– Passamos a contemplar uma nova rodada de Auxílio Emergencial (AE) em nosso cenário base. A forma de implementação será importante para averiguar os efeitos completos do novo programa sobre a economia.
– A atividade mais fraca do início do ano deve ser compensada pela nova rodada do AE e pela perspectiva de normalização da economia no segundo semestre com a vacina. Mantemos a projeção de crescimento do PIB em 3,4% em 2021 e 2,0% em 2022.
– O real mais fraco e a alta das commodities nos levaram a aumentar a projeção de IPCA em 2021 para 3,9% (3,5% antes). Para 2022 mantemos 3,4%.
– Os resultados do setor externo seguem robustos. Projetamos a Conta Corrente em 0,4% do PIB em 2021, o primeiro resultado positivo desde 2007. Neste ambiente, a taxa de câmbio deve voltar a se valorizar, para 4,9 reais por dólar este ano e 4,8 em 2022. O risco é uma implementação desordenada do Auxílio Emergencial.
Editorial – Prorrogação do Auxílio Emergencial: oportunidade e risco
O avanço da vacinação no mundo e os fortes estímulos governamentais mantiveram “reflation trade” vivo nos mercados. Commodities seguem em alta e as taxas de juros longas vem subindo mais claramente nos países centrais (ver gráfico). Por ora, é uma boa notícia. A economia global está se normalizando, voltando aos padrões pré-pandemia. Mas se os estímulos – passados e futuros – se mostrarem fortes demais e este movimento acelerar, é possível que uma ressaca (na forma de piora das condições financeiras) venha mais adiante.
No Brasil, a aceleração da Covid-19 e a discussão desordenada da prorrogação dos estímulos fiscais elevaram os prêmios de risco, revertendo a apreciação cambial observada desde meados de dezembro. A moeda fraca e as commodities em alta pressionam a inflação: elevamos nossa projeção de IPCA deste ano de 3,5% para 3,9%. Neste ambiente, o BCB passou a sinalizar o início de aperto monetário já no primeiro semestre. Após a última reunião do Copom (20/jan), revisamos a projeção de início do ciclo de alta de juros de agosto para maio.
Mais recentemente, o Ministério da Economia tomou a frente das discussões sobre a extensão do Auxílio Emergencial, indicando que ela será acompanhada de medidas para fortalecer o arcabouço fiscal por meio de gatilhos constitucionais de corte de gastos. Se acontecer, será positivo: em troca de uma despesa adicional limitada, um avanço estrutural na área mais frágil da economia brasileira.
O risco de implementação, no entanto, é elevado. Em primeiro, não estão claros quais gatilhos estarão na proposta do governo, nem se o Congresso os aprovará em tempo hábil (já se anuncia o reinício do Auxílio Emergencial para março). Em segundo, o Congresso pode elevar, à revelia do Executivo, o tamanho do programa tanto no valor por pessoa como no número de beneficiados. Finalmente, aprovado o Auxílio, podem aparecer pressões para extensão também do BEm (programa de sustentação de empregos), do Pronampe (crédito subsidiado a pequenas e micro empresas) e mesmo para a criação de programas mais permanentes de distribuição de renda fora do teto de gastos.
Ou seja: se for mal implementada, a prorrogação do auxílio pode ser o ovo da serpente para uma deterioração fiscal mais estrutural.
Estas definições são esperadas para as próximas semanas. Até lá, a volatilidade dos mercados deve seguir elevada.
Economia Global: estímulos demais?
A economia dos EUA passou do risco de um abismo fiscal no 1T21, para o risco de o governo impulsionar demais a atividade – o que pode ter consequências negativas na estabilidade financeira mais adiante. Com a vitória democrata nas últimas eleições e os resultados fracos do mercado de trabalho em janeiro, a probabilidade de um grande pacote fiscal (perto de U$ 1,2-1,4 trilhão) ser aprovado em março ou início de abril – por meio do instrumento parlamentar da “reconciliação” – aumentou.
Significaria um impulso de 12% do PIB em 2021, sobre uma economia que já se recupera graças ao sucesso da vacinação. Além disso, o nível de poupança permanece historicamente elevado. Acreditamos que grande parte desta poupança excedente voltará para a economia ao longo do ano.
Estimamos que o PIB americano crescerá 5,5% em 2021. A inflação ao consumidor deve atingir 1,9% (índice cheio) e 1,8% (núcleo) em 2021, após atingir picos de 3,1% e 2,4%, respectivamente, em maio.
