Destaques
- Vemos o Fed cortando os juros pela primeira vez em dezembro, dado que os indicadores agregados publicados ao longo do primeiro trimestre abalaram significativamente a confiança do FOMC.
- O início mais tardio do ciclo de flexibilização pelo Fed não deve impedir cortes de juros em outras regiões no curto prazo, e as próximas decisões dos bancos centrais das economias emergentes e desenvolvidas devem ser impulsionadas principalmente por fatores domésticos.
- No entanto, os bancos centrais não estarão imunes às taxas dos EUA e um início mais tardio do ciclo de flexibilização pelo Fed poderá limitar o ritmo e a magnitude dos cortes ao redor do mundo.
- Na América Latina, o setor de serviços continua sendo o principal motor da persistência da inflação acima da meta. Estímulos fiscais também podem ser uma barreira para a flexibilização política monetária em alguns países.
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Estados Unidos: Cenário exige cautela pelo Fed
A trajetória da política monetária permanece incerta e cortes nas taxas não são esperados tão cedo. Em sua reunião de maio, o Fed (banco central dos Estados Unidos) manteve o limite superior dos juros de referência em 5,5% pela sexta vez consecutiva, nível alcançado em julho de 2023. O FOMC (comitê de política monetária) também anunciou que irá reduzir o ritmo de vendas dos títulos do Tesouro (prática chamada de quantitative tightening, ou QT, em inglês) a partir de junho, diminuindo o tamanho de seu balanço em $25 bilhões por mês em vez de $60 bilhões.
A comunicação do Fed apontou para um cenário de desinflação mais desafiador, embora o presidente Jerome Powell não tenha expressado qualquer intenção de voltar a subir os juros em resposta à recente reaceleração da inflação – um cenário que estava se tornando cada vez mais debatido entre os participantes de mercado e economistas influentes. Em discursos recentes, membros do FOMC evitaram fornecer muita orientação sobre o momento do primeiro corte, embora muitos tenham expressado a intenção de manter as taxas altas por mais tempo, enquanto Powell tem dito que é improvável que o próximo movimento seja de alta. Assim, esperamos que o próximo relatório de projeções econômicas (SEP, sigla em inglês), mostre uma mediana de dois cortes esperados em 2024, abaixo dos três no relatório de março.
Os dados publicados desde a última reunião do FOMC mostraram uma inflação de serviços persistente, embora sinais adicionais de desaceleração na atividade econômica. Do lado dos preços, o núcleo da inflação ao consumidor (excluindo itens de alimentos e energia) aumentou 0,29% m/m em abril, em linha com as expectativas, e sua variação anual caiu para 3,61%, de 3,80% em março. Os dados reforçaram o cenário de inflação benigna de bens (-1,3% acumulado em doze meses), mas inflação de serviços persistente, e até reacelerando (5,4% acumulados em doze meses).
Por outro lado, o relatório de mercado de trabalho de abril mostrou geração liquida de empregos formais mais fracos e melhor equilíbrio entre oferta e demanda por trabalhadores, enquanto outros indicadores de atividade de abril (confiança do consumidor, vendas no varejo, PMIs, etc.) decepcionaram. No geral, os dados de inflação de serviços permanecem bastante elevados, o que provavelmente manterá o Fed em espera no curto prazo, embora a desaceleração da atividade econômica deva eventualmente contribuir para menores pressões sobre preços.
Vemos o Fed iniciando ciclo de flexibilização monetária em dezembro. No mês passado, revisamos nossa projeção para a política monetária dos EUA, dado que, em nossa visão, o acúmulo de dados fortes publicados o longo do primeiro trimestre do ano interrompeu o progresso em direção aos objetivos do Fed, e provavelmente exigirá mais tempo até que os dirigentes tenham confiança suficiente para iniciar um ciclo de afrouxamento. Considerando a postura do Fed, achamos muito improvável (embora não impossível) que seu próximo movimento seja um aumento. Tal decisão exigiria uma deterioração adicional significativa das perspectivas inflacionárias. Nosso cenário base considera que a inflação mostrará sinais mais benignos no segundo semestre de 2024, o suficiente para permitir o início de um ciclo gradual de afrouxamento na última reunião do ano. Vemos um ritmo de corte de 0,25 p.p. por trimestre como o mais provável (um corte a cada duas reuniões), embora ainda haja uma grande incerteza quanto à condução da política monetária adiante.
