Destaques
- Condições financeiras globais tornaram-se ainda mais restritivas devido à alta dos juros longos nos EUA. Ainda é incerto se o Fed fará mais uma alta, mas ainda vemos a taxa de juros de referência encerrando 2024 em 4,75% e 2025 em 3,5%.
- Na América Latina, leituras de inflação de outubro foram benignas em países que já começaram a baixar suas taxas de juros de referência (Brasil, Chile e Peru), e poderia justificar uma aceleração do ritmo de corte, embora o ambiente global desafiador possa ser um obstáculo. Enquanto isso, em países que ainda não começaram o processo de flexibilização monetária (México e Colômbia), os dados sugerem pressões inflacionárias contínuas.
- Juros altos nas economias desenvolvidas continuam a afetar os ativos da América Latina. Moedas mais fracas podem adicionar pressões na inflação, representando um desafio para os ciclos de afrouxamento monetário dos bancos centrais da região.
- Os ciclos de cortes em andamento devem continuar mesmo com juros globais mais altos, mas o cenário desafiador no ambiente internacional justifica um ritmo de cortes mais moderado e taxas terminais potencialmente mais altas.
- A dívida pública da América Latina deve continuar crescendo nos próximos anos, e o viés fiscal expansionista é outra razão para manter a política monetária restritiva por mais tempo.
- Juros elevados tendem a desacelerar o crescimento econômico, e os impactos podem ser duradouros na América Latina.
A economia dos EUA continua forte, embora deva desacelerar adiante. O PIB do 3º trimestre apresentou crescimento de 4,9% em termos anualizados e dessazonalizados, acima das expectativas, marcando uma reaceleração na margem e a maior taxa de variação desde o 4º trimestre de 2021. A principal contribuição veio do consumo pessoal, embora a expansão tenha sido generalizada, confirmando o desempenho robusto da economia americana. No entanto, continuamos céticos em relação às perspectivas de crescimento em meio à política monetária restritiva por bastante tempo. Acreditamos que a economia dos EUA terá de enfrentar um período de enfraquecimento para que a inflação convirja à meta.
O Fed agirá com cautela após a reunião de novembro. O comitê de política monetária do banco central americano (FOMC, em inglês) manteve o intervalo dos juros de referência entre 5,25% e 5,50%. A decisão decorreu, em grande medida, do aumento contínuo nos juros longos dos EUA, que representa um aperto adicional nas condições financeiras e atua como substituto a novas altas das taxas. No entanto, se não fosse pelas Treasuries dos EUA, acreditamos que o Fed teria elevado os juros novamente. O relatório de projeções do FOMC de setembro mostrou que 12/19 consideravam apropriado um aumento adicional nas taxas antes do final do ano, e os dados publicados até a reunião de novembro foram bastante hawkish: (1) a geração liquida de novos empregos dobrou as expectativas em setembro, o PIB do terceiro trimestre apresentou surpresas altistas, e a inflação de serviços exibiu sinais de reaceleração em setembro.
Portanto, não descartamos a possibilidade de um aumento adicional, embora dados mais recentes e juros mais altos dos títulos do Tesouro possam convencer o Fed de que a política monetária está suficientemente apertada. O último relatório de empregos sugeriu que o mercado de trabalho está finalmente esfriando, enquanto a inflação ao consumidor referente a outubro apresentou surpresas baixistas e uma quebra mais benigna (ambos publicados após a reunião de novembro do FOMC). A curva de juros recuou parcialmente após estes dois eventos, embora os juros de longo prazo permaneçam próximos às máximas de 15 anos. A volatilidade segue elevada, e a alta dos juros teria que ser persistente para afetar a demanda agregada.
Julgamos improvável que o Fed aumente as taxas na reunião de dezembro diante da incerteza elevada e dados mais benignos na margem. Ademais, o risco persistente da falta de dados no caso de uma paralização do governo pode deixar o Fed “voando às cegas” por um tempo. Se o Fed subir os juros novamente, provavelmente será no início do próximo ano. Tudo dependerá de como a economia reagirá às condições financeiras correntes. Em geral, achamos que a barra para aumentos adicionais está ficando cada vez mais elevada diante de juros mais altos e incertezas crescentes, embora ainda seja uma possibilidade.
A volatilidade de curto prazo não altera a perspectiva de taxas mais altas por mais tempo. De qualquer forma, o Fed está muito próximo ao final do ciclo de aperto monetário, e manter as taxas restritivas por mais tempo será mais importante do que novos aumentos, em nossa opinião. Reiteramos a projeção de que o Fed iniciará um ciclo de flexibilização no 3º trimestre de 2024, encerrando o ano com os juros de referência em 4,75%. Em 2025, esperamos que as taxas caiam para 3,50%, o que consideramos como novo nível neutro.
