Por Camilla Dolle e Sergio Leite
Pouco mais de sete meses após a publicação de nosso primeiro relatório setorial sobre bancos médios no cenário econômico afetado pela covid-19, trazemos uma atualização de nossa visão.
Passado este tempo, temos hoje maior visibilidade acerca das medidas anunciadas pelo Banco Central, o que de fato já foi implementado, e seu efeito até o momento. Além disso, todos os bancos já divulgaram seus balanços do primeiro semestre, o mais impactado pela pandemia até o momento. Com isso, foi possível analisar com maior clareza o risco dos principais segmentos de atuação de bancos médios.
A conclusão é de que o cenário que se desenhou foi menos negativo do que o que antecipávamos, com as medidas do regulador tendo se mostrado efetivas até o momento, além de termos tido o efeito positivo do auxílio emergencial para a sustentação da atividade econômica. Para os próximos meses, o fim do auxílio é, em nossa opinião, o principal risco a ser acompanhado.
Conjuntura
Chegamos em novembro e, com isso, já são mais de oito meses em que o Brasil passou a viver de perto a pandemia e seus efeitos, tanto de um ponto de vista de saúde pública quanto em relação à economia.
Em março, a incerteza sobre a extensão da crise era significativa. Já era possível identificar os efeitos disso sobre os preços de títulos de renda fixa e sobre a bolsa de valores e seus ativos, porém ainda não tínhamos visibilidade sobre quais seriam os setores mais ou menos impactados e em que magnitude.
Em meados de abril, buscando trazer algumas respostas e estas dúvidas, publicamos o relatório "Um olhar sobre a saúde dos bancos médios", em que passamos pelas principais medidas tomadas pelo Banco Central (BC) até aquele momento e o que esperávamos para os principais segmentos de atuação de bancos médios no Brasil.
Hoje já temos maior visibilidade após publicação dos resultados do primeiro, segundo e até terceiro trimestres do ano. Além disso, já há também indicações sobre os efeitos trazidos por algumas medidas do BC.
Um dos grandes destaques foi a redução da taxa básica de juros, a Selic, que partiu de 4,25% em janeiro e chegou a 2% em agosto. Os cortes foram, principalmente, reflexo da busca pela sustentação da atividade econômica em meio à paralisação das mais diversas atividades. E isto teve, inevitavelmente, reflexo sobre os bancos e investimentos.
Abordaremos os principais pontos que devemos observar nos bancos para entendermos os últimos meses, onde estamos hoje e o que fazer.
Os três pilares e a atuação do BC
Em um primeiro momento nesta crise, a maior preocupação foi concentrada na liquidez, pois no caso de uma ruptura nos recebimentos dos créditos no curto prazo, o caixa dos bancos poderia não ser suficiente para fazer frente às suas obrigações.
Dada a paralisação da economia, e a queda abrupta da atividade, esse risco de não pagamento se acentuou. Sem gerar caixa, as empresas não conseguiriam cumprir com suas obrigações, fossem elas pagamento de funcionários, fornecedores ou dívidas bancárias. Esse processo poderia se aprofundar, pois a espiral se propagaria para toda a economia, com impactos nas empresas, famílias e, consequentemente, no sistema financeiro.
Diante dessa preocupação, era necessário que o regulador atuasse em diversas frentes, com destaque para 3 pilares: liquidez, crédito, solvência.
- Liquidez: As medidas anunciadas pelo BC tinham, em seus cálculos, potencial de aumentar a liquidez do sistema em cerca de R$ 1,3 trilhão. Até agora, atingiram cerca de R$470 bilhões, possibilitando que parte desses recursos cheguem na economia via crédito bancário.
- Solvência / capital: O BC adotou medidas para aliviar, temporariamente, as exigências de capital das instituições financeiras. Caso as medidas fossem totalmente concluídas, o potencial impacto em crédito na economia seria de quase R$ 1,35 tri. Até outubro, foram atingidos benefícios de capital que, se direcionados integralmente na economia, gerariam impacto de aproximadamente R$ 1,2 tri em crédito concedido.