Europa: Flexibilização monetária amadurecendo
Na Europa, o BCE preparou o terreno para um primeiro corte de nos juros de referência. O BCE manteve as taxas de juros estáveis pela quinta reunião consecutiva em abril, embora a comunicação sugira que o Conselho do BCE esteja se tornando mais confiante sobre a convergência sustentável da inflação para a meta, o que, em sua avaliação, tornaria “apropriado reduzir o nível atual de restrição da política monetária”.
O BCE continua a ver a inflação em torno dos níveis atuais este ano, retornando à meta em 2025, à medida que a economia continua a sentir os efeitos da política monetária e conforme o impacto da inflação passada de energia desaparece. O potencial impacto das tensões geopolíticas nos preços da energia é o principal risco de alta, embora a política monetária restritiva também represente um risco de baixa para a atividade.
O BCE parece estar pronto para começar a afrouxar a política monetária em sua próxima reunião – em linha com a nossa projeção desde o fim do ciclo de aperto. Esperamos que o BCE continue a reagir aos dados, embora, a não ser que os principais indicadores a serem publicados até a reunião de junho não se desviarem significativamente das expectativas, o Conselho do BCE provavelmente para o primeiro corte sua próxima reunião.
Destacamos que as leituras de inflação de maio e os dados salariais do primeiro trimestre serão fundamentais. Este último é particularmente importante, pois representa uma grande contribuição para a transmissão para a inflação de serviços. Além disso, o crescimento da produtividade, que tem sido negativo ultimamente, será outro fator importante. Em relação aos preços, a presidente Lagarde comentou recentemente que a rigidez da inflação de serviços está sendo monitorada, embora o Conselho do BCE não deva esperar até que todas as categorias voltem à meta para começar a reduzir os juros. Desse modo, acreditamos que os dados de inflação provavelmente não impedirão cortes no curto prazo, mas podem limitar o espaço para flexibilização adiante.
O BCE deve divergir do Fed, embora com cautela. Após os dados fortes divulgados nos EUA ao longo do primeiro trimestre, a presidente de BCE, Christine Lagarde, foi muito questionada sobre o potencial impacto de juros altos por mais tempo nos EUA. Lagarde reforçou que o BCE não depende do Fed e não visa influenciar o câmbio diretamente. Ela também destacou que diferenças na política fiscal entre as regiões exigem uma condução diferente da política monetária. No entanto, acreditamos que o BCE não está imune às taxas dos EUA, e o Conselho do BCE provavelmente agirá com mais cautela dada a expectativa de atraso no ciclo de afrouxamento do Fed. Assim, agora esperamos que o BCE corte as taxas em um ritmo trimestral de 0,25 p.p., totalizando 0,75 p.p. em 2024.
No Reino Unido, o Banco da Inglaterra também parece estar próximo do seu primeiro corte. Na reunião de maio, o BoE (Banco da Inglaterra) decidiu manter a taxa de juros estável em 5,25%. Dois membros do Comitê de Política Monetária (MPC) preferiram redução de 0,25 p.p., em comparação com apenas um membro votando nesta direção na reunião anterior. A decisão dividida, acompanhada por uma revisão baixista nas previsões de inflação, sugere que o BoE está próximo de um ponto de inflexão, e o primeiro corte em agosto está se tornando cada vez mais provável (em duas reuniões). No entanto, um início mais precoce em junho não pode ser descartado, dada a quantidade significativa de dados relevantes que devem ser divulgados até então. Acreditamos que os próximos dois relatórios de inflação e emprego serão cruciais. Também de grande relevância, o presidente do BoE, Andrew Bailey, sinalizou que o MPC deve reduzir as taxas mais do que o mercado esperava antes da reunião de maio (os mercados estavam precificando um corte agregado de 0,65 p.p. em 2024).