Neste cenário, revisamos nossa projeção para os juros dos títulos de 10 anos do Tesouro de 1,3% para 1,5% no final de 2021.
Na China, os dados recentes parecem mostrar alguma desaceleração em relação ao ritmo frenético observado até o final do quarto trimestre do ano passado. Mesmo assim, continuamos projetando um robusto crescimento do PIB de 9% este ano.
Os resultados do comércio exterior continuam fortes, reforçando a tese de que a China é um dos países que sairá com os maiores benefícios econômicos da pandemia. Reiteramos nossa projeção do yuan em 6,30 por dólar no final de 2021.
Na Europa, as notícias sobre a pandemia melhoraram, com novos casos, hospitalizações e mortes diminuindo significativamente. O impacto na atividade tem se mostrado menos intenso do que o esperado inicialmente. No entanto, o ritmo de vacinação na zona do Euro continua inferior ao Reino Unido e EUA.
Apesar dos números de inflação corrente relativamente elevados, entendemos que o BCE avaliará que a inflação subjacente segue sob controle, e não fará qualquer ação para reduzir o (elevado) grau estímulo monetário em vigor.
Brasil: Inflação alta, demanda desacelerando e (mais) incertezas fiscais
Atividade Econômica: demanda mais fraca na virada do ano
Os indicadores de demanda mostram desaceleração desde o fim do ano passado. As vendas no varejo recuaram 6,1% em dezembro, depois de virtual estagnação em novembro. Entre as possíveis explicações estão: i) antecipação do consumo de bens duráveis ao longo da pandemia; ii) antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas para o início de 2020, o que retirou uma parte da renda habitual de final de ano; e iii) inflação corroendo poder de compra das famílias.
O setor de serviços também perdeu força. A Pesquisa Mensal de Serviços recuou 0,2% em dezembro, depois de seis altas consecutivas.
O quadro não deve melhorar neste início de 2021. A confiança do consumidor e do empresário recuaram, 2,7 e 1,6 pontos, respectivamente. A economia deve sentir a interrupção do auxílio emergencial, ainda que este seja reestabelecido em março. O balanço final só não deve ser pior porque as concessões de crédito para pessoa física continuam em bom ritmo, impulsionadas pelas condições monetárias favoráveis.
Em contrapartida, a produção industrial avançou 0,9% em dezembro. Com estoques historicamente baixos, o setor deve continuar crescendo, a despeito da desaceleração da demanda.
Em posse dessas informações, projetamos o PIB de 2020 com uma retração de 4,4%. Essa projeção é resultado da expectativa de alta de 2,3% T/T-1 no quarto trimestre (ver tabela).
Para 2021, estimamos uma leve queda no PIB no primeiro trimestre de 0,1% T/T-1, provocada principalmente pelos efeitos da segunda onda da pandemia no setor de serviços e pelos sinais desaceleração da demanda agregada. Por outro lado, o reestabelecimento do auxílio emergencial (ver impacto abaixo) e o progresso da vacinação no país (esperamos ao menos 30 milhões de pessoas vacinadas até o julho) trazem um viés positivo para o segundo semestre.
Assim, mantemos nossa projeção de 3,4% para o crescimento do PIB este ano. Para 2022, com a economia mais próxima a seu potencial, projetamos 2,0% de crescimento.
Passamos a contemplar em nosso cenário base o reestabelecimento do auxílio emergencial. Simulamos o impacto na massa ampliada de renda a partir da hipótese de quatro parcelas de R$ 250 por pessoa a partir de março (ver gráfico). O impacto na renda do brasileiro ao final de 2021 seria próximo de 1,0%.
Impacto do reestabelecimento do Auxílio Emergencial a partir de março
A incorporação deste aumento da renda em nosso modelo de demanda agregada aponta um incremento no Consumo das Famílias de 0,13 p.p. no segundo trimestre e de 0,21 p.p. no terceiro trimestre. Isso é refletido em uma contribuição positiva ao PIB de 0,09 p.p. no segundo trimestre e 0,14 p.p. no terceiro trimestre de 2021.
Os efeitos secundários desta medida (não contemplados em nosso cenário) são ambíguos. Se ela vier acompanhada de mecanismos de controle de gastos públicos poderá até ter um efeito positivo adicional para o PIB e para o desemprego. Por outro lado, a medida sem contrapartidas tem potencial de elevar o prêmio de risco do país, depreciar a taxa de câmbio e pressionar a inflação, corroendo o poder de compra justamente da população que deveria ser beneficiada.