Na Europa, os bancos centrais estão mais confiantes sobre o final do ciclo de aperto. O BCE (Banco Central Europeu) e o BoE (Banco da Inglaterra, em inglês) deixaram suas taxas de juros inalteradas em suas últimas reuniões, à medida que o balanço de riscos entre a inflação persistentemente alta e o enfraquecimento da atividade econômica se tornou mais equilibrado no atual cenário de juros altos. O risco de uma recessão está aumentando, e as pressões sobre os preços estão diminuindo gradualmente. As autoridades monetárias deixaram as “portas abertas” para apertos adicionais caso necessário, dado que a inflação continua muito acima da meta. Dito isso, acreditamos que os juros ficarão inalterados até a quarta ou quinta reunião do BCE em 2024, quando deve começar um ciclo de afrouxamento monetário gradual.
Estímulos adicionais na China não alteram a dinâmica de crescimento mais fraco. Apesar de o PIB do 3º trimestre ter surpreendido positivamente, o crescimento da economia chinesa tem decepcionado este ano. Recentemente, o governo anunciou 1 trilhão de yuans (cerca de US$ 140 bilhões) em estímulos adicionais, mas isso não deve alterar significativamente a atividade econômica no curto prazo. Ademais, não esperamos que esses estímulos alterem significativamente as dinâmicas de crescimento da China, e nossa visão permanece a mesma: à medida que a China enriquece, espera-se que seu ritmo de crescimento continue desacelerando. Os impulsionadores do crescimento tendem a mudar dos setores imobiliário e externo para consumo e tecnologia, e o PIB provavelmente expandirá abaixo de 5% nos próximos anos.
Os preços das commodities continuam sensíveis aos riscos geopolíticos. O preço do petróleo do tipo Brent foi negociado entre US$ 85-90 no último mês – níveis que não consideramos como ameaça ao processo de desinflação global. No entanto, os preços das commodities têm sido muito voláteis em meio às incertezas geopolíticas crescentes. Não esperamos que os preços voltem a acelerar, embora a possibilidade de uma escalada da guerra no Oriente Médio represente um risco altista. De qualquer forma, as cotações permanecem em níveis historicamente elevados, o que tem beneficiado seus exportadores.
Na América Latina, os dados de inflação de outubro foram mistos. As leituras do índice de preços ao consumidor (IPC) foram benignas em países que já começaram a baixar suas taxas de juros de referência. No Brasil, a inflação surpreendeu para baixo e caiu para 4,8%. Houve sinais contínuos de desinflação na categoria de serviços e na média dos núcleos, que o BCB chama de “segunda fase de desinflação”. No Chile, a inflação caiu para 5,0% em outubro, com sinais positivos da medida que exclui itens voláteis – a medida de preços preferida do BCCh (banco central do Chile). No Peru, a inflação também arrefeceu, e a variação de doze meses atingiu 4,3% em outubro. Nestes países, leituras benignas de inflação poderiam justificar uma aceleração do ritmo de corte de juros, embora o ambiente global desafiador possa ser um obstáculo. Enquanto isso, no México, a inflação anual atingiu 4,3% em outubro, mas o processo de desinflação em bens parece perder força, enquanto os preços de serviços continuam sob pressão e muito resistentes. A queda muito gradual no núcleo da inflação não é uma boa notícia para o ciclo de corte juros que ainda está por vir. Finalmente, na Colômbia, apesar da surpresa baixista nos dados de outubro, a inflação anual permanece muito alta, em 10,5%. Além disso, a categoria de serviços continua muito resistente e provavelmente adicionará pressão às autoridades monetárias, que ainda não estão confiantes para começar a reduzir as taxas.
Juros altos nas economias desenvolvidas continuam a afetar os ativos da América Latina. Desde que os juros longos começaram a subir nos EUA, o dólar ganhou força contra a maioria das moedas globais. O índice DXY do dólar subiu de 100 pontos em meados de julho para 107 pontos em outubro. Após a correção parcial nas taxas americanas, o DXY também recuou um pouco, para cerca de 105 pontos – patamar ainda elevado. Não surpreendentemente, as moedas latino-americanas também perderam valor contra o dólar, e, no geral, por mais do que as variações no DXY (moedas de beta alto). Em outras palavras, as taxas globais afetaram significativamente as moedas da América Latina e essa tendência deve continuar adiante. Ainda acreditamos que as moedas na região estão sendo negociadas um pouco abaixo de seus valores justos, mas o cenário global pode impedir uma apreciação no curto prazo. Moedas mais fracas podem adicionar pressões inflacionárias, representando um desafio para os ciclos de afrouxamento monetário dos bancos centrais da região.
