Hoje (10), o Banco Central do Brasil (BC) divulgou a versão em português do seu Relatório de Estabilidade Financeira. O Relatório de Estabilidade Financeira (REF) é uma publicação semestral do BC que apresenta o panorama da evolução recente e as perspectivas para a estabilidade financeira no Brasil, com foco nos principais riscos e na resiliência do Sistema Financeiro Nacional (SFN), bem como comunica a visão do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) sobre a política e as medidas para preservação da estabilidade financeira. Em síntese, a publicação ratifica muitas das percepções que temos em relação à indústria bancária. Como resultado, reiteramos nossa visão de que 2023 continuará desafiador para as instituições bancárias, mas que essas instituições brasileiras apresentam condições financeiras robustas, especialmente em relação à qualidade dos ativos, solvência e liquidez.
As principais mensagens do documento são as seguintes (clique aqui para acessar a versão em português do documento):
- Nos últimos meses o sistema financeiro internacional experimentou momentos de estresse relevante. O fechamento de bancos médios nos EUA e questionamentos sobre a saúde financeira de um banco globalmente sistêmico (G-SIB) na Europa trouxeram preocupações sobre a estabilidade financeira nos países avançados, com consequente aumento da aversão global ao risco e impactos sobre os preços de diversos ativos financeiros.
- Apesar dos esforços das autoridades em restaurar a confiança nos sistemas financeiros e evitar o contágio para outras instituições e outras jurisdições, há elevada incerteza sobre os desdobramentos dos eventos recentes.
- As economias centrais mantêm a comunicação de que seus sistemas financeiros continuam resilientes e bem capitalizados, que possuem os instrumentos necessários para atuar ante ameaças à estabilidade financeira, enfatizando o princípio da separação de objetivos e instrumentos na condução das políticas monetária e macroprudencial.
- Diante de maior incerteza para a estabilidade financeira global e de eventos de estresse no sistema bancário, o BC segue monitorando seus riscos. Além do aumento observado da aversão global ao risco e impactos sobre os preços de diversos ativos financeiros, o BC segue acompanhando potenciais e eventuais desdobramentos da crise bancária: perdas não realizadas na marcação a mercado de títulos no balanço de bancos, medidas de suporte à liquidez, garantias a depositantes, particularidades regulatórias de IFs de menor porte e interação entre política monetária e estabilidade financeira.
- Cresce a participação de instrumentos sem previsão de resgate antecipado em detrimento de ativos que podem ser resgatados a qualquer momento. A busca por ativos mais rentáveis, em um cenário de taxa Selic mais elevada, indica que os investidores continuaram dispostos a trocar liquidez e menor remuneração por aplicações longas e mais rentáveis, mantendo a tendência apresentada no semestre anterior.
- Os spreads das taxas de captação em relação ao CDI permaneceram estáveis ao longo do segundo semestre de 2022.
- A liquidez de curto prazo do sistema bancário permanece em patamar adequado para manutenção da estabilidade financeira e regular funcionamento do sistema de intermediação.
- O Indicador de Liquidez de Curto Prazo (LCR) agregado do segmento S1 apresentou redução, embora mantenha-se em patamar elevado.
- Em uma outra abordagem – considerando efeitos de cenários de estresse de mercado e corrida bancária –, não se observa alteração relevante nos níveis de liquidez para todo conjunto de IFs individuais.
Crédito
- O crescimento do crédito amplo desacelerou nos diversos mercados de crédito. No crédito bancário às PFs, a desaceleração foi maior em operações de maior risco, como as ligadas aos cartões de crédito.
- No caso das pessoas jurídicas (PJs), a carteira bancária desacelerou marginalmente, mas continuou crescendo em níveis superiores àqueles do período pré-pandêmico.
- O mercado de capitais também passou por redução do ritmo de expansão, mas se manteve como fonte relevante de financiamento, principalmente para as grandes empresas.
- O apetite ao risco das IFs na concessão de crédito às famílias e às empresas de menor porte apresentou redução, porém permanece elevado.
- A materialização de risco deve permanecer elevada no médio prazo, mas critérios mais restritivos nas concessões recentes têm colaborado para arrefecer o crescimento dos ativos problemáticos, principalmente, no crédito às famílias.
PJ
- A situação financeira das empresas ainda permaneceu positiva, mas com sinais de deterioração ao longo do segundo semestre.
- O mercado de capitais continuou como fonte relevante de financiamento, mas reduziu seu ritmo de expansão.
- Custo do crédito via mercado de capitais se eleva após o caso Americanas.
- A carteira de crédito bancário PJ continuou a apresentar crescimento, embora em ritmo menor.
- O apetite a risco das IFs continuou mais elevado para as empresas de menor porte.
- A materialização do risco de crédito cresceu, em especial nas micro e pequenas empresas, mas também por um caso pontual nas grandes empresas.
PF
- O crédito às pessoas físicas segue refletindo o ambiente desafiador, onde o maior comprometimento de renda e o elevado nível de endividamento das famílias se traduzem, na margem, em critérios mais conservadores de concessão.
- Ressalta-se, no entanto, que a taxa de crescimento segue alta em modalidades mais arriscadas, como cartão de crédito e crédito não consignado, o que ainda requer atenção.
- A capacidade de pagamento dos tomadores de crédito na carteira dos bancos apresentou piora.
- Em comparação com o primeiro semestre de 2022, a renda está mais comprometida com modalidades de maior risco e com taxas de juros mais elevadas, em especial o cartão de crédito. Em particular, esse movimento tem sido mais intenso nas faixas de menor renda.
- No geral, as modalidades de crédito às pessoas físicas apresentaram desaceleração da taxa de crescimento anual.