Inflação: Elevamos o IPCA de 2021 para 3,9%. Ociosidade e ajuste monetário sugerem desaceleração no médio prazo
A inflação corrente segue pressionada. O arrefecimento que esperávamos para o início do ano foi revertido pela taxa de câmbio depreciada e pela alta adicional dos preços das commodities. Este choque soma-se às pressões em bens de consumo duráveis e semi-duráveis observadas desde o ano passado, resultado da alta dos custos de produção e do descompasso entre oferta e demanda no setor.
Ademais, a indicação de renovação do auxílio emergencial suaviza a esperada desaceleração da demanda agregada neste primeiro semestre, reduzindo também seu efeito desinflacionário. E o avanço da vacinação no país pode permitir algum espaço adicional para reajustes no setor de serviços.
Desta forma, revisamos nossa projeção para o ano calendário de 2021. Projetamos agora o IPCA em 3,9% (3,5% antes), levemente acima da meta para este ano, de 3,75%. Os principais itens que ajustamos na projeção foram alimentação no domicílio (de 3,6% para 5,0%), serviços (de 2,1% para 2,3%), semiduráveis (de 3,5% para 3,8%) e duráveis (de 3,7% para 4,0%) – ver tabela abaixo.
No médio prazo, a ociosidade ainda elevada da economia – especialmente no mercado de trabalho – e a redução dos estímulos monetários (ver seção de “política monetária” abaixo) devem contribuir para que a pressão corrente se restrinja a 2021. Também devem contribuir para a redução da inflação a recuperação da oferta de bens duráveis e a apreciação da taxa de câmbio que contemplamos em nosso cenário base (ver seção “setor externo” abaixo).
Assim, mantemos a projeção de 3,4% para 2022 (levemente abaixo da meta de 3,5%).
Fiscal: Riscos persistem, com pandemia e dívida elevada
Os resultados fiscais de dezembro consolidaram um quadro um pouco melhor do que o esperado para 2020, mesmo diante da pior performance da série histórica. A evolução das projeções medidas pela pesquisa Focus mostra que os últimos meses do ano foram marcados por revisões para um cenário gradualmente menos negativo. Ainda assim, o déficit primário do atingiu 9,5% do PIB e a dívida bruta ficou em 89,3% do PIB, um pouco abaixo da marca de 90%.
A surpresa positiva pode ser atribuída em boa parte à revisão estatística do PIB nominal por parte do IBGE, que reduziu a relação dívida/PIB em aproximadamente 2.2 p.p. Entretanto, outra parte da melhora também é explicada por despesas abaixo esperado com programas de combate à pandemia e com previdência, além da arrecadação acima do previsto.
Os resultados fiscais marginalmente melhores e a reaceleração da pandemia geraram pressão para uma nova rodada do auxílio emergencial. Como descrevemos na seção de atividade, nosso cenário contempla agora um novo programa para 32 milhões de beneficiários, com um valor de R$ 250 por pessoa, por um período de quatro meses. A despesa adicional será fora teto de gastos, mas eleva nossa projeção de déficit primário em R$ 30 bilhões, para -3,5% do PIB. Ajustamos nossa projeção de dívida para 90,3% do PIB nesse ano (de 90,1%), e de 2022 para 91% (de 90,9%).
Desta forma, os riscos fiscais se mantêm elevados. Em primeiro lugar, este pacote que incluímos no cenário parece o mínimo exigido pelo Congresso, com risco de ser elevado no valor por pessoa ou no número de beneficiários. Segundo, não está claro quais contrapartidas fiscais – de redução de gastos ou reforço ao arcabouço de gestão fiscal – acompanharão a medida. Também não está claro se, uma vez aprovado o auxílio, virão pressões para extensão também do programa BEm (de sustentação de empregos) e do Pronampe (crédito subsidiado a pequenas e micro empresas).
Em suma, a despeito dos resultados marginalmente melhores em 2020, os riscos fiscais de curto prazo (pandemia) e médio prazo (gerir uma dívida que se aproxima dos 90% do PIB) seguem a principal fonte de preocupação com a economia brasileira.
Setor Externo: a âncora de estabilidade no mar de incertezas
Em 2020, o resultado da conta corrente do Balanço de Pagamentos brasileiro foi deficitário em US$ 12,5 bilhões, ou em -0.9% do PIB, significativamente melhor que os US$ -50.7 bi de 2019 (-2.7% do PIB). A dinâmica da pandemia, com queda das importações, redução do déficit de serviços – em viagens internacionais, por exemplo – e rendas, além da taxa de câmbio desvalorizada, contribuíram para o resultado (mais detalhes em nosso relatório de dezembro, aqui).
