100 bilhões, mesmo depois do congelamento das poupanças, o famoso corralito.

Veja mais sobre as crises de 1991 e 2001 na Argentina nos tópicos a seguir.

1991: hiperinflação, Plano Cavallo e sinais de recuperação

Enquanto no futebol Gabriel Batistuta, Goycochea e Simeone retomavam a glória continental vencendo a Copa América de 1991, havia uma esperança para que o país superasse a hiperinflação que atormentava a população. Nos dois anos anteriores, a inflação argentina registrou alta de 3079,4% nos 12 meses de 1989 e 2.314% em 1990, segundo o FMI. Como resultado de endividamentos dos governos ditatoriais do final da década de 70 e inicio da de 80, a economia argentina parou de crescer, depreciando a moeda enquanto os investimentos fugiam da crise iminente.

A inflação era crescente desde o final da década de 1950, mas o começo dos anos 1990 foi o marco para grandes mudanças. Uma extensa reforma estrutural mexeu no sistema bancário, no setor público e, principalmente, no tratamento do câmbio. Em 1991 foi incorporada a Lei da Convertibilidade, também chamada de Plano Cavallo, em homenagem ao seu criador, Domingo Cavallo. O plano consistia em fixar a relação de um peso argentino para um dólar.

Os efeitos das reformas foram sentidos durante o restante da década. Os positivos foram, principalmente, a volta do crescimento, com o PIB argentino aumentando em média 4,7% ao ano, entre 1991 e 1999; as exportações, que engordaram 9,4% em volume e 8,2% em valor; e o desemprego, que caiu 12% – embora seguisse em assustadores 13%.

Mas os efeitos negativos acabaram retomando o ciclo perpétuo de endividamento do Estado argentino: para manter a paridade de câmbio, é preciso ter reservas em dólar. E, para fazê-lo, o governo contraiu empréstimos para construir seu capital de reserva. O resultado? As dívidas que levaram à crise de 2001.

2001: calote internacional, corralito, desemprego e recessão

Muito do que a Argentina passa atualmente ainda é herança da crise na virada do século. Naquela época, a frustração da seleção argentina na Copa da França em 1998, estrelada pela geração promissora de Juan Sebastián Verón, Riquelme, Zanetti e Crespo, foi pouco perto do que viria a assolar a nação nos anos seguintes, no campo econômico.

Em 1999, quando assumiu o presidente Fernando De la Rúa, a promessa era de manter a Lei de Convertibilidade de 1991, que fixava o câmbio entre peso e dólar em 1:1. Mas, com desemprego novamente acima de 15%, déficit fiscal e dívida externa esmagadora, a atenção do governo se dividiu em muitas frentes, e não conseguiu avançar satisfatoriamente em nenhuma delas.

Em 3 de dezembro, Domigo Cavallo, ministro da Economia que voltava ao posto para tentar salvar a pátria mais uma vez, decretou o curralito (espanhol para “curralzinho”), que limitava o saque em agências bancárias em até 250 pesos semanais. A população foi às ruas protestar no início de 90 dias de caos. Em 20 de dezembro, Cavallo renuncia ao cargo, um dia antes do presidente Fernando De la Rúa fazer o mesmo. Em 23 de dezembro era confirmado o calote de US$ 102 bilhões pelo governo argentino.

Como um resfriado mal curado, portanto, a crise que vemos em 2023 é a volta de 2001, esta também resultado de outra grande crise, da hiperinflação, em 1991.

Histórico de violação de princípios econômicos

Analisando todo esse histórico, há uma violação clara regra do tripé macroeconômico, que é essencial para a estabilidade de uma economia no longo prazo. Nesse conceito, instituído no Brasil em 1999 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, três elementos são necessários para gerar crescimento e desenvolvimento sustentável de longo prazo:

  1. Câmbio flutuante: regime cambial em que o valor da moeda é determinado pela lei da oferta e da demanda, sem intervenção do governo.
  2. Meta de inflação: objetivo claro de taxa de inflação que deve ser atingido pelo banco central de forma independente, sem intervenção ou influência do governo no poder.
  3. Responsabilidade fiscal: apresentar superavit das contas públicas, ou seja, gastar menos do que arrecada para diminuir a relação entre dívida de PIB.