Os juros longos da América Latina também reagiram. Apesar de os bancos centrais na região estarem no meio de seus ciclos de de corte de juros ou debatendo quando começar, as taxas dos títulos públicos aumentaram na maioria dos países desde julho, refletindo a alta dos juros americanos. Os juros de 10 anos estão mais altos hoje do que estavam em meados de julho e permanecem sensíveis às Treasuries. Esses movimentos refletem a percepção de juros altos no exterior podem limitar o espaço que os bancos centrais da América Latina têm para aliviar a política monetária.
Abordagem cautelosa para o afrouxamento da política monetária. Os ciclos de cortes em andamento devem continuar mesmo com juros globais mais altos, dado que as taxas reais permanecem consideravelmente restritivas, a atividade econômica começou a enfraquecer na maioria dos países, e o processo de desinflação está avançando. No entanto, o cenário global desafiador justifica um ritmo de cortes mais moderado e taxas terminais potencialmente mais altas. Países que ainda não começaram a cortar as taxas provavelmente começarão em breve, embora com mais cautela quanto ao momento adequado. Em geral, o espaço para cortes dependerá de onde as taxas de juros reais se encontram em relação aos EUA e do prêmio de risco associado a cada país.
- O Chile iniciou seu ciclo de cortes com confiança, reduzindo as taxas em 1,0pp, embora tenha desacelerado para um ritmo de 0,75pp e depois para 0,50pp. Reacelerar ainda é uma opção, dadas as leituras benignas de inflação, embora isso dependa em grande parte do cenário global e da resposta da taxa de câmbio. Além disso, os mercados começaram a precificar uma taxa terminal mais alta em 2024, ao redor de 6,0%, em comparação com 4,5% cerca de um mês atrás.
- No Brasil, o primeiro corte de 0,50pp também foi maior do que muitos esperavam, embora a possibilidade de acelerar o ritmo para 0,75pp esteja se tornando cada vez mais improvável pelos mesmos motivos. O BCB manteve o ritmo de aperto por três reuniões consecutivas, e esperamos que essa postura continue. Mantemos nossa visão de uma taxa Selic terminal acima do consenso de mercado, de 10,0% em 2024 (ainda restritiva). As apostas do mercado se aproximaram da nossa projeção recentemente.
- No Peru, o BCRP (banco central do Peru) reduziu as taxas para 7,0% este mês, mantendo o ritmo de 0,25pp, e leituras benignas de inflação reforçam que há espaço considerável para continuar. Ainda assim, dado que as reuniões acontecem com frequência mensal e há incertezas globais contínuas, o ritmo deve continuar moderado.
- Na Colômbia, o início do ciclo de cortes está próximo, embora a persistência da inflação de serviços, combinada com a postura dura do conselho do BanRep (banco central local), provavelmente adie o primeiro corte de dezembro para janeiro. Além disso, a expectativa de que inflação permanecerá elevada ao longo de 2024 deve forçar os juros em níveis restritivos por mais tempo.
- O México tende a ser o mais afetado pelas Treasuries devido à sua forte integração com os EUA. Do lado doméstico, a economia segue superaquecida, gastos do governo estão elevados e a dívida pública está crescendo. Portanto, projetamos o primerio corte apenas no 2T24. A política monetária deve permanecer restritiva ao longo do próximo ano, em meio à alta incerteza sobre quando a inflação deve convergir para a meta e posicionamento duro do Fed.
O viés fiscal expansionista é outra razão para manter a política monetária restritiva por mais tempo. A maioria dos governos na região tem uma agenda ambiciosa de gastos e déficits fiscais são esperados neste ano e no próximo.
- No México, com um ano eleitoral pela frente, espera-se que o presidente AMLO aumente o estímulo fiscal elevando os gastos que beneficiam as famílias de baixa renda. Tendo mantido uma política fiscal rígida ao longo de seu governo, AMLO tem espaço para registrar um déficit fiscal no próximo ano, o que deve sustentar ainda mais a já forte atividade doméstica. No entanto, uma correção seria importante para o futuro.