- Crédito/inadimplência: Dentre as medidas anunciadas, o BC aprovou a dispensa de provisionamento para a prorrogação das parcelas dos créditos anteriormente concedidos. Até agora, essa medida beneficiou mais de 15 milhões de contratos, que têm saldo de R$ 925 bilhões. O efeito sobre parcelas soma R$ 130 bilhões, sendo 90% deste montante concentrados em grandes bancos (S1 + BNDES).
De um modo geral, houve êxito nesse processo, pois não tivemos nenhuma liquidação de banco nesse período e o sistema esta líquido e capitalizado.
Um retrato atual do sistema pode ser observado pelo último relatório de estabilidade financeira do Bacen de outubro de 2020, onde o regulador atualizou testes de stress com eventuais perdas para os bancos e concluiu que, até o momento, a crise terá impactos mais limitados que imaginado anteriormente.
Como temos uma grande concentração no nosso sistema financeiro, com as 5 maiores instituições sendo responsáveis por quase 70% dos ativos, uma dúvida que fica é em relação à situação dos bancos médios.
Como estão os bancos médios
Visão geral
Em nosso relatório a respeito dos efeitos esperados da covid-19 sobre os bancos médios, publicado em meados de abril, esperávamos diferentes graus de efeito sobre estas instituições financeiras, dependendo do segmento de atuação.
À época, os maiores riscos que enxergávamos se concentravam nos segmentos de crédito pessoal, financiamento a veículos e empresas (pequenas e médias).
Passados sete meses desde o primeiro relatório, já é possível avaliarmos melhor quais de fato foram os efeitos, com base nos resultados divulgados pelos bancos referentes ao primeiro e segundo trimestres e o que esperar para os próximos meses.
Para uma avaliação de desempenho dos bancos médios, vamos apresentar na sequencia uma análise com base na consolidação do balanço de grupos de bancos do mesmo subsetor. Ou seja, escolhemos bancos cuja principal linha de atuação é uma das apresentadas abaixo (veículos, consignado, empresas ou crédito pessoal) e consolidamos os indicadores para apresentarmos as análises. No anexo, ao fim do relatório, destacamos quais bancos foram considerados para cada subsetor.
Nos gráficos a seguir, acompanhamos o histórico da carteira de crédito e de dois indicadores de desempenho histórico:
- Inadimplência / Carteira: Atrasos acima de 90 dias sobre a carteira de crédito total.
- Despesa de PDD / Resultado de Intermediação Financeira: Gastos de PDD (Provisão com Devedores Duvidosos) sobre o resultado da intermediação financeira (com juros) bruto, ou seja, antes da provisão.
Para as análises, consideramos a carteira de crédito e indicadores de inadimplência e PDD totais dos bancos, não apenas aqueles referentes ao subsetor analisado.
Veículos
Para os bancos focados em crédito para veículos, observamos que o estoque de crédito cresceu de maneira expressiva nos últimos anos, fruto de uma recuperação do setor frente às quedas relevantes do período de 2015 a 2017.
Em termos de inadimplência, a crise atual ainda está em patamar distante do período entre 2015 e 2016 (2,4% hoje vs. 3,2% então). Entretanto, em termos de gastos de PDD vs. intermediação financeira, o indicador hoje, em 27%, está mais próximo da crise anterior, quando chegou ao pico de 31%.
Vale salientar que, no 3º trimestre, alguns bancos já começaram a reportar e os resultados tem sido divulgados com uma melhora nos indicadores, com grande influência de ajudas governamentais e dos programas de extensão de prazos das parcelas.
Consignado
Para os bancos focados em crédito consignado, o estoque de credito aumentou em linha com o crescimento do produto. Houve também crescimento de carteira este ano devido a mudanças regulatórias, com destaque para o aumento do prazo máximo e margem consignável extra de 5% em razão da pandemia.
Em termos de inadimplência e de custo de crédito, em 2020 estamos num patamar mais confortável do que em relação ao período entre 2015 e 2016, como pode ser visto no gráfico a seguir:
Empresas
Para os bancos focados em crédito para empresas, o estoque de crédito aumentou em linha com a retomada da economia. Houve crescimento de carteira em 2020, suportado pelos programas de crédito a pequenas e médias empresas, além de uma maior necessidade de liquidez das grandes empresas para enfrentar o período da pandemia.