Conforme comentado anteriormente, estas regras não foram respeitadas ao longo da história recente da Argentina, provocando uma desconfiança crescente em relação à estabilidade de investimentos em títulos de dívida pública, câmbio e poder aquisitivo. Consequentemente, a Argentina entrou em um ciclo vicioso de desvalorização da moeda (peso argentino), alta expressiva da inflação, dívida externa elevada, déficit fiscal crescente, e uma recessão econômica prolongada. Assim, deixou de ser o uma das principais economias da América Latina durante a primeira metade do século XX, e se tornou um dos países mais instáveis da região.

Conclusão

O que se pode concluir é que a instabilidade econômica na Argentina é consequência de uma série de eventos, que foram desestruturando a economia ao longo de várias décadas. Nos últimos anos, a Argentina passou por frequentes mudanças radicais de governo, afetando a implementação de políticas econômicas, e dificultando também o avanço de reformas estruturais importantes. Estes eventos também provocaram desconfiança dos consumidores e investidores, o que levou a uma fuga de capital da região.

Todos esses fatores mencionados foram exacerbados pela crise da Covid-19, que provocou diversos gargalos nas cadeias de produção global e gerou pressões inflacionarias no mundo todo. Este evento também levou governos ao redor do mundo, inclusive o da Argentina, a gastos extraordinários para tentar mitigar o impacto econômica gerado pela pandemia. A guerra na Ucrânia foi outro agravante e provocou choques adicionais nos preços de itens energéticos e agrícolas ao redor do mundo.

Para um país que já tinha um histórico de inflação elevada e dívida crescente, estes eventos representaram uma deterioração adicional do quadro da Argentina, ameaçando ainda mais sua estabilidade econômica, que tem uma economia fortemente baseada na produção agrícola (8% do PIB em 2022, segundo dados do Ministério da Economia). Para efeito de comparação, no Brasil a composição é de 4,9%.

Ainda há esperança?

Do lado positivo, em 2022 a Argentina chegou a um acordo para renegociar sua dívida com o FMI, dando acesso a um valor equivalente à US$ 45 bilhões para o governo. O acordo foi acompanhado por um plano de reestruturação de longo prazo, visando dar apoio à balança fiscal e reestabelecer a estabilidade econômica. Isso inclui (1) melhorar as finanças públicas para aumentar a credibilidade do país; (2) reduzir a alta da inflação por meio de políticas fiscais e monetárias apropriadas; (3) fortalecer as contas públicas através de políticas que apoiem o comércio exterior, acúmulo de reservas, e a entrada de capital; e (4) promover o crescimento econômico com reformas que estimulem a poupança e o investimento.

No entanto, a cenário global desafiador já citado dificultou as possibilidades de a Argentina cumprir com as metas apresentadas no acordo com o FMI. Consequentemente, as metas já passaram por diversas revisões. Estas dificuldades para cumprir com os requisitos estipulados no acordo com o FMI podem ser um obstáculo adicional para novos investimentos e para o crescimento da economia nos próximos anos. Desta forma, as perspectivas para a economia do país seguem desafiadoras no curto e no médio prazo. 

Acreditamos que o caminho para estabilizar a economia da Argentina envolve várias medidas de longo prazo, como equilibrar as contas fiscais, reduzir a dependência do país em relação aos empréstimos externos, promover investimentos privados e melhorar a competitividade do setor produtivo. Além disso, uma liderança política estável e responsável do lado fiscal seria crucial para implementar essas políticas. De toda forma, mesmo se a Argentina seguir este caminho, os objetivos de estabilidade econômica levariam tempo para serem alcançados.

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