- O apetite ao risco das IFs na concessão de crédito às famílias apresentou redução, porém permanece elevado.
Crédito bancário doméstico por segmento
- Os bancos privados atuaram com menor apetite a risco e reduziram o ritmo do crescimento da carteira de crédito no segundo semestre de 2022.
- A concentração do mercado de crédito bancário doméstico reduziu nos últimos anos. As cooperativas, as entidades digitais e, em menor grau, o segmento das demais entidades privadas, vêm aumentando sua participação na carteira de crédito do sistema financeiro, em detrimento dos bancos públicos e dos bancos privados do segmento prudencial S1.
- O aumento da participação das entidades digitais ocorreu principalmente em modalidades de maior risco na carteira PF. O segmento de cooperativas aumentou sua participação na carteira de micro e pequenas empresas, enquanto o segmento dos demais privados ganhou mercado na carteira de grandes empresas. Destaca-se, ainda, a redução da participação dos bancos públicos tanto na carteira PF como na carteira PJ.
Rentabilidade
- A rentabilidade do sistema bancário recuou no segundo semestre de 2022. Após recuperar-se para níveis pré-pandemia, a rentabilidade reduziu-se refletindo, de um lado, o crescimento do resultado de juros e, de outro, o aumento das provisões e a leve piora da eficiência operacional.
- O crescimento do resultado de juros foi influenciado pelo avanço dos ganhos com tesouraria. As despesas com provisões cresceram em decorrência da maior materialização do risco de crédito e, pontualmente, do caso Americanas.
- A eficiência operacional foi impactada pelo avanço das despesas administrativas e redução do ritmo de crescimento das receitas operacionais. Descontados os efeitos do caso Americanas, a rentabilidade teria se mantido praticamente estável em relação a 2021.
- O resultado do sistema deve continuar sob pressão no médio prazo. O lucro líquido do sistema foi de R$139 bilhões em 2022, 2% superior ao registrado no ano anterior. O Retorno sobre o Patrimônio Líquido (Return on Equity – ROE) foi de 14,7%, ante 15,7% ao final de 2021.
- No período, as instituições com prejuízo representam apenas 3% do ativos totais do sistema. O cenário para 2023 é de atividade econômica mais fraca, crescimento do crédito menor, inadimplência e inflação em níveis elevados. Assim, espera-se que a rentabilidade do sistema continue pressionada no médio prazo.
- O resultado de juros (Net Interest Income – NII) cresceu em 2022, refletindo o avanço do resultado de tesouraria.
- As despesas com provisões cresceram acompanhando o crescimento dos Ativos Problemáticos.
- A eficiência operacional do sistema apresentou leve piora no ano, refletindo o crescimento maior das despesas administrativas em relação às receitas operacionais.
Solvência
- O sistema bancário mantém-se sólido e apto a sustentar o regular financiamento da economia.
- O sistema apresenta baixa dependência em relação aos instrumentos elegíveis ao Capital Complementar e ao Capital de Nível II para cumprimento das exigências regulamentares.
- A margem de capital regulatória do sistema não é restrição para a expansão da oferta de crédito. Os ativos ponderados pelo risco (Risk-Weighted Assets – RWA) expandiram-se percentualmente mais que o capital, essencialmente em função do crescimento das exposições em operações de crédito. Contudo, a margem de capital consolidada atingiu R$249 bilhões, ante R$245 bilhões no semestre anterior. O excesso de capital equivale a 24,3% do PR do sistema, o que permitiria o aumento significativo de operações de crédito sem necessidade de novos aportes de capital por questões regulamentares.
Testes de Estresse
- Os resultados dos testes de estresse seguem indicando que o sistema bancário possui adequada resiliência em todos os cenários simulados. Os testes de estresse de capital indicam que não há ocorrência de desenquadramentos51 em montante relevante nos cenários macroeconômicos adversos. Os resultados obtidos nas análises de sensibilidade também indicam boa resistência aos fatores de risco, simulados isoladamente, além de estabilidade de resultados em comparação com testes feitos anteriormente. O teste de estresse de liquidez indica quantidade confortável de ativos líquidos em caso de saídas de caixa em condições adversas ou choque nos parâmetros de mercado no curto prazo.
- O sistema tem mantido ativos líquidos suficientes para absorver potenciais perdas em cenários estressados e cumprir a regulamentação vigente.
- Os bancos apresentam condições de carregar títulos classificados como mantidos até o vencimento (MAV), sem a necessidade de se desfazer antecipadamente desses ativos, mesmo em cenários de estresse. Segundo a regulamentação em vigor, as instituições podem optar por manter títulos classificados como MAV e contabilizados pelo valor da curva de aquisição, desde que possuam a intenção e a capacidade financeira de mantê-los em carteira até o vencimento.
- O SFN mantém, de forma agregada, títulos contabilmente assim classificados que representam 4,20% do seu ativo total. Para aquelas instituições que optaram por classificar parcela de seus títulos dessa forma, avaliou-se a capacidade de mantê-los em carteira, comparando seu estoque de ativos líquidos com o total de recursos que contratualmente podem ser exigidos nos próximos 12 meses. O resultado desse exercício demonstra que praticamente a totalidade dos conglomerados que detém títulos MAV possuem ativos líquidos superiores ao potencial de saída de recursos, conforme a métrica proposta. Para os demais, a diferença entre o valor de mercado dos papéis e o valor na curva é inferior à folga de capital regulamentar que eles mantêm. Dessa forma, mesmo em um cenário de estresse, onde potencialmente necessitassem vender esses títulos, poderiam absorver eventuais perdas sem descumprir as regras de capitalização.
Se você ainda não tem conta na XP Investimentos, abra a sua!