Em termos de inadimplência e de custo de crédito, em 2020 estamos num patamar mais confortável do que em relação ao período entre 2015 e 2016; entretanto, vale acompanhar de perto este segmento, pois os programas governamentais foram de extrema relevância para manter o bom funcionamento das empresas e, consequentemente, do mercado de crédito. Sendo assim, com o fim dos programas, o segmento pode ser negativamente impactado.
Crédito pessoal (CDC)
Para os bancos focados em crédito pessoal (CDC), temos um cenário diferente dos anteriores, com um maior custo de crédito histórico, além de um incremento na inadimplência. Vale lembrar que este segmento é bastante sensível à renda e necessita de uma acompanhamento mais tempestivo em relação à diminuição ou ao fim do auxílio emergencial.
Um fator que prejudicou o desempenho em 2020 está relacionado ao processo de cobrança, pois muitas financeiras são associadas a varejistas ou estabelecimentos comerciais e costumam ter uma boa representatividade de pagamento presencial no próprio estabelecimento. Sendo assim, o isolamento social prejudicou o processo.
Para o 3º trimestre de 2020, devemos ter alguma recuperação, devido a ajuste de processos. Entretanto, as incertezas permanecem para os próximos meses e continuaremos monitorando.
De forma geral, nossa avaliação é de que os bancos foram, como esperado, impactados pela crise da covid-19, porém o auxílio emergencial pago pelo governo ajudou a amortecer a queda na atividade, reduzindo o efeito sobre inadimplência. As medidas implementadas pelo BC também tiveram impacto positivo. Além disso, os bancos que reportaram resultados do 3º trimestre já demonstram tendência de recuperação.
O principal risco a acompanhar nos próximos meses é o fim do auxílio emergencial, que deve ter impacto principalmente sobre quase todos os segmentos, com exceção de crédito consignado, mais resiliente por ser descontado diretamente da folha e pela concentração dos bancos em INSS/servidores públicos.
Nomes que acompanhamos
Para obter maiores informações sobre cada um dos nomes, clique sobre o nome do banco de interesse, acessando assim o relatório de análise.
Investimentos
Curvas: Juros e NTN-B
Desde o nosso último relatório (16/04), as expectativas do mercado para a taxa de juros apresentaram mudanças perceptíveis: a parte curta da curva sofreu queda, enquanto os vencimentos longos tiveram alta.
Os principais motivos para o movimento foram, para o curto-prazo, os movimentos de cortes de juros realizados pelo BC e indicações de que a Selic deve se manter baixa por mais tempo e, para o longo prazo, o risco fiscal mais acentuado.
A consequência disto é que os investimentos com prazos mais longos passam a refletir essas expectativas, apresentando rentabilidades mais altas, mesmo que o risco de crédito individual dos emissores, em geral, não esteja pior. Pelo contrário, muitos hoje apresentam risco mais baixo do que no começo da pandemia, como pudemos observar pelos indicadores consolidados dos segmentos.
O que fazer?
As emissões bancárias (CDBs, LCIs, LCAs, LCs) são boa opção de ativo seguro, por contar com garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para investimentos de até R$ 250 mil.
Com a abertura da curva de juros, títulos de prazos mais longos podem oferecer remunerações mais elevadas do que há alguns meses. Sendo assim, são ótimas alternativas para quem busca segurança e rentabilidade.
Este é um fator interessante, principalmente ao considerarmos que o risco de crédito (ou seja, risco de calote), no geral, hoje é mais baixo do que no começo da pandemia, por termos maior visibilidade do cenário.
Vale lembrar, no entanto, que ao investir em bancos com maior risco de crédito, sugere-se não aplicar a reserva de emergência e ter disponibilidade de manter o valor aplicado até o prazo de vencimento.
Além disso, é importante sempre buscar ativos alinhados ao objetivo e perfil do investidor.
Anexo
Veja mais
Fontes
Banco Central - Acompanhamento covid-19
Banco Central - Evolução recente do crédito
Sites de Relações com Investidores dos emissores mencionados
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