América Latina: Fatores domésticos determinam o curto prazo, porém cenário global segue relevante
O início tardio do ciclo de afrouxamento do Fed não deve impedir cortes nas taxas em outras regiões no curto prazo. Historicamente, o Fed tende a liderar a política monetária ao redor do mundo. No entanto, conforme explicamos antes, desta vez os bancos centrais em outras economias desenvolvidas (BCE e BoE) devem cortar juros, mesmo com o Fed em modo de espera, devido à perspectiva de inflação mais benigna. O mesmo se aplica às economias emergentes, especialmente na América Latina, onde a maioria dos bancos centrais já começaram a ajustar suas taxas de juros nominal e, no curto prazo, o ritmo deve ser determinado principalmente por fatores domésticos.
Ainda assim, em todos os casos, os juros dos EUA podem limitar o ritmo e a magnitude dos cortes adiante. O impacto mais direto tende a ser sobre o câmbio, que, no caso de enfraquecimento significativo, poderia adicionar pressão sobre os preços de produtos importados e as expectativas de inflação.
Como nas economias desenvolvidas, o setor de serviços continua sendo o principal fator para a persistência inflacionária na América Latina. A inflação ao consumidor na região vem caindo de níveis muito altos, embora em ritmos diferentes. Um fator semelhante entre a maioria dos países é a persistência da alta inflação na categoria de serviços, que representam a maior contribuição para a inflação acima das metas dos bancos centrais.
Vários fatores podem explicar o comportamento da inflação de serviços: defasagens mais longas do que o normal na transmissão da política monetária para a demanda doméstica, impactos da inércia e indexação à alta inflação passada, mercados de trabalho apertados, gastos fiscais persistentemente altos e ajuste nos preços relativos. Em relação a este último, destacamos que a inflação acumulada nas economias da América Latina desde a pandemia ainda é muito maior para bens em comparação com serviços. Isso contrasta com os EUA, por exemplo, em que a discrepância nos preços relativos já foi revertida. Por esses motivos, a inflação de serviços ainda deve permanecer sob pressão por algum tempo, exigindo cautela dos bancos centrais.
Estímulos fiscais também podem ser uma barreira para a flexibilização política monetária em certos países. Outro fator importante que provavelmente está contribuindo para a persistência da inflação é o estímulo fiscal contínuo por parte dos governos da região. A política fiscal contribuiu para resiliência na atividade econômica e compensou os efeitos da política monetária restritiva. Em alguns países, a pró-ciclicidade da política fiscal provavelmente exigirá um período prolongado de juros restritivos. Além disso, essas economias podem estar em uma posição mais difícil para combater uma eventual desaceleração em seus ciclos econômicos devido a níveis mais altos de dívida em relação ao PIB.
O Brasil é um dos principais exemplos. Apesar da surpresa positiva do lado da arrecadação ao longo do primeiro trimestre do ano, o forte crescimento das despesas recorrentes é uma preocupação. Com esforços limitados para aumentar a arrecadação, improváveis cortes nas despesas, e crescimento econômico sólido, a dívida pública deve continuar sua trajetória de alta.
O México evitou afrouxar significativamente sua postura fiscal, até recentemente, mas outras medidas – por exemplo, aumentos muito grandes no salário-mínimo – impulsionaram a demanda. Além disso, com as eleições presidenciais próximas, o governo decidiu aumentar significativamente os gastos fiscais, estimulando o consumo.