- No Brasil, questões fiscais continuam no centro das atenções. O governo tem sido muito otimista em relação ao aumento da arrecadação tributária, e as discussões crescentes sobre a mudança na meta de resultado primário para o próximo levantam preocupações. Além dos efeitos de enfraquecimento do quadro para o próximo ano, a mudança pode implicar uma trajetória de dívida pública mais alta no longo prazo, na nossa visão.
- Na Colômbia, o projeto de lei orçamentária do governo para 2024 e suas novas projeções fiscais mostram um relaxamento significativo do ajuste fiscal esperado nos próximos quatro anos. Isto inclui um aumento substancial nos gastos primários e projeções de receitas excessivamente otimistas. Essas suposições deixam pouco espaço para manobra, aumentam os riscos de deslizes fiscais e consolidam a Colômbia como um país com classificação de crédito especulativo. Assim como no Brasil, o governo também parece muito otimista em relação ao aumento de arrecadação, e os resultados fiscais podem ser piores do que o esperado.
- No caso do Chile, a Lei Orçamentária de 2024 estima um déficit efetivo equivalente a 1,9% do PIB. A dívida em relação ao PIB no Chile permanece mais baixa em comparação com seus pares, embora antecipamos uma piora nos próximos anos. Além disso, o risco de que o crescimento econômico seja mais fraco do que o governo projeta pode levar a resultados piores. Projetamos que a dívida em relação ao PIB deverá subir de 38,2% este ano para 41,1% em 2024.
- Na Argentina, há preocupações mais profundas, pois o governo luta para honrar suas responsabilidades de dívida. Não há espaço para gradualismo fiscal, dada a má administração das contas públicas no passado, e qualquer programa de estabilização pelo novo governo a ser eleito deve abordar prontamente o déficit consolidado do setor público.
Em geral, as contas fiscais continuam sendo uma preocupação na região, e os gastos públicos elevados podem exigir que as taxas de juros de referência permaneçam restritivas por mais tempo.
Divergência no momento de crescimento na América Latina. Com a política monetária em território restritivo por quase dois anos na maioria das economias da região, o enfraquecimento da atividade econômica tende a se tornar mais claro. Chile, Peru, Colômbia e Brasil enfrentam ajustes cíclicos à demanda agregada depois de terem crescido consideravelmente nos últimos anos. A tração econômica parece estar mudando, com cada um desses países tendo suas particularidades.
- No Brasil, o setor agrícola apresenta forte crescimento este ano e impulsiona o PIB, embora setores mais sensíveis à política monetária e aos ciclos econômicos estejam crescendo em ritmo muito mais moderado. A contribuição do setor agrícola será consideravelmente menor daqui para frente, e o crescimento enfraquecerá nos próximos trimestres.
- No Chile, após a contração no 2T, a economia provavelmente se estabilizou no 3T, já que os indicadores antecedentes surpreenderam positivamente. No Peru, a atividade se recuperou recentemente, embora os dados gerais apontem para virtual estagnação econômica.
- Enquanto isso, na Colômbia, a atividade econômica melhorou após registrar contração no 2T, embora esperemos fraqueza adiante, já que a luta do BanRep para começar a reduzir as taxas de juros e o fenômeno climático El Niño representam risco adicional. No geral, esperamos que a maioria das economias da região mantenha um ritmo de crescimento tímido nos próximos anos, em meio a condições financeiras que que devem permanecer restritivas ao longo de 2024.
- O México é uma exceção na região, já que a economia continua a crescer fortemente, sustentada pela resistência da economia dos EUA, bem como pelo investimento em infraestrutura privada e pública. Sua resiliência deve continuar por um tempo, especialmente se os EUA permanecerem fortes.
Os dados do PIB do 3T24 na região, a serem publicados nas próximas semanas, provavelmente darão mais luz sobre o desempenho recente da atividade econômica em cada país.
Taxa de Juros altos por mais tempo podem ter impactos duradouros no crescimento econômico na América Latina. Com o mundo lutando para encontrar espaço para normalizar a política monetária, a retomada do crescimento econômico pode demorar. Isso é particularmente relevante se choques de oferta, como o El Niño e preços mais altos do petróleo em meio a tensões geopolíticas, atingirem essas economias com força e levarem a uma redução na renda disponível às famílias. Além disso, a evolução do nível de investimento e os ganhos de produtivuidade têm sido fracos na América Latina nas últimas décadas, especialmente quando comparados a outras regiões (gráficos). Esses fatores são “ventos contrários” adicionais para o crescimento da América Latina e podem prolongar o ajuste cíclico em muitos países da região. Portanto, as economias podem crescer abaixo do potencial até que haja condições monetárias mais frouxas.
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