Nesse relatório, trazemos nossa visão sobre os potenciais impactos decorrentes da aprovação do teto do rotativo. A aprovação do texto do projeto de lei ocorreu hoje no Senado e seguirá para sanção presidencial. No entanto, a definição do teto ainda vai depender do que os bancos vão propor ao Conselho Monetário Nacional (CMN) no prazo de 90 dias após sanção presidencial. Entretanto, utilizando as informações já disponíveis fizemos um exercício para estimar os potenciais impactos no balanço dos bancos. Embora os impactos financeiros pareçam modestos, seguimos acreditando que a aprovação de um teto tende a ser negativa para a percepção de risco do setor. Por fim, reforçamos que caso a mudança ocorra, os bancos, que estão contrários a mudança, podem responder mudando suas condições de parcelamento sem juros.
A discussão sobre o estabelecimento de um teto para os juros do crédito rotativo ganhou destaque no mercado nos últimos meses. O principal motivo é que esta modalidade é uma das mais caras dentro do SFN (Sistema Financeiro Nacional). Em agosto de 2023, o custo médio do rotativo no Brasil atingiu 445% ao ano.
Entretanto, na nossa visão há alguns motivos para que o custo dessa modalidade seja tão expressivo. Em primeiro lugar, é importante pontuar que o crédito rotativo é um tipo de crédito oferecido ao consumidor quando ele não faz o pagamento total da fatura do cartão até o vencimento. Portanto é possível perceber que este é um crédito sem garantia e, logo, mais arriscado para a instituição que concede o crédito. Ademais, devido a uma particularidade do mercado brasileiro, a linha de crédito rotativo acaba sendo uma forma de as instituições financeiras subsidiarem o “parcelado sem juros”, e atualmente é a principal fonte de receita no segmento de cartões para os bancos emissores.
O Projeto de Lei (PL) atualmente encontra-se no Senado Federal. O texto foi aprovado hoje (02) e segue para sanção presidencial. No entanto, o PL trata não só do teto do rotativo, mas também do programa governamental de renegociação de dívidas “Desenrola Brasil”.
O programa Desenrola, atualmente vigente, surgiu após a edição de uma Medida Provisória (MP) que irá caducar no próximo dia 03 de outubro (120 dias após a sua entrada em vigor). Portanto, caso o PL não seja aprovado antes do prazo de caducidade da MP, o programa Desenrola pode vir a ser interrompido.
Em relação à tramitação no Senado, houve aprovação do texto no dia 28/09/2023 na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e hoje, dia 02/10/2023, o texto foi apreciado no plenário (em sessão extraordinária). Eventuais alterações aconteceriam por meio de Emendas de Redação, o que não requere que o texto precise voltar à Câmara dos Deputados e garante assim a continuidade do programa Desenrola.
Em relação ao texto apresentado pelo Relator, Deputado Alencar Santana, é possível destacar:
“Art. 28. Os emissores de cartão de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos utilizados em arranjos abertos ou fechados, como medida de autorregulação, devem submeter à aprovação do Conselho Monetário Nacional, por intermédio do Banco Central do Brasil, de forma fundamentada e com periodicidade anual, limites para as taxas de juros e encargos financeiros cobrados no crédito rotativo e no parcelamento de saldo devedor das faturas de cartões de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos.
§ 1º Se os limites referidos no caput deste artigo não forem aprovados no prazo máximo de 90 (noventa) dias, contado da data da publicação desta Lei, o total cobrado em cada caso a título de juros e encargos financeiros não poderá exceder o valor original da dívida.”
Portanto, segundo a redação aprovada, caso não haja aprovação de um valor máximo junto ao Conselho Monetário Nacional (CMN), o total cobrado a título de juros e encargos financeiros não poderá exceder o valor original da dívida. Ressalta-se, no entanto, que em nossa visão no prazo de 90 dias os bancos devem apresentar uma proposta ao Conselho Monetário Nacional (CMN). E, portanto, a definição sobre qual será o teto que irá vigorar não se encerra com a aprovação do texto no Senado.
Embora o prazo de 90 dias tenha sido ponto pacífico, o trecho do limite gerou entendimentos distintos. Para alguns a redação deveria ser entendida como uma taxa máxima de 100% ao ano, enquanto para outros o entendimento foi de que seria o máximo de juros só poderia ser igual ao valor do principal (se a dívida era de R$ 100, no máximo o cliente pagaria R$ 200. Sendo R$ 100 de principal e os outros R$ 100 a título de juros e encargos financeiros).
Em conversas com nosso time de política, nos parece que a visão que deverá prevalecer é de que o teto dos juros será o equivalente ao dobro do principal. Com base neste entendimento, decidimos estimar os potenciais impactos nos resultados dos bancos caso o texto aprovado entre em vigor.
Lembramos que, como dito anteriormente, a aprovação do texto no Senado ainda dará espaço para que os bancos aprovem junto ao CMN uma outra proposta, mas devido à visibilidade limitada optamos por fazer contas com as informações já disponíveis.
