Entrevista com Miguel Rio Branco: um dos principais fotógrafos brasileiros no momento

Veja uma conversa com um dos maiores artistas brasileiros da atualidade falando de sua arte, vida e impressões sobre o mundo



Miguel Rio Branco é hoje um dos artistas brasileiros com maior projeção internacional. Suas obras fazem parte do acervo de museus importantes como o Metropolitam Museum e o MOMA de Ny . Aqui no Brasil, tem um pavilhão dedicado à sua obra no Inhotim e também está nas principais coleções privadas e institucionais. Casado com a fotógrafa sérvia Isidora Gajic, Miguel nos conta na entrevista a seguir um pouco de sua história, do seu processo criativo e da experiência de ser pai novamente aos 70 anos.

Confira a entrevista

Silvia Cintra: A exposição que inaugurou agora em setembro no Le Bal em Paris mostra parte da sua produção fotográfica entre 1968 e 1992. O que você acha que mais mudou na sua obra ao longo desses anos?

Miguel Rio Branco: A exposição recém inaugurada em Paris, no Le Bal, é uma mostra que foi construída por dois curadores: Diane Dufour (diretora do Le Bal) e Alexis Fabri (curador, editor e marchand, talvez o maior conhecedor de fotografia latino-americana atualmente), com pérolas achadas aqui onde moro e outras de coleções europeias, conseguindo, assim, uma mostra muito especial, coesa e esteticamente instigante. Na verdade, entre 1968 e 1992, o documento ainda fica bem claro, mesmo nas imagens que beiram o abstrato e o simbólico, não têm grandes mudanças nessa escolha. As mudanças começaram em paralelo nos anos 90, com o uso de formato quadrado e tratamento mais simbólico, pictórico e afastado do social, mais próximo do tempo como tema.

SC: O MoMA de NY mostrou recentemente na sua reabertura uma série que você fez na cidade no período em que viveu lá, no início da década de 70. Em NY você morou com Hélio Oiticica e era amigo de Gordon Matta Clark. Foi nesse momento que você se aproximou do mundo das artes? Qual a importância desse período na sua formação como artista?

MRB: NY entre 70/72 foi muito importante como uma documentação pessoal de onde morava, o Lower East Side de NY. Hélio Oiticica, como um instigador de criação, me deu um belo apoio no que eu estava fazendo. Mas minha aproximação com o mundo da arte, com a pintura essencialmente, tinha acontecido anos antes (1964/1967), também em NY, quando ainda estudava no Liceu Francês. Fiz duas exposições de pintura e tive a sorte de ser apresentado a Maria Martins, que em 1967 escreveu a apresentação de exposição de desenhos/colagens na galeria Relevo de Jean Boghici.

SC: Você é filho de diplomata, passou a infância e adolescência em muitos países e costuma dizer que até sua volta ao Brasil no final dos anos 60, não conhecia muito da dureza da realidade brasileira. Como foi esse processo de se aprofundar nessas questões?

MRB: A volta em 67, depois a breve passagem na ESDI em 68, manifestações estudantis e começo do uso da fotografia como expressão artística mais conectada ao real, longe das galerias e vernissages, foi uma primeira quebra. Em 1970, antes de ir para NY, fiz fotografia de cena na ilha de Itaparica, levado por Afonso Beato, diretor de fotografia no filme Pindorama de Arnaldo Jabor: ali foi o verdadeiro aprendizado prático da fotografia em cor, em PB, com edição de imagem e conhecimento de um Brasil perdido no tempo! Um filme de época em uma ilha então bucólica, onde nem automóvel tinha. Mas o verdadeiro choque com a realidade brasileira veio na minha segunda volta de NY, já com o olhar crítico mais apurado pelo trabalho do Lower East Side, comecei a ver a riqueza humana em situações extremamente precárias. Esses anos acabaram rendendo a obra “Negativo Sujo”, onde o Nordeste, sobretudo o sertão da Bahia, era o tema principal.