Na Colômbia, a política fiscal tem sido altamente expansionista desde a pandemia, e os esforços para reduzir os gastos têm sido muito tímidos. O Chile foi o único que ajustou significativamente sua postura fiscal, embora o início do ano tenha marcado um aumento expressivo nos gastos públicos, o que pode ter contribuído para as recentes surpresas altistas na inflação. No entanto, acreditamos que essa tendência provavelmente irá reverter-se nos próximos dois trimestres.
Diferentes decisões de política monetária marcaram o último mês na América Latina. Os bancos centrais estão em momentos diferentes de seus ciclos de afrouxamento, embora, em geral, a incerteza sobre o futuro da política monetária continue devido aos riscos globais e domésticos discutidos acima. Há um alto grau de incerteza sobre quando os ciclos de afrouxamento acabarão e sobre quanto da persistência da inflação de serviços é cíclica e quanto é estrutural. Além disso, a recente depreciação cambial em meio ao fortalecimento do dólar, e diferenciais de juros com os Estados Unidos mais baixos são fatores adicionais que exigem cautela das autoridades monetárias.
- No Brasil, o Copom realizou o corte de 0,25 p.p. que esperávamos, embora tenha havido controvérsia sobre a decisão dividida (5-4), na qual quatro diretores nomeados pelo atual governo votaram por um corte de 0,50 p.p.. Com os mandatos de três dos cinco membros do Copom que votaram por 0,25 p.p. expirando até o final do ano, a decisão dividida gerou preocupações sobre como o comitê se comportará a partir de 2025. Mantemos nossa projeção de mais dois cortes de 0,25 p.p. para uma taxa terminal de 10%, mas reconhecemos o risco de uma pausa mais precoce devido ao aumento das expectativas de inflação.
- No México, a decisão unânime do Banxico de manter as taxas estáveis em 11,00% foi menos impactante. No entanto, o comunicado acompanhando a decisão foi dura, com o conselho mostrando menor confiança sobre a convergência da inflação para a meta. Nosso cenário base permanece que o Banxico retomará seu ciclo de afrouxamento em junho, embora a barra esteja agora mais alta, especialmente se os dados continuarem a mostrar persistência na inflação de serviços. Projetamos uma taxa de 9,25% no final do ano.
- Na Colômbia, o BanRep reduziu os juros em 0,50 p.p., de 12,25% para 11,75%, em linha com as expectativas. Esta foi uma decisão dividida, com um membro votando por um corte de 0,75 p.p. e outro por um corte de 1,0 p.p.. O BanRep manteve um tom cauteloso em meio a condições financeiras globais mais apertadas, leituras de inflação ainda elevadas e expectativas de inflação de curto prazo que permanecem significativamente acima da meta de 3%. No entanto, em nossa opinião, houve elementos que poderiam levar a um ritmo de corte mais rápido: (1) o reconhecimento de que a economia cresce acima de seu potencial, (2) que a taxa de desemprego permanece em tendência de alta desde o segundo semestre de 2023, e (3) as preocupações aparentemente mais moderadas, na margem, em relação à inflação de serviços. Continuamos a ver os juros atingindo 8,5% no final de 2024.
- No Chile, o BCCh não teve uma reunião desde nosso último relatório. Os dados de inflação e atividade econômica vieram um pouco acima do esperado, mas em linha com o cenário base mais recente do BCCh, enquanto a moeda recuperou boa parte do valor perdido no ano devido à postura mais cautelosa do banco central e ao forte rali nos preços do cobre. Portanto, mantemos nossa expectativa de um corte de 0,50 p.p. nesta reunião, levando os juros de referência de 6,50% para 6,00%. Dado que a política monetária ainda está bastante restritiva, o banco central ainda tem espaço para seguir neste ritmo. Vemos uma taxa terminal de 4,50%, que deve ser alcançada até meados de 2025. Ainda assim, se o ciclo de afrouxamento pelo Fed continuar a ser adiado, pode se tornar mais desafiador para o BCCh levar o diferencial de juros com os EUA para patamar negativo até o final do ano.