Neste cenário o impacto no resultado dos bancos deveria ser imaterial. Abaixo vamos dar os detalhes de nossos cálculos, mas antes é preciso dar luz a dois pontos da legislação sobre o crédito rotativo.
Em primeiro lugar, de acordo com a Resolução Nº 4.549, de 26 de janeiro de 2017:
“O saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos, quando não liquidado integralmente no vencimento, somente pode ser objeto de financiamento na modalidade de crédito rotativo até o vencimento da fatura subsequente.”
Ou seja, o prazo máximo que um cliente pode ficar no rotativo seria de 30 dias. Após este período três coisas podem acontecer:
- Ele quita o valor em atraso e sai do rotativo;
- Ele opta por uma das opções de parcelamento e migra para um crédito parcelado, seja dentro da própria fatura, seja fora da fatura através de um crédito pessoal (clean) ou consignado; e
- Não paga nada e se torna um cliente inadimplente.
Neste terceiro cenário, entra em cena o Artigo 9 da Resolução Nº 2682 também do Banco Central do Brasil. Conforme abaixo:
“Art. 9º É vedado o reconhecimento no resultado do período de receitas e encargos de qualquer natureza relativos a operações de crédito que apresentem atraso igual ou superior a sessenta dias, no pagamento de parcela de principal ou encargos.”
Ou seja, segundo esta resolução, o prazo de 60 dias é o máximo para a contabilização de juros de operações inadimplentes.
Portanto, em nossa visão, o máximo que um cliente pode permanecer no rotativo seria de 90 dias. 30 adimplente e 60 inadimplente. Apenas para facilitar a compreensão, apresentamos o seguinte caso hipotético:
O cliente no dia 1º de determinado mês deve pagar sua fatura no total de R$ 1.000. A fatura apresenta ainda a opção de pagamento mínimo de R$ 150 (15% do total). Caso o cliente pague o mínimo, ele estará financiando R$ 850 pelos próximos 30 dias ao custo do crédito rotativo. No dia 1º do mês subsequente ele terá de pagar os R$ 850 acrescidos de juros: i) de uma única vez; ii) aderir a uma opção de crédito parcelado; ou iii) não pagar nada.
Caso ele não pague nada e fique inadimplente, o cliente estaria incorrendo em juros do rotativo durante os primeiros 30 dias (ainda adimplente) amparado pelo pagamento mínimo da fatura e depois por mais 60 dias (já inadimplente) e o banco contabilizaria os juros seguindo a Resolução 2682.
Aqui vale uma ressalva, sabemos que a maioria dos bancos incumbentes possui um prazo médio da ordem de 20 dias em que o cliente fica no rotativo. Isso porque o cliente que atrasa a fatura alguns poucos dias também está “entrando no rotativo”. E embora a inadimplência do rotativo seja bastante elevada (<50% segundo os dados de crédito de agosto do BCB), nem todos os clientes ficam os 90 dias no rotativo. Ou seja, a média é menor que os 90 dias que apresentamos.
Entretanto, para fins da nossa simulação vamos adotar que na média o cliente do rotativo permaneça nesta linha por 90 dias. Em seguida calculamos a taxa de juros do rotativo equivalente a um dia. Partimos da taxa média divulgada pelo BCB (455% a.a.).
A taxa equivalente a um dia útil é 0,6824%. Se o cliente fica no máximo 90 dias nesta taxa, ao final de 90 dias a taxa incorrida pelo cliente é de 84,42%. Abaixo do que está previsto no PL.
Isto tudo posto, acreditamos que, caso o PL vá adiante com a redação atual e o entendimento prevaleça, o impacto para os grandes bancos seria quase imaterial.
Ainda dentro em relação a este entendimento e assumindo que possa ser incluído na redação uma restrição adicional em relação ao prazo, calculamos qual seria o juro máximo que os bancos poderiam cobrar para que o total da dívida não ultrapasse o dobro do principal em um período de doze meses.
Registra-se, no entanto, que o cálculo que fizemos parte da premissa que a maioria dos parcelamentos oferecidos pelos bancos utiliza-se da tabela PRICE, em que as prestações são iguais ao longo do contrato.
Abaixo trazemos a tabela com nossa simulação:
Logo, para uma dívida de R$ 100 com a instituição financeira cobrando uma taxa mensal de 12,7% (equivalente a 319% ao ano) o total pago a títulos de juros e encargos seria R$ 99,88 ou 99,88% do principal. Dentro do limite estabelecido pelo PL atualmente em discussão no Senado.
Alternativamente, há a interpretação de um possível cap com juros de 100% ao ano. Dado este cenário, concluímos que haveria um impacto negativo no lucro dos grandes bancos. Utilizando como base os dados do Itaú, estimamos que o lucro líquido proveniente do rotativo seja da ordem de R$ 600 milhões. Com um limite dos juros do rotativo em 100%, este lucro seria reduzido para algo em torno de R$ 230 milhões, causando um impacto negativo de R$ 380 milhões (aproximadamente 1% do lucro líquido esperado para 2024).
Seguimos monitorando os temas de perto em conjunto com o time de análise política.