SC: As suas fotografias dessa época eram bastante diretas e até violentas. Ao longo do tempo, um lado mais leve começou a aparecer nos seus trabalhos. Essa dualidade é uma questão que te interessa?

MRB: Sim, essa dualidade existe sempre na vida. Essa violência continua presente em algumas obras, continuo ficando muitas vezes revoltado com as situações loucas que vemos diariamente e isso sai em algumas obras.

SC: Você costuma dizer que o cinema foi a sua grande influência. A ideia de sequência e “colagem” de imagens tão presentes na sua obra vem dessa relação com o cinema?

MRB: O cinema com sua união de várias artes, dinâmica de vida e morte, podendo através de sua mágica levar-nos a viver e sentir outras vidas, acaba sendo a grande arte. Foi no final dos anos setenta, vivendo em NY, ainda estudando e vivendo com meus pais, que fiquei viciado em filmes PB, clássicos do cinema americano e sessões da meia noite na TV. O filme e suas múltiplas construções me deram uma noção de linguagens poéticas infinitas. E sim, a noção de montagem cinematográfica me influencia até hoje.

SC: A série “Maldicidade” fala sobre a falência e solidão das grandes cidades. Esse é um tema que te interessa muito, mas em que momento você decidiu se afastar do Rio de Janeiro e ir viver no campo?

MRB: A meu ver, estamos vivendo a falência de um tipo civilizatório e as cidades são uma prova dessa falência. Claro que isso fica bem mais óbvio em países desequilibrados como os subdesenvolvidos. O acumulo de pessoas em cidades gigantescas onde a natureza é tida como inimiga, secundária, algo para ser dominado, nos levou a situações insalubres e doentias. Tendo passado a maior parte de minha vida nessas cidades, fui cada vez mais as sentindo como opressivas, tristes e cada vez oferecendo menos. Já tinha morado perto de cidades nos arredores de Salvador, anos atrás quando voltei a pintar, e isso foi extremamente saudável para mim. Quando vim morar na serra, era novamente e definitivamente a noção de que nossas cidades estavam simplesmente se tornando lugares decadentes, doloridos. A necessidade de estar fora, perto das árvores, foi essencial para que pensasse o que tinha deixado para trás.

SC: Você acredita que o papel das cidades vai ser repensado no mundo pós pandemia?

MRB: Acredito que algumas cidades, em países mais desenvolvidos, cidades médias e não megalópoles, vão tentar ser mais saudáveis e mais perto da natureza, mais ecológicas. Mas na maioria nada vai mudar.

SC: Você costuma criticar a obsessão de certos fotógrafos com as câmeras digitais e novidades tecnológicas. Você acredita que tantas inovações e facilidades que existem hoje, afastam o artista do mundo real?

MRB: A tecnologia é um instrumento a ser utilizado para nossos potenciais de criação e pode ajudar muito, mas se não tivermos nada a dizer, não servem para nada.

SC: Você também critica Andy Warhol por ter colocado a publicidade como ato de criação. Hoje a arte virou entretenimento. Qual seria então o papel do artista? Especialmente no Brasil de hoje?

MRB: Não acredito que o artista hoje tem de ser ligado à sua realidade imediata, o seu país, a sua realidade. Apesar da pandemia, continuamos conectados: no entanto, se houver um colapso total das comunicações, aí sim vamos ter que ser apenas locais e ligados aos nossos vizinhos, o nosso “país” vai ser um horror! O papel do artista verdadeiro foi sempre o de ser uma pessoa que através da própria identidade conseguiu transmitir identidades universais, empatia, sentimentos de prazer e dor… tentar motivar e dar obras que tentem dar alguma razão para tudo que somos e vivemos.

SC: Você tem um filho de dois anos, Dimitri. Como está sendo pra você a experiência de ser pai novamente?

MRB: Ser pai, novamente, nessa idade, me mostra como nada na arte chega aos pés do que é uma criança. Um ser humano com um potencial de aprender gigantesco, um potencial de como mudar o mundo, e como de certa maneira, quando aceitamos virar adultos colocamos tudo a perder. Os bons artistas não viram adultos.

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