Para 2021, esperamos que o resultado seja ainda mais forte. A conta corrente deve alcançar superávit de US$ 6.9 bi, ou 0.4% do PIB (ver gráfico). O efeito do câmbio desvalorizado, o alto preço das commodities e as promissoras safras brasileiras terão impacto positivo para as exportações, que devem saltar de US$ 211 para US$ 259 bilhões entre 2020 e 2021. Já as contas de serviços e rendas devem mostrar dinâmica deficitária, especialmente no segundo semestre, quando esperamos uma gradual normalização da economia com a vacinação, aumentando as remessas de lucros e dividendos.
Em 2022, assumindo a volta da atividade econômica e o fim de restrições de mobilidade, é natural que o país volte a registrar déficit em conta corrente: projetamos -US$15,7 bilhões (-0.9%).
Quanto à conta financeira, apesar da grande liquidez global, é necessário que o Brasil cresça e avance com reformas para reduzir a incerteza fiscal e dar segurança a maiores aportes estrangeiros. Não obstante, projetamos uma recuperação ao longo de 2021 para os Investimentos Diretos no País, que devem fechar o ano em US$ 45 bilhões. Para 2022, esperamos US$ 60 bilhões.
No geral, o setor externo deve continuar sendo um fator de estabilidade, diante de tantos outros desafios que enfrentaremos no médio prazo.
O câmbio flutua com a maré, mas com um pé na praia
O real se desvalorizou 5.2% em janeiro, de R$ 5,20 para R$ 5,47, mais uma vez se destacando como uma das moedas de pior performance no mundo. A aceleração de novos casos e óbitos por Covid-19, além de incertezas quanto ao processo de vacinação, reascenderam o medo da pandemia e de seus impactos diretos e indiretos na economia, em especial nos gastos públicos. Por outro lado, o preço das commodities (medido pelo índice CRB) subiu 3.8% no mês e seguiu em alta no início de fevereiro, quando a moeda brasileira passou a andar mais próxima dos pares emergentes.
Para o ano, o início do ciclo de alta de juros pelo Banco Central esperado para o primeiro semestre e a dinâmica positiva das commodities devem se contrapor ao risco fiscal e ao aumento na curva de juros no exterior, em especial nos EUA.
Assim, mantemos nossa expectativa de apreciação do real para 4.90 por dólar ao fim de 2021 e 4.80 ao fim de 2022.
Política Monetária: Mirando o início do ciclo
O Copom está com o dedo no gatilho para iniciar o ciclo de normalização da política monetária. A ata de sua última reunião revelou que já existe a discussão se “ainda seria adequado manter o grau de estímulo extraordinariamente elevado, frente à normalização do funcionamento da economia observada nos últimos meses”.
De fato, a economia não apresenta a mesma fraqueza de meados do ano passado, quando o Copom fixou a taxa Selic em 2,0%. As projeções de inflação voltaram à trajetória de metas e o início da vacinação – somado à provável renovação do auxílio emergencial – reduz o risco de nova recessão adiante.
A questão passa a ser quando, e a que ritmo, o processo se dará.
Continuamos entendendo que a incerteza ainda acima do usual e a ociosidade elevada – especialmente no mercado de trabalho – reduzem a urgência do Copom. Ademais, a desaceleração recente da demanda final pode ajudar a rebalancear a pressão de preços no segmento de bens de consumo duráveis observada nos últimos meses.
Desta forma, entendemos que o Copom optará por esperar sua reunião de maio para iniciar o ciclo, com uma alta de 0,25 p.p. Projetamos a taxa Selic em 3,5% no final deste ano e 4,5% em 2022.
O maior risco é a perspectiva fiscal. Em particular, a forma como Executivo e Legislativo implementarão a nova rodada do auxílio emergencial. Se não vierem contrapartidas relevantes para solidificar o arcabouço fiscal ou se ficar aberta a possibilidade de novos gastos extra-teto (ver seção fiscal acima), a percepção de risco tende a se deteriorar, com efeitos sobre a taxa de câmbio e a inflação esperada.
Esta definição deve ocorrer até o início de março, antes da próxima reunião do Copom. Se o cenário mais negativo se materializar, o Copom deve optar por elevar os juros antes – e de forma mais intensa – do que o contemplado em nosso cenário base.
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